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IAN FLEMING

O SATÂNICO DR. NO

Título originaclass="underline" Dr. NO

Título original em português: Terror no Caribe

TRADUÇÃO DE

JOÃO CORREIA SA

BESTSELLER

 Importadora de Livros S. A. São Paulo

Da capa do livro

Mais um violento livro da série "Serviço Secreto", de Fleming. Esta poderosa história dominará o leitor com uma força irresistível, que ele mal saberá classificar, tanto é suave, sensual, terrível!

Escrito em 1958, “Terror no Caribe” (Dr. No) foi o sexto livro sobre James Bond e o primeiro a ser filmado, em 1962, com o título, no Brasil, de “O satânico Dr. No”

ÍNDICE

I - O BRIDGE INTERROMPIDO

II - A ESCOLHA DAS ARMAS

III - TAREFA PARA AS FÉRIAS

IV - COMISSÃO DE RECEPÇÃO

V - FATOS E NÚMEROS

VI - O DEDO NO GATILHO

VII - TRAVESSIA NOTURNA

VIII - VÊNUS ELEGANTE

IX - POR UM TRIZ

X - O RASTRO DO DRAGÃO

XI - VIDA NO CANAVIAL

XII - A COISA

XIII - GAIOLA DE OURO

XIV - ENCONTRO COM O DR. NO

XV - A CAIXA DE PANDORA

XVI - HORAS DE AGONIA

XVII - O PROLONGADO GRITO

XVIII - ARENA DE SACRIFÍCIO

XIX - UMA CHUVA MORTAL

XX - TRABALHO ESCRAVO

I - O BRIDGE INTERROMPIDO

Pontualmente, às seis horas, o sol se pôs com uma derradeira irradiação amarela por trás das Montanhas Azuis, ao mesmo tempo em que uma onda de sombra violeta se esparzia ao longo da Estrada de Richmond e os grilos e sapos começavam a cricrilar e coaxar.

A não ser os ruídos produzidos pelos insetos, a ampla estrada estava mergulhada em silêncio. Os ricos proprietários das grandes residências retiradas — gerentes de bancos, diretores de companhias e altos funcionários civis — já se encontravam em casa desde as cinco horas e deveriam estar comentando o dia com suas esposas ou tomando um banho e mudando de roupa. Dentro de meia hora a estrada voltaria a regurgitar de vida com o "tráfego de coquetel", mas agora esse importantíssimo quilômetro de "Estrada Rica", como era chamado aquele trecho pelos comerciantes de Kingston, nada mostrava a não ser a tensa expectativa sugerida por um palco vazio e o perfume noturno e penetrante do jasmim.

A Estrada de Richmond é a artéria mais aristocrática em toda Jamaica. É a Park Avenue de Jamaica, a sua Kensington Palace Gardens ou a sua Avenue d'Iéna. As personalidades mais importantes vivem em grandes casas de antiquado estilo, situadas em áreas de um ou dois acres recobertos de belos gramados, que exibem as mais belas árvores e flores procedentes do Jardim Botânico do bairro de Hope. A extensa e reta estrada é fresca e sossegada, e fica retirada do torvelinho e do calor de Kingston, onde os homens de negócio ganham o seu dinheiro. A parte superior de uma junção que forma um T confina com os terrenos de King's House, onde o Governador e Comandante-Chefe de Jamaica vive com a família. Em Jamaica, nenhuma estrada poderia ter mais bonito final.

No extremo oriental da barra superior do T, fica o número um da Estrada de Richmond, uma grande casa de dois andares, com amplas varandas pintadas de branco, contornando os dois pavimentos. Da estrada, um caminho de cascalhos leva até a sua estrada de pilastras, atravessando amplos parques cheios de quadras de tênis e onde, nesse entardecer, como aliás em todas as outras tardes, se podiam ver os irrigadores de água em ação. Essa mansão é a Meca social de Kingston. É o Clube da Rainha, que, há cinqüenta anos, se tem orgulhado da freqüência de suas recusas à admissão de sócios, e dos desastrosos efeitos que tais recusas acarretavam aos pretendentes.

