Mais adiante, ela puxou-o ansiosamente pela manga. “Veja”, sussurrou, e apontou para a frente, indicando um grande cerrado de árvores, ao lado do qual passavam as trilhas. O cerrado estava sem folhas, enegrecido. Ao centro viam-se os restos dos ninhos de pássaros carbonizados. — Ele respirou sobre as árvores, — disse a garota nervosamente.
Bond aproximou-se das árvores e examinou-as. — Certamente que o fez — admitiu. Por que aquele cerrado, em especial, tinha sido queimado? Era muito estranho aquilo.
As trilhas desciam em direção ao lago e desapareciam na água. Bond teria gostado de segui-las, mas não poderia abandonar a cobertura das árvores. Assim, continuaram a marcha, cada um entregue aos próprios pensamentos.
Lentamente o dia começou a morrer, por trás da colina, e por fim a garota apontou para a frente, através dos arbustos; Bond pôde ver uma comprida restinga internando-se no lago. Estava coberta por densas moitas de arbustos e podiam-se ver, a cem metros da praia, os restos de uma cabana incendiada. Aquele parecia um lugar razoavelmente atraente para se passar a noite, e era bem protegido dos dois lados, pela água.
O vento tinha declinado e a água se apresentava suave e convidativa. Que prazer não seria tirarem as suas imundas camisas para um banho no lago e, depois de horas de patinhação através da lama e do lodo do pântano, poderem descansar naquela areia dura e seca!
O sol brilhou com reflexos amarelecidos e desapareceu por trás da montanha. Ainda era dia na extremidade oriental da ilha, mas a sombra negra do monte avançava vagarosamente sobre o lago e acabaria por expulsar completamente os últimos vestígios do sol. Os sapos começaram a coaxar mais barulhentamente que em Jamaica, até que a noite ficou cheia daquele áspero ruído. Do outro lado do lago um grande sapo macho começou a soar o seu tambor. Aquele estranho som era algo entre um tom-tom e um rosnado de macaco. Enviava mensagens que subitamente se interrompiam e logo silenciaram. Com certeza encontrara o que procurava.
Chegaram à garganta da restinga e seguiram por um estreito caminho, até a clareira que encerrava os escombros da cabana de sapé. As grandes e misteriosas trilhas saíam da água, de ambos os lados, atravessavam a clareira e os cerrados próximos. Muitos dos arbustos estavam queimados ou crestados. Podiam-se ver os restos de um fogão feito de pedaços de coral, e algumas panelas e latas vazias. Examinaram os destroços, e Quarrel desenterrou um par de latas intactas de costeletas de porco e ervilhas marca “Heinz”. A jovem encontrou ainda um saco de dormir muito amarrotado, enquanto Bond achou uma pequena bolsa de couro com cinco notas de um dólar, três libras de Jamaica e algumas moedas de prata. Os dois homens certamente tinham abandonado aquele lugar a toda pressa.
Prosseguiram mais para diante, até uma pequena clareira arenosa. Através dos arbustos podiam ver luzes cintilando sobre a água e provenientes da montanha, talvez a mais de três quilômetros de distância. A leste nada mais havia senão. os suaves reflexos escuros da água sob o céu sombrio.
Bond comentou: — Enquanto não acendermos nada, estaremos bem aqui. A primeira coisa a fazer é tomarmos um bom banho, Honey. Você pode ficar com o resto da restinga, que nós ficaremos com a sua garganta. Dentro de meia hora espero vê-la para o jantar.
A garota riu: — Você virá a rigor?
— Sem dúvida — respondeu Bond — e de calças.
Quarrel observou: — Capitão, enquanto ainda há um pouco de luz, vou abrir essas latas e preparar as coisas para a noite. — Remexeu dentro da mochila. — Aqui estão as suas calças e o seu revólver. O pão talvez não esteja muito bom, mas está apenas molhado. Pode-se comê-lo bem, e amanhã estará seco. O melhor talvez fosse comermos das latas esta noite, guardando o queijo e as costeletas. As latas são pesadas e amanhã teremos que andar muito.
