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"O senhor professor precisa de ajuda?"

"Não, deixe estar. Eu cá me desenrasco, já me vou habituando." Parou diante da recepção e olhou para dentro da casa. "A minha mãe? Onde está ela?"

"A dona Graça?" A recepcionista recuou uns passos, parou diante da porta do salão e olhou lá para dentro. "Não a vejo aqui."

"Estará no quarto?"

Tomás aproximou-se da recepcionista, mas ela entrou de imediato no salão e foi falar com um idoso. Da porta, Tomás escutava os sons da conversa, mas não distinguia as palavras. O idoso disse alguma coisa imperceptível e a recepcionista espreitou pela janela, deu meia volta e regressou à entrada.

"Ela afinal está lá fora, no jardim", revelou. "Quer que eu a chame?"

"Não, deixe estar. Eu vou ter com ela."

Movimentando-se com dificuldade, o corpo a balouçar entre as duas muletas e a perna engessada muito hirta, Tomás saiu da vivenda e caminhou ao longo da relva, por entre os canteiros coloridos de roseiras, hipericões e nigelas. Contornou o lar e foi dar ao jardim traseiro, onde vários hóspedes se encontravam sentados em bancos de madeira a saborear o sol matinal. As andorinhas chilreavam nos ramos dos pinheiros, alegres e irrequietas, enchendo a verdura de musicalidade; um cheiro a erva fresca flutuava no ar, era um perfume agradável, uma essência pura e aromática que exalava a relva ainda molhada pela rega da manhã.

Passeou os olhos pelo jardim e viu a mãe sentada lá ao fundo, à sombra de um pinheiro manso, o olhar perdido na floresta vizinha. Sempre equilibrado nas canadianas, Tomás aproximou-se devagar, agora um passo e depois outro; atravessou o relvado até chegar junto dela e parar ao lado da cadeira.

313

"Olá, mãe."

Dona Graça voltou a cabeça e mirou-o de modo estranho. Não o olhou com a alegria do reencontro, como seria de esperar depois de dois meses sem ver o filho, mas com curiosidade.

"Bom dia."

O filho inclinou-se e beijou-a na face.

"A mãe está boa?"

Dona Graça manteve-se muito hirta, quase distante.

"Desculpe, o senhor deve estar a confundir-me com outra pessoa."

Esta declaração, proferida num tom quase indiferente, atin-giu-o com a força de uma bofetada. Apanhado desprevinido, Tomás hesitou, desconcertado.

"O mãe, sou eu", disse, pondo a mão no peito. "O Tomás."

Ela estendeu a mão para o cumprimentar.

"Como está?", perguntou. "Eu sou Graça Noronha."

Tomás ignorou a mão que lhe era estendida e insistiu, mais veemente, mexendo-lhe no ombro como se a quisesse despertar do sono.

"Sou eu, mãe. O seu filho. Sou o Tomás, o seu filho."

Dona Graça sorriu com bonomia.

"O senhor é muito simpático, mas já lhe disse que deve estar a fazer confusão", murmurou ela, numa entoação tranquila. "O meu filho chama-se, de facto, Tomás, mas ainda é pequenino, coitadinho."

Tomás olhou longamente para a mãe, ansioso. Seria possível que ela tivesse recuado assim tanto no tempo? Seria possível que já nem sequer o reconhecesse?

Seria possível? Olhou para a mãe com intensidade e, naquele instante de terrível angústia, percebeu que a tinha perdido para sempre. Já sem se poder conter, sentiu os olhos embaciarem-se de lágrimas, como se as comportas de uma barragem se tivessem aberto, e teve de se afastar à pressa.

Era de mais.

Caminhou desajeitadamente para junto do pinheiro vizinho, as costas voltadas para a mãe, e ali ficou um longo instante a soluçar, as gotas brotando-lhe dos olhos e zigueza-gueando pelo rosto, quentes e intensas, um nó a estrangular-lhe a garganta. Não ser reconhecido pela própria mãe pare-cia-lhe das coisas mais tristes que podiam acontecer a alguém.

"O senhor Tomás está bem?", perguntou dona Graça lá atrás, preocupada com a súbita comoção daquele estranho.