Tão irredutíveis retiros não sobreviverão por muito tempo na moderna Jamaica. Um dia o Clube da Rainha terá as suas janelas quebradas e será reduzido a cinzas. Por enquanto, porém, é um reduto encantador encravado numa ilha subtropical — bem administrado, com ótimos empregados, e com a mais fina cozinha e a melhor adega em todo o mar das Antilhas.

Naquela hora do dia, e na maioria das noites do ano, poder-se-iam encontrar os mesmos quatro automóveis estacionados na estrada do lado de fora do clube. Eram os carros de quatro jogadores que se reuniam pontualmente às cinco horas da tarde, e jogavam "brigde" até a meia-noite. Quase se poderia acertar o relógio por aqueles carros. Pertenciam, na ordem em que agora se enfileiravam no meio-fio, ao brigadeiro comandante da Força de Defesa das Antilhas, ao mais destacado criminologista de Kingston, e ao professor de Matemática da Universidade de Kingston. Em último lugar, na fila, vinha o "Sunbeam Alpine" preto, do comandante John Strangways, da Marinha Real, já reformado, mas agora ocupando o posto de Oficial do Controle Regional das Antilhas — ou, menos discretamente, o representante local do Serviço Secreto britânico.

Cerca das seis e quinze o silêncio da Estrada de Richmond foi suavemente rompido. Três mendigos cegos dobraram a esquina da junção e encaminharam-se vagarosamente, pela calçada, em direção aos quatro carros. Eram chigros — negros chineses — homens corpulentos, mas encurvados, em seu andar arrastado, com bengalas brancas ferindo o solo. Caminhavam em fila. O primeiro homem, que usava óculos azuis e que possivelmente enxergava melhor do que os outros, vinha à frente, segurando com a mão esquerda uma caneca de folha de encontro ao cabo recurvado da bengala. A mão direita do segundo homem descansava em seu ombro, e a mão direita do terceiro apoiava-se no ombro do segundo. Os olhos do segundo e do terceiro homens estavam fechados. Os três vestiam-se com farrapos e usavam sujos bonés de "baseball". Não conversavam e nenhum barulho deles partia, exceto as leves batidas de suas bengalas, enquanto se aproximavam vagarosamente dos quatro carros.

Os cegos não seriam um espetáculo estranho em Kingston, onde se podem encontrar muitas pessoas doentes pelas ruas, mas naquela luxuosa rua vazia causavam impressão desagradável. Era também estranho que todos eles fossem negros chineses, pois esta não é uma mistura de sangue muito encontradiça.

Na sala do carteado, a mão queimada pelo sol do comandante Strangways estendeu-se até o centro do pano verde e recolheu as quatro cartas. Ouviu-se um seco estalido quando as cartas se juntaram ao resto da mão de Strangways. — Cem honras — disse Strangways — e noventa em baixo! — Depois, olhou para o seu relógio e levantou-se. — Voltarei dentro de vinte minutos. A sua vez, Bill. Peça bebida. Para mim, como de costume. Não se dê ao trabalho de me "preparar" u'a mão, enquanto eu estiver fora. Eu descubro sempre a coisa.

Bill Templar, o brigadeiro, deu uma risadinha. Sacudiu uma sineta de chamada que estava ao lado e amontoou as cartas em direção a Strangways. — Para o diabo com você!... Você sempre deixa esfriar tanto as cartas como os seus parceiros.

A essa altura Strangways já tinha atravessado a porta. Os três homens acomodaram-se resignadamente em suas cadeiras. Um garção negro entrou e eles pediram as suas bebidas e um uísque com água para Strangways.

Havia sempre essa aborrecida interrupção, todas as noites, às seis e quinze, em meio ao seu segundo róber. Exatamente a essa hora, ainda que estivesse no meio de uma partida, Strangways tinha que ir para seu "escritório" a fim de "fazer uma chamada". Era profundamente desagradável, mas Strangways era um parceiro imprescindível no grupo dos quatro, e por isso os seus companheiros tinham que aceitar aquela situação. Nunca fora explicado que "chamada" era aquela, e também jamais alguém lhe fizera perguntas. As atribuições de Strangways eram estritamente reservadas e todos aceitavam o fato. Raramente se ausentava por mais de vinte minutos, e tàcitamente aceitava-se que pagasse essa "falta" arcando com a despesa de uma rodada de bebida.