A voz se fez ouvir novamente: — Pare aí, camarada. E deixe cair o lança-ervilhas. Nada de truques, senão os caranguejos terão um bom almoço.
Bond deixou cair a sua arma. Lá se fora o “Smith & Wesson”. O “Beretta” não teria tido melhor sorte: A jovem lastimou-se, e Bond apertou a sua mão. — Agüente, Honey, — disse ele. — Nós nos livraremos disso.
Bond troçou de si mesmo por causa daquela mentira. Ouviu-se o ruído de uma porta de ferro que se abria. Por trás da cúpula, um homem saltou para a água e caminhou até eles, com um revólver na mão. Ao mesmo tempo ia-se mantendo fora da linha de fogo do lança-chamas. A trêmula chama azul iluminou o seu rosto. Era um chinês negro, de enorme estatura, vestindo apenas calças. Alguma coisa balançava em sua mão esquerda, e quando ele se aproximou mais, Bond pôde ver que eram algemas.
O homem deteve-se a alguns metros de distância e disse:
— Levantem os braços. Punhos juntos e caminhem em minha direção. Você primeiro, inglês. Devagar ou receberá mais um umbigo.
Bond obedeceu e quando estava a um passo do homem, este prendeu o revólver entre os dentes, e esticou os braços e atou os seus pulsos com as algemas. Bond examinou aquele rosto iluminado pelas chamas azuis. Era uma cara brutal, com olhos estrábicos. O agente do Dr. No fitou-o com desprezo. — Bastardo imbecil! — disse.
Bond deu as costas ao homem e começou a se afastar. Ia ver o corpo de Quarrel. Tinha que lhe dizer adeus. Ouviu-se o ruído de um disparo e uma bala jogou-lhe areia nos pés. Bond parou, e voltando-se lentamente disse:
— Não fique nervoso. Vou dar uma espiada no homem que você acabou de assassinar. Voltarei.
O homem abaixou o revólver e riu grosseiramente: — Muito bem. Divirta-se. Desculpe se não temos uma coroa. Volte logo, se não daremos uma amostra à boneca. Dois minutos.
Bond caminhou em direção ao cerrado de arbustos fumegantes. Ali chegando, olhou para baixo. Seus olhos e boca se contraíram. Sim, tinha sido bem como ele imaginara. Pior, mesmo. Disse docemente: — Perdoe-me, Quarrel. — Com o pé soltou um pouco de areia, que colheu com as mãos algemadas e verteu-a sobre os restos dos olhos de Quarrel. Depois caminhou lentamente, de volta, e ficou ao lado da jovem.
O homem empurrou-os para a frente com o revólver. Deram a volta por trás da máquina, onde havia uma pequena porta quadrada. Uma voz do interior disse: — Entrem e sentem-se no chão. Não toquem em nada ou ficarão com os dedos partidos.
Com dificuldade, arrastaram-se para dentro daquela caixa de ferro, que cheirava a óleo e suor. Havia lugar apenas para que ambos se sentassem com as pernas encolhidas, de joelhos para cima. O homem que empunhava o revólver e que vinha atrás deles saltou por último para dentro do carro e fechou a porta. Ligou uma lâmpada e sentou-se num assento de ferro, ao lado do chofer. — Muito bem, Sam, vamos andando. Você pode apagar o fogo. Há luz bastante para dirigir — disse.
Na painel de controle podia-se ver uma fileira de mostradores. O motorista esticou a mão e deslocou para baixo um par de interruptores. Engrenou o motor e olhou através de uma estreita fresta, cortada na parede de ferro, diante dele. Bond sentiu que o veículo dava uma volta. Ouviu-se um movimento mais rápido do motor, e o veículo avançou.
O ombro da jovem apertou-se de encontro ao de Bond.
— Para onde estão eles nos levando? — O seu sussurro traía um estremecimento.
Bond voltou a cabeça e olhou para ela. Era a primeira vez que podia ver os seus cabelos depois de secos. Estavam desfeitos pelo sono, mas não eram mais mechas de rabichos empastados. Caíam densamente até os ombros, onde terminavam em anéis voltados para dentro. Eram do mais pálido louro acinzentado e despediam reflexos quase prateados sob a luz elétrica. Ela olhou para o alto, para ele. A pele, à volta dos olhos e nos cantos da boca, mostrava-se lívida de medo.
