Metade só das mesas estava ocupada, principalmente por pessoas de cor. Viam-se alguns marinheiros ingleses e americanos, com suas garotas. Um negro imensamente gordo metido num elegante "dinner jacket" branco deixou uma das mesas e veio ao seu encontro.
— Olá, sr. Q.! Há quanto tempo não aparecia por aqui! Uma boa mesa para dois?
— Isso mesmo, Polvo. Mais perto da cozinha que da música.
O homenzarrão riu-se. Levou-os para perto da praia e instalou-os numa mesa retirada, sob uma palmeira que nascera na base do edifício do restaurante.
— Bebidas?
Bond pediu seu gim tônico e Quarrel uma cerveja. Estudaram o cardápio e opinaram ambos por lagosta de forno e bife mal passado, com legumes da terra.
Foram servidas as bebidas. A poucos metros de distância o mar ciciava na areia lisa. O trio de músicos começou a tocar "Kitch". Acima deles, as folhas de palmeira batiam de leve umas nas outras, agitadas pela brisa noturna. Um sapo, em algum canto do jardim, coaxava como se estivesse rindo. Bond lembrou-se de Londres, que deixara havia tão pouco tempo.
— Gosto daqui, Quarrel — disse. Quarrel sentiu-se satisfeito.
— É um bom amigo meu, esse Polvo. Ele sabe de quase tudo o que vai pela cidade, e é só pedir se o senhor precisar de qualquer informação. Ele vem das ilhas Cayman. Tínhamos um barco de sociedade. Um belo dia, ele foi apanhar ovos de pássaros marinhos em Crab Key. Foi a nado até um rochedo, para pegar mais ovos, e aquele tal de polvo o agarrou. Há alguns, por aqui, dos pequenos, mas eles são maiores em Crab Key, que é banhada pelas águas fundas do estreito de Cuba. Meu amigo passou um mau quarto de hora com aquele bicho. Rebentou um pulmão, ao se libertar. Ficou com medo do mar e vendeu-me a sua parte no barco, e depois veio para Kingston. Isso foi antes da guerra. Agora, ele é um ricaço, enquanto eu continuo a pescar. — Quarrel riu-se, divertido com os caprichos da sorte.
— Crab Key — disse Bond. — Que espécie de lugar é esse?
Quarrel atirou-lhe um olhar penetrante.
— Agora, é um lugar azarado, chefe — respondeu secamente. — Um demônio de um chinês comprou-o durante a guerra e trouxe operários, e começaram a cavar o estéreo das aves. Não deixa ninguém desembarcar lá, nem sair. Nós nos mantemos bem à distância.
— Por quê?
— Ele tem uma porção de guardas. E fuzis — até fuzis-metralhadoras. E radar. E um avião de reconhecimento. Um amigo meu desembarcou lá, e nunca mais apareceu por aqui. Aquele chinês mantém a ilha completamente isolada. Para ser franco, chefe, — Quarrel estava como que a pedir desculpas — essa Crab Key me assusta.
Bond disse pensativamente:
— Ora veja! Sim, senhor!
Serviram o jantar. Enquanto comiam, Bond traçou para Quarrel um rápido esboço do caso Strangways. Quarrel ouviu-o atentamente, fazendo uma ou outra pergunta. Mostrou-se especialmente interessado nos pássaros de Crab Key e no que os guardas tinham dito, e como se supunha que tivesse ocorrido o desastre com o "Beechcraft". Finalmente, ele afastou o prato. Limpou a boca com as costas da mão. Puxou um cigarro do bolso e acendeu-o. Debruçou-se na mesa.
— Chefe, — disse em voz baixa —, eu não me importaria se fossem passarinhos, ou borboletas, ou abelhas. Se eles estavam em Crab Key, e se aquele seu colega foi meter o nariz nos negócios daquela gente, o senhor pode apostar todo o seu ordenado como ele seria reduzido a pó, ele e a sua garota. Aquele chinês os eliminou, não tenha dúvida.
Bond fitou atentamente aqueles olhos cinzentos, cheios de vivacidade e interesse.
— Como pode ter tanta certeza?
Quarrel espalmou as mãos. A explicação, para ele, era muito simples.
— Esse chinês gosta de sossego. Quer que o deixem em paz. Sei que ele eliminou meu amigo, para que ninguém tente chegar perto de Crab Key. É um homem poderoso. Mata qualquer um que interfira em seus negócios.
