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Bond disse com impaciência: — Você não é aleijada! Não diga tolices. E aliás você pode endireitá-lo mediante uma simples operação. Basta que você vá aos Estados Unidos e a coisa levará apenas uma semana.

Ela disse com irritação: — Como é que você quer que eu faça isso? Tenho cerca de quinze libras debaixo de uma pedra, na minha adega. Tenho ainda três saias, três blusas, uma faca e uma panela de peixe. Conheço muito bem essas operações. O médico de Porto Maria já pediu informações para mim. Ele é um homem muito bom e escreveu para os Estados Unidos. Pois para que a operação seja bem feita, eu teria que gastar cerca de quinhentas libras, sem falar da passagem para Nova York, a conta do hospital e tudo o mais.

Sua voz tornou-se desesperançada: — Como é que você espera que eu possa ter todo esse dinheiro?

Bond já decidira sobre o que teria de ser feito, mas no momento apenas disse ternamente: — Bem, espero que se possam encontrar meios; mas, de qualquer maneira, prossiga com a sua história. Ela é muito excitante — muito mais interessante do que a minha. Você tinha chegado ao ponto em que a sua ama morreu. O que aconteceu depois?

A jovem recomeçou com relutância.

— Bem, a culpa é sua por ter interrompido. E você não deve falar de coisas que não compreende. Suponho que as pessoas lhe digam que você é simpático. Você deve também ter todas as namoradas que desejar. Bem, isso não aconteceria se você fosse vesgo ou tivesse um lábio leporino. — Na verdade, ele pôde ouvir o sorriso em sua voz: — Acho que quando voltarmos eu irei ter com o feiticeiro para que lhe faça uma mandinga e lhe dê alguma coisa assim. — E ela acrescentou tristemente: — Dessa forma, nós seremos mais parecidos.

Bond estendeu o braço e sua mão tocou nela: — Eu tenho outros planos. Mas continuemos, quero ouvir o resto da sua história.

— Bem, — disse a jovem com um suspiro. — Eu terei que me atrasar um pouco. Como você sabe, toda a propriedade é representada pela cana-de-açúcar e pela velha casa que está situada no meio da plantação. Bem, umas duas vezes por ano eles cortam a cana e mandam-na para o moinho. E quando eles o fazem, todos os animais e insetos que vivem nos canaviais entram em pânico e a maioria deles têm as suas tocas destruídas e são mortos. Na época da safra, alguns deles começaram a vir para as ruínas da casa, onde se escondiam. No princípio, minha babá ficava aterrorizada, pois lá vinham os mangustos, as cobras e os escorpiões, mas eu preparei dois quartos da adega para recebê-los. Não me assustei com eles, e eles nunca me fizeram mal. Pareciam compreender que eu estava cuidando deles. E devem ter contado aquilo aos seus amigos, ou alguma coisa parecida, pois depois de algum tempo era perfeitamente natural que todos viessem acantonar-se em seus dois quartos, onde ficavam até que os canaviais começassem novamente a crescer, quando então iam saindo e voltando para os campos. Dei-lhes toda a comida que podíamos pôr de lado, quando eles ficavam conosco, e todos se portavam muito bem, a não ser por algum odor e às vezes uma ou outra luta entre si. Mas eram muito mansos comigo. Naturalmente os cortadores de cana perceberam tudo e viam-me andando pelo lugar com cobras à volta do meu pescoço, e assim por diante, a ponto de ficarem aterrorizados comigo e me considerarem uma feiticeira. Por causa disso, eles nos deixaram completamente isoladas. Ela fez uma pausa, e depois recomeçou:

— Foi assim que aprendi tanta coisa sobre animais e insetos. Eu costumava ainda passar muito tempo no mar, aprendendo coisas sobre os animais marinhos, assim como sobre os pássaros. Se se chega a saber o que todas essas criaturas gostam de comer e do que têm medo, pode-se muito bem fazer amizade com elas. — Levantou os olhos para Bond e disse: Você não sabe o que perde ignorando todas essas coisas.

— Receio que perca muito — respondeu Bond com sinceridade. — Suponho que eles sejam muito melhores e mais interessantes que os homens.

Sobre isso nada sei — respondeu a jovem pensativa-mente. — Não conheço muitas pessoas. A maioria das que conheci foram detestáveis, mas acho que deve haver criaturas interessantes também. — Fez uma pausa, e prosseguiu: — Nunca pensei realmente que chegasse a gostar de alguma pessoa como gosto dos animais. Com exceção da babá, naturalmente. Até que... — Ela se interrompeu com um sorriso de timidez. — Bem, de qualquer forma, nós vivemos muito felizes juntas, até que eu fiz quinze anos, quando então a babá morreu e as coisas se tornaram muito difíceis. Havia um homem chamado Mander. Um homem horroroso. Era o capataz branco que servia aos proprietários da plantação. Ele vivia me procurando. Queria que eu fosse viver com ele, em sua casa de Porto Maria.

Eu o odiava, e costumava esconder-me sempre que ouvia o seu cavalo aproximando-se do canavial. Certa noite ele veio a pé e eu não o ouvi. Estava bêbado. Entrou na adega e lutou comigo porque não queria fazer o que ele desejava. Você sabe, as coisas que fazem as pessoas quando estão apaixonadas.

