— Dez minutos. Mas não responderei a nenhuma pergunta mais, enquanto não me disser quem a senhorita é.
— Não sou ninguém importante. Venho de Jamaica. Coleciono conchas.
— Eu vim de canoa.Você também?
— Também. Onde está a sua canoa?
— Um amigo veio comigo. Nós a escondemos nos mangues.
— Mas não se vêem traços de canoa na praia.
— Somos cuidadosos. Limpamos os vestígios. Você, não. — Bond apontou para as pedras. — Você deveria ter mais cuidado. Usou a vela? Até perto da barra?
— Lógico. Por que não? Sempre faço assim.
— Então, eles sabem que você está aqui. Eles têm radar.
— Ainda não me apanharam.
A jovem largou da faca. Levantou a mão e arrancou a máscara de mergulhador, que ficou balançando pela alça de borracha. Parecia estar pensando que já podia avaliar a personalidade de Bond. Disse, com voz menos seca:
— Como se chama?
— Bond. James Bond. E você? Ela pensou um pouco. — Rider.
— E o primeiro nome?
— Honeychile.
Bond sorriu.
— Que está achando de engraçado nisso?
— Nada. Honeychile Rider. É um nome bonito.
Ela transigiu um pouco.
— Chamam-me Honey.
— Pois bem, muito prazer em conhecê-la.
A frase prosaica pareceu fazê-la lembrar-se de que estava nua. Corou. Disse com hesitação:
— Preciso vestir-me.
Olhava para as conchas espalhadas na areia, a seus pés. Era evidente que desejava apanhá-las. Talvez compreendesse que o movimento poderia ser ainda mais revelador que a sua pose atual. Disse secamente:
— Você não deve tocar nessas coisas enquanto eu não estiver aqui.
Bond sorriu ao desafio pueril.
— Não se preocupe. Eu tomarei conta delas.
A jovem fitou-o com ar de dúvida e em seguida voltou-se e caminhou, muito tesa, até as rochas, por trás das quais desapareceu.
Bond caminhou poucos passos até a praia, inclinou-se e apanhou uma das conchas. O molusco estava vivo e as duas metades hermèticamente fechadas. Parecia ser uma espécie de molusco comestível, com sulcos bastantes fundos, e de cor-de-rosa arroxeado. Dos dois lados da juntura, ao longo dos bordos, podia-se distinguir uma meia-dúzia de chifres delgados. Essa concha não pareceu muito interessante a Bond. Tornou a colocá-la cuidadosamente ao lado das outras.
Deixou-se ficar a contemplar as conchas, intrigado. Estaria ela verdadeiramente colecionando conchas? Parecia que sim. Mas quanto era arriscado vir apanhá-las: a travessia sozinha de canoa, ida e volta! E ela parecia compreender que aquele era um lugar perigoso. “Ainda não me apanharam.” Que pequena extraordinária! Aquecia-se o coração de Bond e excitavam-se os seus sentidos ao pensar nela. Assim como já lhe acontecera tantas vezes, com relação às pessoas que têm alguma deformidade, ele já tinha quase esquecido o nariz quebrado. Tinha como que desaparecido diante da recordação que guardava de seus olhos, de sua boca e de seu corpo tão maravilhosamente belo. Eram estimulantes a sua atitude imperiosa e a sua agressividade. O modo pelo qual ela tinha procurado a faca para defender-se! Parecia um animal cujos filhotes são ameaçados. Onde vivia ela? Quem eram seus pais? Havia um quê de negligenciado nela — como um cachorro a quem ninguém faz afagos. Quem era ela?
Bond ouviu seus passos sobre a areia. Virou-se para fitá-la. Estava vestida quase que com farrapos — uma blusa marrom desbotada, uma saia marrom de algodão, curta pelos joelhos, toda remendada e presa pelo cinto de couro com a faca. Trazia a tiracolo uma sacola de lona. Parecia a atriz principal de uma pantomima, caracterizada como o criado de Robinson Crusoe.
Ela veio para perto dele, e imediatamente se ajoelhou e começou a pegar os moluscos vivos, pondo-os na sacola.
— São raros? — perguntou Bond.
Ela sentou-se de cócoras e levantou os olhos para ele. Analisou-lhe o rosto. A sua impressão devia ter sido satisfatória. — Você promete que não vai contar a ninguém? Jura?
— Palavra! — disse Bond.