— Por quê?
— Não sei bem porquê — respondeu Quarrel. — Há gente que quer coisas diferentes neste mundo. E aquilo que querem com bastante força de vontade, eles alcançam.
Bond percebeu pelo canto do olho um reflexo de luz. A moça chinesa do aeroporto estava em pé, na sombra, perto "deles. Trajava agora um vestido colante de cetim preto, aberto do lado até o alto da coxa. Tinha uma "Leica" com dispositivo para "flash" em uma das mãos. A outra mão estava remexendo numa bolsa de couro a tiracolo. Essa mão apareceu, segurando uma lâmpada. A jovem introduziu em sua boca a base da lâmpada, a fim de umedecê-la e melhorar o contato, e preparou-se para colocá-la no soquete do refletor.
— Apanhe essa pequena — disse rapidamente Bond. Com dois passos, Quarrel estava ao lado dela. Estendeu-lhe a mão.
— Boa-noite, senhorita — disse gentilmente.
A jovem sorriu. Deixou que a "Leica" pendesse da fina correia que lhe cingia o pescoço e apertou a mão de Quarrel. Este fê-la rodopiar como uma bailarina. Um instante mais tarde, segurava-lhe uma das mãos por trás das costas, imobilizando-a.
Ela olhou zangada para Quarrel.
Quarrel sorriu para os olhos escuros que brilhavam no rosto amendoado.
— O chefe quer que você tome um drinque conosco — disse ele à guisa de consolo. Voltou para a mesa, arrastando a moça. Puxou uma cadeira com o pé e fê-la sentar-se ao seu lado, segurando sempre uma das mãos dela por trás das costas. Ambos estavam sentados muito eretos, como namorados que tivessem discutido.
Bond fitou o lindo rostinho zangado.
— Boa-noite. O que está fazendo aqui? Por que quer outra fotografia minha?
— Estou fazendo os clubes noturnos, — e a boca em forma de arco de cupido entreabriu-se num sorriso persuasivo. — A primeira fotografia sua não saiu bem. Diga a esse homem que me deixe em paz.
— Então trabalha para o "Gleaner"? Como se chama?
— Isso eu não digo.
Bond levantou uma sobrancelha para Quarrel.
Quarrel apertou os olhos. Foi torcendo devagar a mão que mantinha por trás da jovem. A chinesa debatia-se como uma enguia enquanto mordia o lábio inferior. Quarrel continuou a torcer. Ela, de repente, exclamou: — Ai!
— com voz aguda e disse ofegante: — Vou dizer, — Quarrel afrouxou a torção. A jovem olhou furiosa para Bond:
— Annabel Chung! Bond disse a Quarreclass="underline"
— Chame o Polvo.
Quarrel pegou um garfo e, com a mão livre, fê-lo tinir de encontro a um copo.
O enorme negro veio correndo. Bond perguntou-lhe:
— Já viu essa moça?
— Já, sim, senhor. Ela vem às vezes aqui. Está aborrecendo-o? Quer que eu a mande embora?
— Não — respondeu Bond, amàvelmente. — Nós estamos gostando dela. Mas ela quer tirar uma fotografia minha, de estúdio, e eu não sei se o trabalho dela compensará a despesa. Quer telefonar para o "Gleaner" e perguntar se eles têm uma fotógrafa chamada Annabel Chung? Se ela pertencer realmente ao jornal, deve trabalhar bem.
— Às ordens, meu senhor. — O Polvo retirou-se sem perder tempo.
Bond sorriu para a jovem.
— Por que não pediu a esse homem que a socorresse? A moça deitou-lhe um olhar fuzilante.
— Sinto muito ter que agir desta forma — disse Bond — mas meu gerente de exportação, de Londres, avisou-me de que Kingston estava cheia de gente duvidosa. Estou certa de que a senhorita não se enquadra nesta categoria, mas não posso realmente compreender porque faz; tanta questão de tirar uma fotografia minha. Conte-me por quê.
— Já disse — respondeu ela obstinadamente. — É meu ofício.
Bond tentou fazer outras perguntas. Ela nem sequer respondeu.
O Polvo voltou.
— Está certo, chefe. Annabel Chung. Uma de suas fotógrafas que trabalham por conta própria. Disseram-me que ela faz boas fotografias. O senhor ficará satisfeito com ela.