Estendeu o braço e tocou a campainha. Um ajudante de ordens entrou.
— Este senhor deseja falar com o Secretário para a Colônia. Quer conduzi-lo, por favor? Vou telefonar ao sr. Pleydell-Smith e pedir-lhe que o atenda imediatamente.
Levantou-se e, adiantando-se até a frente da escrivaninha, estendeu a mão.
— Até a vista, então, sr. Bond. Folgo em ver que somos da mesma opinião. Crab Key, hein? Nunca estive lá, mas penso que uma visita deve valer a pena.
Bond apertou a mão estendida.
— É o que eu estava pensando. Até à vista, sr. Governador.
— Passe bem, passe bem.
O Governador olhou para as costas de Bond que transpunha a porta e voltou com ar satisfeito a sua escrivaninha. "Metido a sebo!" disse, para as quatro paredes. Sentou-se e disse umas poucas palavras ao Secretário para a Colônia, por telefone. Em seguida, apanhou o "Times Weekly" e passou a analisar as cotações do mercado de títulos.
O Secretário para a Colônia era um homem ainda jovem, com o cabelo em desalinho e olhos brilhantes de menino. Era desses fumantes de cachimbo nervosos, que vivem a apalpar os bolsos em busca de fósforos, sacodem a caixa para ver quantos há nela, ou batem o cachimbo para fazer cair os restos de tabaco. Depois de tê-lo visto executar essas manobras rotineiras por três ou quatro vezes no decorrer dos primeiros dez minutos de sua palestra, Bond perguntou a si mesmo se ele algum dia teria realmente aspirado fumaça de seu cachimbo.
Tendo dado ao braço de Bond sacudidelas suficientes para acionar uma bomba de poço, e tendo-lhe indicado uma cadeira com um gesto vago, Pleydell-Smith pôs-se a andar de um lado para outro, cocando a testa com o cano do cachimbo.
— Bond. Bond. Bond. Esse nome está a evocar qualquer coisa. Deixe-me ver. Já sei! O senhor é o sujeito que esteve metido naquela história de tesouro. Diabo, é isso mesmo! Há quatro ou cinco anos. Encontrei isso no arquivo por aí faz poucos dias. Magnífico! Que coisa estupenda! Ouça, gostaria que o senhor ateasse fogo a outra fogueira dessas. Para animar um pouco o ambiente. Atualmente, a única coisa em que pensam é na Federação e a sua danada importância autônoma. Autodeterminação, meu caro! Não são capazes nem sequer de administrar uma empresa de ônibus! E o preconceito de cor! Meu caro amigo, há muito maior número de problemas de cor entre os jamaicanos de cabelos lisos e os jamaicanos de carapinha, do que entre mim e minha cozinheira preta. Todavia — Pleydell-Smith parou perto da escrivaninha, sentou-se em frente de Bond, passou uma perna por cima do braço da poltrona, pegou num pote para fumo que trazia o brasão de King's College, em Cambridge, e pôs-se a encher o cachimbo, — o que quero dizer é que não desejo aborrecê-lo com esses pormenores. O senhor é que me deve aborrecer com suas perguntas. Qual é o seu problema? Terei prazer em ajudá-lo. Garanto que há-de ser mais interessante que esse ramerrão. — E apontou para a pilha de documentos que enchia a bandeja dos papéis a despachar.
Bond sorriu para ele. Era o que ele queria. Encontrara um aliado e, o que era mais, um aliado inteligente.
— Pois bem — disse ele, muito sério — estou aqui para investigar o caso Strangways. Mas, antes de mais nada, quero fazer-lhe uma pergunta que talvez lhe pareça estranha. Pode dizer-me exatamente como foi que o senhor veio a saber daquele outro caso em que estive metido? O senhor disse-me que encontrou a pasta "por aí". Como foi? Alguém tinha pedido para consultá-la? Não quero ser indiscreto. Portanto, não responda, se o senhor julga que não deve fazê-lo. Estou apenas sendo curioso.
Pleydell-Smith arqueou uma sobrancelha. — Suponho que isso faça parte do seu ofício. Refletiu olhando para cima.
— Bem, agora que o senhor me faz pensar nisso, lembro-me de que a vi na escrivaninha de minha secretária. É uma funcionária nova. Disse-me que estava querendo pôr-se a par dos arquivos. Note bem — o Secretário para a Colônia apressou-se em isentar a moça de qualquer suspeita, — havia muitas outras pastas em sua escrivaninha. Foi apenas esta que me chamou a atenção.
—Ah, compreendo! — disse Bond. — Então, foi assim.
Ele sorriu, desculpando-se:
— Sinto tê-lo importunado, mas é que diversas pessoas parecem estar bastante curiosas com a minha presença aqui. Mas o que eu desejava, realmente, era que o senhor me desse informações sobre Crab Key. Qualquer coisa que o senhor saiba sobre essa propriedade. E sobre aquele chinês, o Doutor No, que a comprou. E qualquer coisa ainda que me possa contar a respeito desse negócio de exploração de guano. Estou pedindo muito, bem o sei, mas qualquer fragmento de informação me ajudará.