Bond respondeu: — Muito bem, Quarrel. Deixarei o cardápio aos seus cuidados.
Em seguida, apanhou o revólver e as calças úmidas e desceu para a água rasa. A água estava acariciante, mas desagradavelmente quente. Bond escavou punhados de areia, com as mãos, e esfregou o corpo com ela, utilizando-a como sabonete. Depois deixou-se ficar gostosamente em meio àquele silêncio e àquela solidão.
As estrelas começaram a brilhar palidamente, as estrelas que os tinham trazido à ilha na noite passada; as estrelas que os tirariam dali no dia seguinte. Que viagem! Mas pelo menos já tinha dado os seus resultados. Agora tinha provas bastantes, e testemunhas, para ir ter com o governador e conseguir dele um inquérito completo acerca das atividades do Dr. No. Ninguém lança mão de metralhadoras contra pessoas, mesmo contra intrusos. E, da mesma forma, o que seria aquilo do Dr. No, que invadira a propriedade da Sociedade Audubon, aquilo que chegara a destruir essa propriedade e provavelmente matara um de seus empregados? Isto também teria que ser investigado. E o que haveria ele de encontrar quando voltasse pela porta da frente, talvez a bordo de um destróier, e com um destacamento de fuzileiros navais? Qual seria a resposta para o mistério do Dr. No? O que estaria ele escondendo? Por que aquele segredo era tão importante, que seria capaz de matar repetidas vezes, para preservá-lo? E quem era esse Dr. No?
Bond ouviu o barulho de alguém espojando-se na água. Pensou na garota. E quem, afinal, era Honeychile Ri-der? Aquilo pelo menos, pensou ele ao sair da água, era algo que deveria esclarecer antes do amanhecer.
Bond enfiou as suas pegajosas calças, sentou-se na areia e desmontou o revólver. Fê-lo pelo tato, utilizando-se de sua camisa para secar cada peça e cada cartucho. Depois, tornou a montar a arma e pressionou o gatilho, fazendo com que o tambor vazio desse uma volta completa. O som era satisfatório. Seriam precisos alguns dias para que o revólver começasse a enferrujar. Carregou-o e meteu-o no coldre, para dentro do cós da calça. Depois, levantou-se e voltou para a clareira.
A sombra de Honey chegou até ele, e a sua voz se fez ouvir: — Venha; estamos morrendo de fome. Apanhei uma das panelas, limpei-a e pusemos as ervilhas nela. Temos pão também. E eu não sinto escrúpulos de comer a sua ração, porque você me fez trabalhar muito mais do que se eu estivesse sozinha. Agora, estique a mão.
Bond achou graça no tom autoritário que havia em sua voz. Ele apenas podia perceber a sua silhueta, no escuro. Sua cabeça parecia mais aflada. Ele se perguntou como seriam os seus cabelos quando secos e penteados. Como seria ela quando estivesse vestindo roupas limpas naquele lindo corpo dourado? Podia vê-la entrando numa sala ou atravessando um vestíbulo em Beau Desert. Ela seria uma linda e encantadora Patinha Feia. Por que nunca procurara endireitar o nariz? Seria uma operação fácil. Depois disso, ela seria a jovem mais bela de Jamaica.
O seu ombro tocou nele. Bond esticou o braço e descansou a mão aberta no colo da jovem. Então Bond sentiu que ela estava enchendo a sua mão com ervilhas.
Subitamente, Bond aspirou o seu cheiro cálido de animal. Foi uma explosão sensual tão aguda que o seu corpo se uniu ao dela, e, por um momento, os seus olhos se fecharam.
Ela deixou escapar um riso curto, no qual havia timidez, satisfação e ternura. E disse, maternalmente: “Lá”, — e empurrou a mão de Bond.
XI - VIDA NO CANAVIAL
Seriam cerca de oito horas, pensou Bond. A não ser o coaxar dos sapos, tudo estava mergulhado em silêncio. No canto mais distante da clareira, ele podia vislumbrar o vulto de Quarrel.