— Pois bem, vou explicar-lhe, então. São raros, sim. Muito raros. Você pode receber cinco dólares por um espécime perfeito. Em Miami. É lá que os vendo. Chamam-se Venus elegans — Vênus elegante. — Seus olhos brilhavam de contentamento. — Esta manhã achei o que estava procurando. O banco onde elas vivem. — Ela apontou para o mar. — Você não seria capaz de encontrá-lo, — acrescentou, com súbita cautela. — É muito fundo e bem escondido. Duvido que você possa mergulhar àquela profundidade. E além disso, — ela teve uma expressão de felicidade, — tenciono limpar todo o banco hoje mesmo. Você só encontrará as conchas defeituosas, se voltar aqui.
Bond riu-se. — Prometo-lhe que não roubarei nenhuma. Na verdade, eu não entendo nada de conchas. Posso jurar por tudo quanto é sagrado!
Ela ergueu-se, depois de completar a sua tarefa.
— E a respeito de suas aves? De que espécie são? Têm valor, também? Também não direi nada a ninguém do que você me contar. Eu coleciono somente conchas.
— São chamadas espátulas rosadas — disse Bond. — Uma espécie de cegonha cor-de-rosa com bico achatado. Já viu algum?
— Ah! esses! — respondeu ela, com certo desdém. — Antigamente, havia milhares deles nesta ilha. Mas você não encontrará muitos, agora. Eles os espantaram todos daqui.
Sentou-se na areia e colocou os braços à volta dos joelhos, orgulhosa da superioridade de seus conhecimentos, e certa, agora, de que nada tinha a recear desse homem.
Bond sentou-se a um metro de distância. Estirou-se na areia e voltou-se para ela, erguendo-se sobre o cotovelo. Ele queria conservar a atmosfera de piquenique e procurar saber mais coisas a respeito dessa moça estranha e linda. Disse, como que sem dar importância:
— Ah! É? O que aconteceu? Quem fez isso? Ela deu de ombros com impaciência.
— O pessoal daqui foi quem fez. Não sei quem são. Há um chinês. Ele não gosta de aves, ou qualquer coisa assim. Ele tem um dragão. Mandou o dragão perseguir as aves, e com isso elas se assustaram e fugiram. O dragão queimou o lugar onde elas costumavam fazer os ninhos. Havia dois homens, que viviam perto dos pássaros e tomavam conta deles. Fugiram também ou foram mortos.
Tudo para ela era muito natural. Ela enunciava os fatos com indiferença, olhando para o mar.
— Esse dragão — disse Bond. — Que espécie de dragão será? Você já o viu?
— Vi, sim. — Ela apertou os olhos e fez uma careta, como se estivesse engolindo um remédio amargo. Olhava ansiosamente para Bond, a fim de fazer que ele partilhasse seus sentimentos.
— Há um ano que venho aqui procurar conchas e fazer explorações. Só encontrei essas, — ela indicou a praia com um aceno de mão — há cerca de um mês. Na minha última viagem. Mas tenho achado grande quantidade de outras espécies, muito boas. Pouco antes do Natal lembrei-me de explorar o rio. Fui até as cabeceiras, onde os homens que tomavam conta dos pássaros tinham seu acampamento. Estava completamente destruído. Como já era tarde, resolvi passar a noite lá. Fui acordada no meio da noite. O dragão estava-se aproximando, estava a menos de cinqüenta metros. Tinha dois enormes olhos brilhantes e uma tromba comprida. Tinha uma espécie de asas curtas e uma cauda pontuda. Era todo preto e cor-de-ouro. — Ela franziu as sobrancelhas ao ver a expressão estampada na fisionomia de Bond. — Era noite de lua cheia. Podia vê-lo perfeitamente. Passou por mim. Fazia como que um ronco forte. Foi pelo pântano e chegou diante de uns mangues densos, e simplesmente subiu por cima das moitas e prosseguiu. Um bando de aves estava à sua frente, e de repente ele lançou um jato de fogo pela boca, e queimou uma porção delas, e todas as árvores onde tinham feito seus ninhos. Foi horrível. A coisa mais horrível que eu já vi.
A moça inclinou-se para um lado e olhou para o rosto de Bond. Endireitou-se novamente e pôs-se a fitar obstinadamente o mar.
— Bem vejo que não me acredita — disse numa voz contida, furiosa. — Você é daquela gente da cidade. Não acredita em nada. Que horror! — ela estremeceu.