Uma hora mais tarde, Bond estava acomodado no canto de uma sala escura, tendo à frente, numa mesa, um mapa aberto de Crab Key, feito pelo Serviço de Levantamento Topográfico e datado de 1910. Tinha ao seu lado uma folha de papel do Instituto, onde traçara um esboço ligeiro do mapa, e estava anotando os pormenores mais importantes.
A área total da ilha era de cerca de cento e trinta quilômetros quadrados. Três quartos desta área, a leste, eram ocupados por pântanos e por um lago de pouca profundidade. Saía do lago um rio que traçava seus meandros até o mar e desembocava no meio da costa sul, numa pequena enseada arenosa. Bond imaginou que em algum ponto próximo às cabeceiras do rio se encontraria o local mais provável do acampamento dos guardas da Sociedade Audubon. A oeste, o terreno elevava-se abruptamente, formando uma coluna cuja altura era dada como sendo de trinta metros, e descia não menos abruptamente, formando como que um paredão banhado pelo mar. Saía dessa colina uma linha pontilhada que ia ter a um canto do mapa, onde se podia ler: "Depósito de guano. última exploração, 1880".
Não havia indicação de estradas, nem sequer de alguma picada, nem sinal de habitações. Segundo o mapa do relevo, a ilha lembrava um rato d'água a nadar, de costas achatadas, com a súbita protuberância da cabeça dirigida para oeste. Parecia estar situada a cerca de.cinqüenta quilômetros ao norte da Ponta Galina, na costa setentrional de Jamaica, e a noventa quilômetros de Cuba.
Pouco mais se poderia aprender com o estudo do mapa. Crab Key era circundada por águas pouco profundas, com exceção do paredão da costa oeste, onde a sondagem mais próxima indicava quinhentas braças. Depois disso, era o mergulho no abismo do estreito de Cuba. Bond dobrou o mapa e devolveu-o ao bibliotecário.
Sentia-se subitamente exausto. Eram apenas quatro horas da tarde, mas o calor era abrasador em Kingston e ele tinha a roupa grudada no corpo. Bond saiu do Instituto e tomou um táxi, que o levou de volta pelas colinas frescas, até o hotel. Estava satisfeito com o seu dia, mas nada mais poderia ser feito deste lado da ilha. Passaria uma noite sossegada no hotel e aprontar-se-ia para levantar cedo e sair, na manhã seguinte.
Bond foi à portaria para indagar se havia algum recado de Quarrel.
— Nenhum recado — disse a recepcionista. — Mas chegou um cesto de frutas de King's House. Logo depois do almoço. O mensageiro levou-o para o seu quarto.
— Que espécie de mensageiro?
— Um homem de cor. Disse que vinha do escritório do ajudante de ordens.
Bond apanhou a chave e subiu pela escada até o primeiro andar. Aquilo era ridiculamente improvável. Com a mão no revólver que trazia por baixo do paletó, Bond aproximou-se sem ruído de seu quarto. Virou a chave na fechadura e deu um pontapé na porta. O quarto vazio parecia estar bocejando. Bond fechou a porta, dando volta à chave. Em cima da penteadeira havia um cesto grande e todo enfeitado, cheio de frutas — tangerinas, "grapefruits", bananas, frutas-do-conde e até mesmo dois pêssegos crescidos em estufa. Um envelope branco pendia de uma fita larga, presa na asa. Bond destacou-o e examinou-o contra a luz. Abriu-o. Numa folha sem cabeçalho, de papel de luxo, estavam datilografadas as seguintes palavras: "Com os cumprimentos de Sua Excelência o Governador."
