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A centopéia recomeçou a mover-se. Caminhou pela floresta dos cabelos. Bond sentia as raízes serem repuxadas para os lados, à medida em que a lacraia venenosa ia abrindo caminho. Gostaria desse refúgio? Instalar-se-ia ali para dormir? Como dormiam as centopéias? Enrascadas ou deitadas de comprido? Os pequeninos miriápodes que ele vira em criança, aqueles que sempre pareciam achar um caminho para subir pelo cano do ladrão até a banheira, enrolavam-se completamente quando a gente os tocava. Agora, a centopéia tinha chegado ao lugar onde sua cabeça repousava, contra o lençol. Desceria ela sobre o travesseiro, ou ficaria na floresta quente dos cabelos? A centopéia parou. Fora! FORA! berravam os nervos de Bond.

A centopéia mexeu-se. Saiu devagar do meio dos cabelos e foi para o travesseiro.

Bond esperou um instante. Podia agora ouvir os pares de pé arranhando devagarzinho a fazenda de algodão da fronha. Era um ruído fraco, como que de unhas macias.

Com um estrondo que abalou o quarto, o corpo de Bond projetou-se fora da cama e caiu no chão.

No mesmo momento, Bond estava em pé e perto da porta. Acendeu a luz. Percebeu que estava tremendo sem poder conter-se. Cambaleou até a cama. Aí estava ela, arrastando-se para se esconder debaixo do travesseiro. O primeiro ímpeto de Bond foi atirar o travesseiro no chão. Dominou-se, esperando que seus nervos se acalmassem. Então, silenciosa e deliberadamente, agarrou o travesseiro por uma ponta, foi até o meio do quarto e deixou-o cair. A centopéia saiu de baixo do travesseiro e começou a arrastar-se rapidamente sobre o tapete. Bond tinha perdido o interesse em seus movimentos. Procurou algo com que matá-la. Foi calmamente apanhar um sapato e voltou. O perigo tinha passado. Sua mente estava procurando descobrir como a centopéia teria chegado até a sua cama. Ergueu o sapato e, devagar, quase negligentemente, esmagou o animal. Ouviu o estalo da dura carapaça.

Levantou o sapato.

A centopéia estava entregue às contorções da agonia. Eram doze centímetros de morte brilhante, de um cinza pardacento. Bond desferiu outra pancada. A centopéia rebentou, numa massa amarelada. Bond largou o sapato e correu para o banheiro, vomitando com violência.

VII - TRAVESSIA NOTURNA

— Diga-me uma coisa, Quarrel — Bond passou à frente de um ônibus que trazia as palavras “Bombardeiro Pardo” pintadas no pára-brisa. O ônibus acelerou e foi descendo roncando pela estrada de Kingston, tocando furiosamente um acorde com sua tríplice buzina, para restaurar a dignidade do chofer. — Que é que você sabe sobre as centopéias?

— Centopéias? — Quarrel olhou de soslaio para tentar descobrir o porquê da pergunta. Bond tinha uma expressão da indiferença. — Bem, temos algumas peçonhentas em Jamaica. Oito dez, doze centímetros de comprimento. Matam gente. Vivem principalmente nas casas velhas de Kingston. Gostam de madeira podre e de lugares úmidos. Entram em atividade principalmente à noite. Por que, chefe? O senhor viu alguma?

Bond fingiu não ouvir a pergunta. Não falara também das frutas a Quarrel. Quarrel era um homem rijo, mas não havia necessidade de semear as sementes do medo.

— Você esperaria encontrar uma centopéia numa casa moderna, por exemplo? No seu sapato, ou numa gaveta, ou em sua cama?

— Não, senhor! — A voz de Quarrel era firme. — A menos que alguém a tivesse colocado ali de propósito. Esses insetos gostam de buracos e de frestas. Não gostam de lugares limpos. Vivem na sujeira. O senhor pode talvez encontrá-los no mato, em baixo de troncos caídos e de pedras. Mas nunca em lugares claros e limpos.

— Compreendo. — Bond mudou de assunto. — E afinal, aqueles dois indivíduos? Saíram como o combinado, com o “Sunbeam”?

— Perfeitamente, capitão. Muito satisfeitos com o serviço. E parecem-se bastante com o senhor e comigo. — Quarrel soltou uma gargalhada. Olhou para Bond e prosseguiu, hesitante:

— Acho que não são cidadãos muito respeitáveis, chefe. Eu tinha que achá-los onde se encontrassem. Eu sou um mendigo. Para o senhor, arranjei um pobre diabo branco, imprestável, na Betsy.

