— A minha canoa! Como poderei voltar?
— Não se preocupe, senhorita, — disse Quarrel, que sentia a perda de uma canoa mais do que Bond. Imaginou ainda que aquela embarcação representasse quase todo o capital da jovem. — O capitão lhe dará outra. E a senhorita voltará conosco. Temos um magnífico bote, entre os mangues, e ele não foi destruído. Já estive lá espiando.
Quarrel olhou para Bond. Agora, o seu rosto denotava preocupação.
— Mas, capitão, o senhor está vendo o que eu disse dessa gente. Eles são duros e não estão brincando. Esses cães que eles vão trazer são policiais — Pinschers, como eles os chamam. Bastardos. Meus amigos disseram-me que são uma matilha de vinte ou mais. É melhor resolvermos logo.
— Está bem, Quarrel. Mas antes de mais nada precisamos comer alguma coisa. — o diabo que me carregue se eu vou ser aterrorizado e expulso da ilha antes de dar uma olhada nisso. Levaremos Honey conosco. — E, voltando-se para a jovem:
— Está bem, Honey? Nada lhe acontecerá. Depois voltaremos juntos.
A jovem olhou-o em dúvida:
— Acho que não há alternativa. Quero dizer. Gostaria de ir com vocês, se não atrapalhasse. Francamente, não quero comer nada. Mas você me levará de volta, assim que puder? Não quero ver mais aquela gente. Durante quanto tempo vocês vão ficar olhando para essas aves?
Bond respondeu evasivamente:
— Pouco tempo. Eu terei apenas que ver o que lhes aconteceu e porquê. Depois, partiremos.
Olhou para o relógio e anunciou:
— Agora são doze horas. Você nos esperará aqui. Tome um banho ou faça o que quiser. Não ande por aí deixando pegadas. Vamos, Quarrel, é melhor escondermos aquele bote.
Só à uma hora eles estavam prontos. Bond e Quarrel encheram a canoa com pedras e areia, até que ela desapareceu sob a água, entre os mangues. Depois, apagaram as suas pegadas. As balas tinham deixado tantos gravetos na orla da praia, que eles podiam caminhar pisando em folhas e ramos quebrados. Comeram parte de suas rações — os homens com avidez, mas Honey com relutância — e depois, passando sobre as rochas, foram ter à lagoa, próxima da costa. Em seguida foram vadeando aquelas águas, em direção à foz do rio, trezentos metros praia abaixo.
Fazia muito calor. Um vento áspero e quente começou a soprar do nordeste. Quarrel informou que aquele vento soprava diariamente, durante todo o ano, e era vital para a guaneira, pois secava o guano. O revérbero do mar e das brilhantes folhas verdes dos mangues cegava-os. Bond deu-se por feliz, já que tivera o cuidado de acostumar sua pele ao sol.
Na foz do rio encontraram um banco de areia e um extenso pântano, profundo e de águas estagnadas. Os dois homens podiam molhar-se ou tirar as roupas. Bond disse à jovem:
— Honey, não podemos ter cerimônia, nesta situação. Vamos ficar apenas com as camisas por causa do sol. Fique apenas com o que for sensato e caminhe atrás de nós.
Sem esperar pela resposta da jovem, os dois homens tiraram as calças. Quarrel enrolou-as e guardou-as na sacola, juntamente com as provisões e o revólver de Bond. Depois começaram a vadear a lagoa, com Quarrel na frente, logo seguido de Bond, e, finalmente a jovem. A água chegou até a cintura de Bond. Um grande peixe prateado deu um salto perto deles e depois caiu ruidosamente na água. Viram-se pequeninas setas riscarem a superfície, quando peixes menores se afastaram precipitadamente.
A lagoa convergia para uma estreita garganta, por sobre a qual as copas dos mangues se tocavam. Durante algum tempo eles vadearam através de um túnel fresco, e depois o rio se alargou num canal profundo, de águas morosas, que serpeava para a frente, entre as gigantescas raízes de sustentação dos mangues. O fundo era lamacento, e a cada passo os pés se enterravam algumas polegadas no lodo. Pequenos peixes ou camarões se encolhiam ou fugiam de baixo de seus pés, e de quando em quando eles tinham que parar para se desembaraçar das sanguessugas, antes que elas se agarrassem firmemente. A não ser isso, aquela caminhada era fácil, sob o frescor das arvores, e, pelo menos para Bond, era uma bênção estar ao abrigo do sol.