Bond fungou. Deteve-se a examinar as frutas. Inclinou-se e chegou o ouvido ao cesto. Pegou-o pela asa e virou o seu conteúdo no chão. As frutas rolaram pelo tapete de fibras de coco. Nada mais havia no cesto, a não ser frutas. Bond riu sarcàsticamente de suas precauções. Restava ainda uma possibilidade. Pegou um dos pêssegos, a fruta que um homem guloso provavelmente escolheria em primeiro lugar, e levou-o para o banheiro. Jogou-o na pia e voltou para o quarto. Abriu o guarda-roupa, depois de ter examinado a fechadura, e pegou a mala, colocando-a no meio do quarto. Ajoelhou-se e examinou as marcas do talco que ele tinha esfregado em volta das fechaduras. Estavam borradas, e havia pequeninos arranhões à volta dos buracos de chave. Bond olhou com ar crítico para esses sinais. Essa gente não era tão cuidadosa quanto outros inimigos que tivera de enfrentar. Abriu as fechaduras e colocou a mala em pé. Havia quatro inocentes tachas de metal no reforço do canto direito da tampa. Bond forçou com a unha a tacha de cima e ela soltou-se. Agarrou-a e puxou para fora cerca de um metro de grosso arame de aço, que colocou no chão, ao lado. Esse arame passava por pequenas argolas de metal presas por dentro da tampa e mantinha a mala fechada, como que costurada. Bond levantou a tampa e verificou que não tinham tocado em nada. Tirou de sua "caixa de ferramentas" uma lente de joalheiro e voltou para o banheiro. Acendeu a luz acima do espelho. Colocou a lente na órbita e pegou delicadamente o pêssego, revolvendo-o cautelosamente entre o polegar e o indicador.
Bond parou de virar o pêssego. Tinha descoberto uma diminuta picada de agulha, com os bordos ligeiramente escuros. Ficava numa das dobras da fruta, invisível para quem não dispusesse de lupa. Colocou novamente o pêssego na pia. Ficou parado por um momento, cravando o olhar pensativo em seus próprios olhos refletidos no espelho. !j Então, era mesmo a guerra! Muito bem. Muito interessante. Bond sentiu um ligeiro repuxão da pele na base do estômago. Sorriu de leve para a sua imagem no espelho. Seu instinto e seu raciocínio estavam certos! Strangways e a moça tinham sido assassinados e seus arquivos destruídos, porque eles tinham chegado muito perto da pista certa. E Bond entrara em cena e, graças à senhorita Taro, estavam à sua espera. A senhorita Chung e talvez o chofer do táxi americano tinham-lhe seguido o rastro até o Hotel Montes Azuis. O primeiro tiro acabava de ser disparado. Outros viriam. E de quem era o dedo que premia o gatilho? Quem o tinha tão acuradamente sob pontaria? Bond já chegara a uma conclusão. Não existiam provas, mas ele tinha certeza. Era tiro de longo alcance, de Crab Key. O homem que dirigia o tiro era o Doutor No.
Tornou a entrar no quarto. Apanhou as frutas, uma por uma, e levou-as para o banheiro, examinando-as com a lente. Em cada uma delas, lá estava a picada de agulha dissimulada numa dobra ou perto do cabo. Bond telefonou para a portaria e pediu uma caixa de papelão, papel e barbante. Acondicionou cuidadosamente as frutas, e pediu uma ligação telefônica para King's House. Mandou chamar ao aparelho o Secretário para a Colônia.
— É Pleydell-Smith? Aqui fala James Bond. Sinto muito ter que importuná-lo, mas tenho um problema a resolver. Existe um laboratório oficial de análises, em Kingston? Compreendo. Bem, tenho aqui uma coisa que queria mandar analisar. Se eu mandar a caixa para o senhor, poderia fazer-me o favor de entregá-la a essa pessoa? Não quero que meu nome seja mencionado. Está bem? Explicarei tudo depois. Quando tiver o laudo, quer passar-me um telegrama muito conciso, relatando-me o resultado? Estarei em Beau Desert, perto de Porto Morgan, durante a próxima semana. Gostaria também que o senhor não passasse adiante esta informação. Desculpe tanto mistério. Explicarei tudo na próxima vez que estivermos juntos. Penso que o senhor compreenderá, quando souber do resultado da análise. E diga ao analista que tome cuidado ao manipular as amostras, sim? Avise-o de que deve existir nelas mais do que se possa imaginar. Muitíssimo obrigado por tudo. Tive sorte em conhecê-lo hoje. Até à vista.
Bond pôs o endereço no embrulho, desceu e pagou uma corrida de táxi, a fim de mandá-lo entregar imediatamente em King’s House. Eram seis horas. Voltou para o quarto, tomou um banho de chuveiro, trocou de roupa e pediu sua primeira bebida. Ia levando o copo para o alpendre, quando o telefone tocou. Era Quarrel.