— Sim, já sei.

— Tentei matá-lo com a minha faca, mas ele era muito forte e deu-me um soco tão forte no rosto que me quebrou o nariz. Deixou-me inconsciente e acho que fez alguma coisa comigo. Sei que ele fez mesmo. No dia seguinte eu quis me matar quando vi o meu rosto e verifiquei o que ele me havia feito. Pensei que iria ter um filho. Teria sem dúvida me matado se tivesse tido um filho daquele homem. Em todo caso, não tive, e tudo continuou assim. Fui ao médico e ele fez o que pôde com o meu nariz e não me cobrou nada. Quanto ao resto, eu nada lhe contei, pois estava muito envergonhada. O homem não voltou mais. Eu esperei e nada fiz até a próxima colheita de cana-de-açúcar. Tinha um plano. Estava esperando que as aranhas viúvas-negras viessem procurar abrigo. Um belo dia elas chegaram. Apanhei a maior das fêmeas e á deixei numa caixa sem nada para comer. As fêmeas são terríveis. Então esperei que fizesse uma noite escura, sem luar. Na primeira noite dessas, apanhei a caixa com a aranha e caminhei até chegar à casa do homem. Estava muito escuro e eu me sentia aterrorizada com a possibilidade de encontrar algum assaltante pela estrada, mas não houve nada. Esperei em seu jardim, oculta entre os arbustos, até que ele se recolheu à cama. Então subi por uma árvore e ganhei a sacada; aguardei até que ele começasse a roncar e depois entrei pela janela. Ele estava nu, estendido na cama, sob o mosquiteiro. Levantei uma aba do filó, abri a caixa e sacudi-lhe a aranha sobre o ventre. Depois saí e voltei para casa.

— Deus do céu! — exclamou Bond reverentemente. — O que aconteceu com o homem?

Ela respondeu com satisfação: — Levou uma semana para morrer. Deve ter-lhe doído terrivelmente. Você sabe, a mordida dessa aranha é pavorosa. Os feiticeiros dizem que não há nada que se lhe compare. — Ela fez uma pausa, e como Bond não fizesse nenhum comentário, acrescentou: — Você não acha que eu fiz mal, não é?

— Bem, não faça disso um hábito — respondeu Bond suavemente. — Mas não posso culpá-la, diante do que ele tinha feito. E, depois, o que aconteceu?

— Bem, depois me estabeleci novamente — sua voz era firme. — Tive que me concentrar na tarefa de obter alimento suficiente, e naturalmente. — Acrescentou persuasivamente: — Eu tinha de fato um nariz muito bonito, antes. Você acha que os médicos podem torná-lo igualzinho ao que era antes?

— Eles poderão fazê-lo de qualquer forma que você quiser — disse Bond em tom definitivo. — Como é que você ganhou dinheiro?

— Foi graças à enciclopédia. Li nela que há pessoas que gostam de colecionar conchas marinhas e que as conchas raras podiam ser vendidas. Falei com o mestre-escola local, sem contar-lhe naturalmente o meu segredo, e ele descobriu para mim que havia uma revista norte-americana chamada “Nautilus”, dedicada aos colecionadores de conchas. Eu tinha apenas o dinheiro suficiente para tomar uma assinatura daquela revista e comecei a procurar as conchas que as pessoas pediam em seus anúncios. Escrevi a um comerciante de Miami e ele começou a comprar as minhas conchas. Foi emocionante. Naturalmente que cometi alguns erros, no princípio. Pensei, por exemplo, que as pessoas gostariam das conchas mais bonitas, mas esse não era o caso. Freqüentemente elas preferiam as conchas mais feias. Depois, quando achava conchas raras, punha-me a limpá-las e poli-las a fim de torná-las mais bonitas, mas isso também foi um erro. Os colecionadores querem as conchas exatamente como saem do mar, com o animal em seu interior também. Então consegui algum formol com o médico e o punha entre as conchas vivas, para que elas não tivessem mau cheiro, e depois mandava-as para o tal comerciante de Miami. Só aprendi bem o negócio de um ano para cá e já consegui quinze libras. Consegui esse resultado agora que sei como é que eles querem as conchas e se tivesse sorte, poderia fazer pelo menos cinqüenta libras por ano. Então, em dez anos poderia ir aos Estados Unidos e operar-me. Mas, continuou ela com intenso contentamento, tive uma notável maré de sorte. Fui a Crab Key pelo Natal, onde já tinha estado antes. Mas dessa vez eu encontrei essas conchas purpúreas. Não parecem grande coisa, mas eu enviei uma ou duas para Miami e o comerciante escreveu-me para dizer que compraria tantas dessas conchas quantas eu pudesse encontrar, e ao preço de até cinco dólares pelas perfeitas. Disse-me ainda que eu deveria manter segredo sobre o lugar de onde as tirava, pois de outra forma o “mercado seria estragado”, como disse ele, e os preços cairiam. É como se se tivesse uma mina de ouro particular. Agora serei capaz de juntar o dinheiro em cinco anos. Esse foi o motivo pelo qual tive grandes suspeitas de você, quando o encontrei na praia. Pensei que você tivesse vindo para roubar as minhas conchas.