Pleydell-Smith deu uma risadinha através do cano do cachimbo. Arrancou-o da boca e falou, enquanto calcava o fumo com a caixa de fósforos.
— Acontece que sei mais do que lhe possa interessar em matéria de guano. Poderia discursar durante horas sobre este assunto. Eu tinha entrado na carreira diplomática, antes de me transferir para o Ministério das Colônias. Meu primeiro posto de cônsul foi no Peru. Tive muitas relações com os que administram todo esse negócio — Companhia Administradora del Guano. Gente direita.
O cachimbo estava em funcionamento, agora, e Pleydell-Smith atirou a caixa de fósforos na mesa.
— Quanto ao resto, é só mandar vir a pasta com os papéis sobre o assunto.
Tocou a campainha e poucos instantes depois abriu-se a porta que ficava atrás de Bond.
— Senhorita Taro, a pasta sobre Crab Key, por favor. Aquela onde estão arquivados os documentos sobre a venda das terras, e também aquela relativa ao guarda que veio de lá, pouco antes do Natal. A senhorita Longfellow sabe onde estão.
— Sim, senhor — respondeu uma voz macia, e Bond ouviu fechar-se a porta.
— Agora, quanto ao guano... — Pleydell-Smith inclinou a cadeira para trás. Bond preparou-se para ouvir uma preleção maçante.
— Como o senhor sabe, são excrementos de aves. O guano é produzido por dois pássaros, o andorinhão e o guanai, conhecido também por corvo-marinho verde, que é a mesma ave que existe na, Inglaterra. No tocante a Crab Key, o que se encontra é o corvo-marinho. É uma verdadeira máquina para transformar peixe em guano. Essas aves comem principalmente anchovas. Para o senhor ter uma idéia de quantos peixes podem comer, saiba que já foram encontradas até setenta anchovas no estômago de uma ave! — Pleydell-Smith tirou o cachimbo da boca e apontou-o com autoridade para Bond. — A população inteira do Peru consome quatro mil toneladas de peixes por ano. As aves marinhas desse país comem quinhentas mil toneladas!
Bond assobiou para demonstrar o seu assombro.
— Deveras?
— Pois bem — prosseguiu o Secretário para a Colônia — todos os dias, cada um desses milhares de corvos-marinhos come mais ou menos meio-quilo de peixe e deposita umas trinta gramas de guano na guaneira, isto é na ilha de guano.
— Por que não fazem isso no mar? — interrompeu Bond.
— Não sei. — Pleydell-Smith como que agarrou a pergunta e a virou e revirou em sua mente. — Nunca me lembrei de investigar. O fato é que não o fazem. Fazem-no no solo, e assim tem sido desde o começo do mundo. Isso representa um despropósito de estéreo de aves — milhões de toneladas. Ora, alguém descobriu, por volta de 1850, que o guano era o melhor adubo natural do mundo — cheio de nitratos e fosfatos, e tudo mais quanto se queira. E os navios e os homens chegaram aos depósitos de guano e saquearam-nos, literalmente, durante vinte anos ou mais. É uma época chamada "Saturnalia" no Peru. Foi como o Klondyke para o ouro. Travaram-se combates sobre aqueles monturos, atacavam-se os navios dos concorrentes, atirava-se nos trabalhadores, venderam-se pretensos mapas de ilhas secretas de guano — fez-se de tudo. E muitos enriqueceram com esse material.
— Que lugar ocupava Crab Key nesse quadro? — Bond queria fatos concretos.
— Era o único depósito de guano comercialmente explorável em latitude tão setentrional. Também foi explorado, só Deus sabe por quem. Mas aí, o guano tinha baixo teor de nitratos. As águas, por aqui, não são tão ricas quanto nas proximidades da corrente de Humboldt. Por isso, os peixes são mais pobres em elementos químicos. Em conseqüência, o guano também é mais pobre. Crab Key foi explorado esporadicamente, quando os preços eram altos, mas toda a indústria foi à glória, juntamente com Crab Key e demais depósitos menos ricos, quando os alemães inventaram fertilizantes sintéticos. Foi então que o governo peruano compreendeu que tinha sido dilapidado capital fantástico, e começou a reorganizar os remanescentes daquela indústria e a proteger os depósitos. O Peru nacionalizou a extração do guano e protegeu as aves, e devagar, bem devagar, as reservas começaram a crescer novamente. Descobriu-se então que o produto sintético tinha seus inconvenientes, que empobrecia o solo, o que não acontece com o guano, e o preço do material pôs-se a subir gradativamente, e a indústria extrativa reergueu-se aos poucos. Agora, está florescente, mas o Peru guarda a maior parte do guano para a sua agricultura. E é nesse ponto que Crab Key entra outra vez em cena.