— Quem é Betsy?

— Ela administra o bordel mais sórdido da cidade, chefe. — Quarrel cuspiu enfaticamente pela janela. — Esse branco é quem faz a contabilidade para ela.

Bond riu-se.

— O importante é que saibam guiar o carro. Espero que cheguem sem novidades a Montego.

— Não se preocupe. — Quarrel não tinha interpretado bem a preocupação de Bond. — Eu disse que avisaria a polícia que eles tinham roubado o carro, se não chegassem direitinho.

Estavam no alto do espigão, em Stony Hill, no ponto em que Junction Road inicia seu mergulho em direção à costa setentrional, através de cinqüenta curvas em S. Bond pôs em segunda o pequeno “Austin A-30” e o deixou descer. O sol estava surgindo acima do pico da Montanha Azul e lançava setas de poeira dourada no fundo do vale. Havia poucas pessoas na estrada. Um homem descia a encosta, em direção à sua roça dependurada no flanco da montanha, com um facão de mato de cerca de um metro de comprimento a lhe pender da mão direita, enquanto segurava na mão esquerda um talo de cana-de-açúcar que ia mascando à guisa de desjejum. Ou ainda alguma mulher caminhando indolentemente, estrada acima, com um cesto coberto de frutas ou verduras que ia vender na feira de Stony Hill, e carregando na cabeça os sapatos que calçaria pouco antes de entrar na aldeia. Era um cenário agreste, cheio de paz, que, a não ser pelo revestimento da estrada, pouco mudara no decorrer de duzentos anos. Parecia a Bond que poderia sentir o cheiro de estrume do carro puxado a mulas, no qual ele teria viajado de Port Royal a fim de inspecionar a guarnição de Porto Morgan, em 1750.

Quarrel interrompeu seu devaneio.

— Chefe — disse em tom de desculpa — o senhor me perdoe, mas poderia dizer-me o que vamos fazer? Tenho quebrado a cabeça, mas não consigo compreender a sua tática.

— Eu mesmo ainda não sei bem, Quarrel. — Bond engrenou a primeira e foram rodando devagar pelas magníficas clareiras dos Jardins de Castleton.

— Já disse a você que vim para cá porque o comandante Strangways e sua secretária desapareceram. Muita gente pensa que eles fugiram juntos. Eu penso que eles foram assassinados.

— Ah, sim? — disse Quarrel, sem manifestar emoção. — E quem pensa o senhor que os mandou matar?

— Acabei por concordar com você. Creio que quem os mandou matar foi o Doutor, o chinês de Crab Key. Strangways estava metendo o nariz nos negócios desse homem — por causa de uma investigação que dizia respeito ao santuário das aves. O Doutor No tem aquela mania de isolamento. Você mesmo me disse. Parece que ele será capaz de tudo para que seus vizinhos não espiem por cima do muro. Note bem que é apenas um palpite. Mas têm acontecido coisas estranhas nestas últimas vinte e quatro horas. Foi por isso que mandei o “Sunbeam” para Montego, a fim de criar uma pista falsa. E é por isso que vamos ficar na moita, em Beau Desert. durante alguns dias.

— E então, chefe?

— Em primeiro lugar, conto com você para me pôr perfeitamente em forma, da mesma maneira como você o fez da última vez que estive aqui. Lembra-se?

— De certo, chefe. Isso é uma coisa que eu posso fazer.

— Depois, eu estava pensando que você e eu bem poderíamos ir dar uma olhada em Crab Key.

Quarrel assobiou. O assobio terminou numa nota descendente.

— Apenas espiar. Não precisaremos chegar muito perto da propriedade do Doutor No. Quero dar uma olhada naquele santuário das aves. Ver por mim mesmo o que aconteceu no acampamento dos guardas. Se acharmos qualquer coisa suspeita, voltaremos, mas desta vez pela porta da frente. E com alguns soldados para nos ajudar. Será um inquérito em regra. Mas não podemos fazê-lo enquanto não tivermos base sobre a qual nos apoiar. Qual é a sua opinião?

Quarrel enfiou a mão no bolso, em busca de um cigarro. Acendê-lo foi uma operação complicada. Ele soprou uma nuvem de fumaça pelas narinas e observou-a, enquanto desaparecia pela janela. Disse finalmente: