— Tudo em ordem, chefe.
— Tudo? Formidável! A casa também?
— Tudo está arranjado. — Quarrel falou cautelosamente. — Vê-lo-ei à hora que o senhor marcou.
— Muito bem! — respondeu Bond. Estava impressionado com a eficácia de Quarrel, que lhe dava uma sensação de segurança. Desligou o telefone e foi para o alpendre.
O sol estava começando a se pôr. Uma sombra roxa ia-se alastrando sobre o porto e a cidade. Quando alcançar a cidade — pensou Bond — as luzes se acenderão. Tudo se passou como ele esperava. Acima dele, roncou um avião. Tornou-se visível. Era um “Super Constellation”, no mesmo horário pelo qual tinha chegado na véspera. Bond acompanhou-o com o olhar, enquanto o aparelho descrevia uma curva acima do mar e voltava em seguida, aterrando no aeroporto das Paliçadas. Que longo caminho tinha ele percorrido, desde o momento, distante apenas vinte e quatro horas, em que a porta do avião se abrira e o alto-falante dissera: “Estamos em Kingston, Jamaica. Senhores passageiros, queiram permanecer em seus lugares enquanto aguardamos a vistoria das autoridades sanitárias.”
Deveria comunicar a M as modificações havidas? Deveria mandar um relatório ao Governador? Bond lembrou-se do Governador e pôs essa idéia de lado. Poderia facilmente mandar uma mensagem a M, por intermédio do Ministério das Colônias. Mas que diria? Que o Doutor No o presenteara com frutas envenenadas? Mas nem ele tinha certeza de que estavam envenenadas., nem que tinham sido mandadas pelo Doutor No. Bond podia imaginar a expressão de M ao ler a mensagem. Via-o apertando o botão de intercomunicação: “Chefe do Pessoal, o agente 007 ficou louco. Diz que alguém tentou fazê-lo comer uma banana envenenada. Perdeu a cabeça. Esteve muito tempo no hospital. É melhor chamá-lo de volta.”
Bond sorriu. Ergueu-se e pediu outra dose de bebida. As coisas não se passariam exatamente assim, naturalmente, mas enfim... Não, ele esperaria ter algo mais a contar. Naturalmente, se qualquer coisa realmente grave acontecesse sem que ele tivesse dado algum aviso, estaria em situação difícil. Tinha que ser cauteloso, a fim de que nada andasse verdadeiramente mal.
Bond sorveu o segundo drinque e meditou sobre todos os pormenores de seu plano. Desceu e jantou no salão de refeições, quase deserto, e leu o “Manual das Índias Ocidentais”. Às nove horas, estava meio adormecido. Voltou para o quarto e aprontou a mala para o dia seguinte. Telefonou à portaria, pedindo que o chamassem às cinco e meia. Trancou a porta e fechou as venezianas. Isso significaria uma noite quente e abafada, mas era inevitável. Bond deitou-se completamente nu entre os leves lençóis de algodão, voltou-se para o lado esquerdo e colocou a mão no cabo do revólver “Walther PPK”, escondido sob o travesseiro. Cinco minutos depois, dormia profundamente.
A primeira coisa de que teve conhecimento foi que eram três horas da madrugada. Sabia, a hora, porque o mostrador luminoso do relógio estava perto de seu rosto. Ele estava completamente imóvel. Não se ouvia um único som no quarto. Lá fora, também, reinava um silêncio tumular. Ao longe, um cão pôs-se a latir. Outros responderam, e logo se ouviu um coro enervante, que cessou tão repentinamente quanto começara. Depois, novamente, o silêncio. O luar coava pelas frestas das venezianas, projetando listas pretas e brancas no quarto. Era como se Bond estivesse deitado numa jaula. O que o teria despertado? Bond moveu-se silenciosamente, preparando-se para deslizar para fora dos lençóis.
Deixou de fazer qualquer movimento. Parou, tão rígido quanto possível.
Qualquer coisa tinha mexido junto ao seu tornozelo. Agora, estava-se movendo pelo lado de dentro da perna. Bond sentia que os pêlos de suas pernas estavam sendo separados. Era um inseto qualquer. Um inseto muito grande. Era comprido, devia medir doze ou quinze centímetros — o comprimento de sua mão. Podia sentir dúzias de pezinhos tocando-lhe de leve na pele. Que seria?
Foi então que Bond ouviu algo que nunca tinha ouvido — o ruído do seu cabelo roçando pelo travesseiro. Analisou o som. Não podia ser! Não era possível, em absoluto! Mas não havia dúvida. Seu cabelo estava-se eriçando na cabeça. Bond podia até sentir no couro cabeludo a frescura do ar passando entre os cabelos hirtos! Que coisa extraordinária! Sempre tinha pensado que aquilo era modo de falar. Mas por quê? O que estaria acontecendo?
A coisa que estava em sua perna moveu-se. Subitamente, Bond percebeu que estava assustado, aterrorizado. Seu instinto, antes mesmo de ter entrado em comunicação com o cérebro, informara ao corpo que uma centopéia estava andando nele.
Bond ficou enregelado. Já vira, certa vez, uma centopéia dos trópicos, num vidro com álcool, em algum museu. Era parda e muito chata, e media de doze a quinze centímetros de comprimento — mais ou menos o comprimento dessa coisa. De cada lado da cabeça arredondada viam-se os dois ganchos recurvados pelos quais instalava a peçonha. O rótulo colado no vidro dizia que o veneno era mortal quando penetrava por uma artéria. Bond examinara curiosamente a tira de cutícula morta enrolada como um saca-rolhas e passara adiante.
A centopéia tinha alcançado o joelho. Estava começando a subir-lhe pela coxa. Acontecesse o que acontecesse, ele não devia fazer um só movimento, nem ao menos estremecer. Todo o ser consciente de Bond estava-se concentrando em duas carreiras de pés que se deslocavam vagarosamente. Agora, tinham-lhe chegado ao flanco. Céus! aquilo estava descendo outra vez! Bond cerrou os dentes. E se a centopéia gostasse do calor? Se tentasse abrigar-se nas cavidades? Poderia ele agüentar? E se ela escolhesse aquele lugar para morder? Bond sentia-a tateando por entre os pêlos. Fazia-lhe cócegas. A pele de seu ventre pôs-se a vibrar. Ele não podia fazer nada para impedi-lo. Mas agora, a coisa estava subindo pelo ventre, sobre o seu estômago. Os pezinhos estavam-se firmando melhor, para evitar uma queda. Estava agora passando sobre o coração. Se mordesse, matá-lo-ia, com toda certeza. A centopéia arrastava-se tranqüilamente, por entre os finos pêlos que revestiam o peito de Bond, até a clavícula direita. Parou. Que estaria fazendo? Bond sentia aquela cabeça quase informe, a procurar cegamente aqui e acolá. Que estava buscando? Haveria espaço suficiente, entre o lençol e sua pele, para que o bicho pudesse sair? Deveria ele ajudá-lo, levantando ligeiramente o lençol? Não! Nunca! A centopéia estava na base da jugular. Intrigada, talvez, pela pulsação. Oh Deus! Se ele pudesse controlar a circulação do sangue!Maldito bicho! Bond tentou comunicar-se mentalmente com a centopéia: Não é nada; essa pulsação não é perigosa. Não lhe quer fazer mal. Vá respirar um pouco de ar fresco!
Como se tivesse ouvido, o animal subiu pela coluna do pescoço e passou pela covinha do queixo. Agora, estava no canto da boca, fazendo cócegas intoleráveis. Foi subindo ao longo do nariz. Bond sentia todo o peso e comprimento do ser maldito. Fechou os olhos. Dois a dois, os pés iam-se movendo aos pares, passando por cima da pálpebra direita. Quando tivesse ultrapassado o nariz, deveria Bond arriscar-se e sacudir a centopéia, confiando em que resvalaria pela pele coberta de suor? Não, pelo amor de Deus! Aqueles pés eram muitos. Poderia sacudir uma parte deles, mas não todos.
Com incrível deliberação, o enorme inseto passeou pela testa de Bond. Parou junto ao cabelo. Que diabo estaria fazendo nesse momento? Bond sentia-a farejando-lhe a pele. Estava bebendo! Bebendo os bagos de suor salgado. Bond estava certo disso. A centopéia quase não se moveu durante alguns minutos. Bond estava-se sentindo mal sob aquela tensão nervosa. Dentro de alguns minutos, seus membros se poriam a tremer. Percebia-o claramente. Um acesso de medo o sacudiria todo. Poderia controlar-se? Bond permaneceu estendido, à espera, exalando vagarosamente a respiração pela boca aberta, contorcida.