Em breve, à medida que se iam afastando do mar, começaram a sentir um cheiro de ovo podre, o cheiro de hidrogênio sulfurado do gás dos pântanos. Os mosquitos começaram a assaltá-los e pareciam gostar do corpo de Bond. Quarrel disse-lhe que mergulhasse na água do rio, pois os mosquitos gostavam de carne salgada. Bond tirou a camisa e fez o que Quarrel lhe aconselhara. Depois disso sentiu-se melhor e o seu olfato chegou mesmo a se acostumar com aquele repugnante cheiro, a não ser quando os pés de Quarrel desfaziam algum bolsão de gás, no fundo da lama, e uma gigantesca bolha atravessava a água para arrebentar na superfície sob as suas narinas.
Os mangues começaram a se tornar mais escassos e mais esparsos, enquanto o rio se ia alargando aos poucos. Ao mesmo tempo, a água tornava-se mais rasa e o fundo mais firme. Logo chegaram a uma volta e saíram para céu aberto, Honey disse:
— É melhor tomarmos cuidado, agora. Eles poderão ver-nos com muita facilidade. Isso vai assim durante uma milha. Depois o rio torna a se estreitar até o lago. E depois se poderá ver a restinga onde os tratadores das aves viviam.
O grupo deteve-se à sombra do túnel de mangues e olhou para fora. O rio serpeava perigosamente, afastando-se deles, em direção ao centro da ilha. As suas barrancas, bordadas de bambus de pequeno porte e de vegetação rala, dar-lhes-íam cobertura reduzida. Partindo de sua margem ocidental, o terreno elevava-se aos poucos, e logo abruptamente até o monte, situado a três quilômetros de distância, que era a guaneira. Na base daquela montanha, viam-se várias cabanas esparsas. Um ziguezague prateado galgava o flanco da colina, até as tendas — trilhos “Decauville”, pensou Bond, destinados a levarem o guano para o moinho e separa-dor. O cume do monte era branco, como se estivesse coberto de neve. De sua parte mais elevada desprendia-se como que uma bandeira de dó de guano. Bond podia ver os pontos negros que eram os corvos marinhos, sobre o fundo branco. Aquelas aves estavam levantando vôo e pousando como abelhas numa colmeia.
Bond deixou-se ficar de pé e contemplou o brilho distante daquela montanha de excrementos de aves. Então aquilo era o reino do Dr. No! Bond pensou que jamais vira um cenário tão escondido e distante, em toda a sua vida.
Examinou o terreno entre o rio e a montanha. Parecia ser principalmente formado com aquela matéria cinzenta de corais mortos. Não havia dúvida de que uma estrada ou trilha corria da falda da montanha até ao lago central e aos pântanos. Bond notou ainda que toda a vegetação se curvava para oeste, e imaginou viver durante todo um ano com aquele vento escaldante castigando a ilha, sem falar do cheiro do guano e do gás dos pântanos. Nenhuma colônia penal poderia encontrar pior localização do que aquela.
Bond olhou para leste, onde os mangues, na área dos charcos, pareciam oferecer mais hospitalidade. Os três puseram-se a caminhar sobre um sólido tapete verde de vegetação. Sobre suas cabeças, aves revoluteavam agitadas, para depois se, acalmarem, e logo tornarem a agitar-se. Seus pios eram carregados pelo vento crestante.
A voz de Quarrel interrompeu os pensamentos de Bond:
— Eles vêm vindo, capitão!
Bond seguiu o olhar de Quarrel. Um grande caminhão descia celeremente das tendas, com uma nuvem de pó levantando-se das rodas. Bond acompanhou-o durante dez minutos, até que o veículo desapareceu entre os mangues, na margem do rio. Bond pôs-se a escutar e ouviu latidos de cães, que eram trazidos pelo vento.
Quarrel comentou:
— Eles vão descer pelo rio, capitão. Sabem que não nos podemos mover, a não ser rio acima, se não estivermos mortos. Certamente que descerão pelo rio, até a praia, e farão um reconhecimento dos destroços. Depois, com toda a certeza, a lancha virá com um pequeno bote e recolherá os homens e os cães. Pelo menos, isso é o que eu faria no lugar deles.