314

Ainda de costas, Tomás fez que sim com a cabeça. Inspirou fundo, passou as costas da mão pelo nariz, limpando o ranho, e com a palma da outra secou as lágrimas que lhe molhavam o rosto. Sentindo que retomara o comando das emoções, como se a onda que ameaçara afogá-lo tivesse passado, voltou para junto da mãe e puxou uma cadeira vazia.

"Importa-se que eu me sente ao pé de si?"

"Com certeza", condescendeu ela, com um sorriso polido. "É muito simpático da sua parte." Inclinou a cabeça e obser-vou-o com compaixão, atenta aos seus olhos avermelhados. "Sente-se melhor?"

"Sim, obrigado."

"Está com problemas na vida?"

Tomás fungou.

"Mais ou menos."

"É assunto de família?"

"Sim, pode dizer-se que é assunto de família."

Dona Graça contemplou o pinhal e suspirou.

"A minha já não me vem visitar há muito tempo." Mordeu o lábio, assombrada pela nostalgia. "Muito tempo, mesmo."

Tomás assentiu com a cabeça. Olhou para a mãe e, sem perceber como nem porquê, pensou na impermanência da vida, na transitoriedade das coisas, na efemeridade do ser; diante dele a existência fluía como um sopro, sempre em mutação, tudo muda a todo o instante e nada jamais volta a ser o mesmo. Não há finais felizes, reflectiu de si para si. Todos temos um sétimo selo para quebrar, um destino à nossa espera, um apocalipse no fim da linha. Por mais êxitos que somemos, por mais triunfos que alcancemos, por mais conquistas que façamos, para a última estação está-nos sempre reservada uma derrota. Se tivermos sorte e nos esforçarmos por isso, a vida até pode correr bem e ser uma incrível sucessão de momentos felizes, mas no fim, faça-se o que se fizer, tente-se o que se tentar, diga-se o que se disser, aguarda-nos sempre uma derrota, a mais final e absoluta de todas elas.

"Importa-se que eu seja a sua família?", perguntou ele, quebrando um longo silêncio melancólico.

Dona Graça olhou-o, surpreendida, algures entre intrigada e divertida.

"O senhor? Minha família?"

"Sim, porque não?" Encolheu os ombros. "Se ninguém a vem visitar, o que tem a senhora a perder?"

315

Ela baixou os olhos verdes, subitamente brilhantes pela comoção; não esperava tanta generosidade daquele estranho para com uma velha que a família parecia ter esquecido.

"Está bem", sussurrou, quase inaudível. "Pode ser." Tomás estendeu o braço à mãe e ficaram ali os dois sentados, de mãos dadas, ambos a fruir o calor terno e meigo da mão do outro, a desfrutar das carícias doces do sol da manhã, do grinfar melodioso das andorinhas, do aroma revigorante da relva e do rumor das árvores a ondularem suavemente ao vento. Deixando-se embalar por aquele sereno concerto da natureza, Tomás admirou a verdura com os olhos de quem sabe que tudo é fugaz, a vida é frágil, o que começa há-de acabar. As plantas e as flores farfalhavam diante de si como se o ritmo a que dançassem tivesse a marca da eternidade, quando afinal eram tão efémeras quanto a brisa que as agitava.

Nota final

O futuro do abastecimento energético constitui talvez o maior e mais importante desafio da humanidade para a próxima década. É na escolha do tipo de energia que nos irá alimentar que assenta a sobrevivência do planeta enquanto sistema biológico e a sustentabilidade da economia na qual o nosso modo de vida assenta, e o grande problema é justamente conciliar estes dois aspectos até aqui incompatíveis.

Muitos peritos encaram o hidrogénio como a nossa melhor hipótese, pelos motivos amplamente explicados neste romance, e o curioso é que o desafio nem sequer é novo. As potencialidades do hidrogénio foram descobertas em 1896 pelo cientista britânico William Grove e desde então esta fonte energética tem sido encarada como a grande esperança para o futuro. Um outro cientista britânico, John Haldane, estabeleceu em 1929 a visão de uma civilização movida a hidrogénio, um conceito que ganhou força com os choques petrolíferos da década de 1970.