Bond deu de ombros, procurando aparentar uma indiferença que não sentia!. Sussurrou: — Oh, espero que vamos ver o Dr. No. Não se preocupe demais, Honey. Esses homens não passam de pequenos bandidos. Com ele, as coisas serão diferentes. Quando estivermos diante dele, não diga nada, falarei por nos dois. — Ele apertou o seu ombro e disse: — Gosto da maneira por que você penteia o seu cabelo, e fico contente porque você não o apara muito curto.
Um pouco da tenção desapareceu do rosto dela. — Como é que você pode pensar em coisas como essa? — Deu um leve sorriso para ele, e acrescentou: — Mas estou contente por você gostar de meu penteado. Lavo os meus cabelos com óleo de coco uma vez por semana.
À lembrança de sua outra vida, seus olhos ficaram brilhantes. Ela baixou a cabeça para as mãos algemadas, a fim de esconder as lágrimas. Sussurrou quase para si mesma: — Tentarei ser brava. Tudo estará bem, desde que você esteja lá.
Bond aconchegou-se a ela. Levantou suas mãos algemadas até a altura dos olhos e examinou as algemas. Eram do tipo usado pela polícia norte-americana. Contraiu sua mão esquerda, a mais fina das duas, e tentou fazê-la deslizar pelo anel de aço. Mesmo o suor de sua pele de nada adiantou. Era inútil.
Os dois homens sentavam-se em seus bancos de ferro, indiferentes, e com as costas voltadas para eles. Sabiam que dominavam inteiramente a situação. Não havia possibilidade de que Bond oferecesse qualquer incômodo. Não poderia levantar-se ou dar o necessário impulso aos seus punhos para causar qualquer mal às cabeças de seus adversários, utilizando as algemas. Se conseguisse abrir a porta e pular para a água, o que lograria com isso? Imediatamente eles sentiriam a brisa fresca, nas costas, e parariam a máquina para queimá-lo na água ou içá-lo novamente. Bond aborrecia-se em pensar que os homens pouco se preocupavam com ele, pois sabiam tê-lo completamente em seu poder. Também não gostou da idéia de que aqueles homens eram bastante inteligentes para saber que ele não representava nenhuma ameaça. Indivíduos mais estúpidos teriam ficado em cima deles, de revólver em punho, tê-los-iam surrado, a ele e à jovem, barbaramente, e talvez os tivessem deixado inconscientes. Aqueles dois conheciam o ofício. Eram profissionais, ou tinham sido treinados para o serem.
Os dois homens não falaram. Não houve nenhum comentário sobre o quão hábil eles tinham sido, ou quanto ao seu cansaço ou destino. Apenas dirigiam a máquina serenamente, ultimando com eficiência a sua tarefa.
Bond continuava sem a mínima idéia do que seria aquilo. Sob a tinta negra e dourada, assim como sob o resto daquela fantasia, a máquina parecia uma espécie de trator, como ele nunca vira. Não tinha conseguido descobrir nomes de marcas comerciais, nos pneumáticos, pois estivera muito escuro, mas certamente que deveriam ser de borracha sólida ou porosa. Atrás havia um pequena roda para dar estabilidade ao conjunto. Uma espécie de barbatana de ferro fora ainda acrescentada e pintada também de preto e ouro, a fim de ajudar a dar a aparência de dragão. Os altos pára-lamas tinham sofrido um prolongamento, na forma de curtas asas voltadas para trás. Uma comprida cabeça de dragão, feita em metal, fora fixada ao radiador e os faróis receberam pontos centrais negros, para parecerem olhos. Era tudo, sem falar da cabina que fora recoberta com uma cúpula blindada e dotada de um lança-chamas. Era, como pensara Bond, um trator preparado para assustar e queimar — embora não pudesse atinar porque estava dotado de um lança-chamas e não de uma metralhadora. Era, evidentemente, a única espécie de veículo que poderia percorrer a ilha. Suas gigantescas rodas podiam avançar sobre os mangues, pântanos e ainda atravessar o lago raso. Galgaria também os agrestes planaltos de coral e, desde que andasse à noite, o calor experimentado na cabina seria pelo menos tolerável.
Bond ficara impressionado. Impressionado pelo toque de profissionalismo. O Dr. No era sem dúvida um homem que se preocupava intensamente com as coisas. Em pouco iria encontrá-lo. E em breve estaria diante do segredo do Dr. No. Então, o que aconteceria? Bond sorriu amargamente. Sim, não o deixariam sair dali com o seu conhecimento. Certamente seria morto, a menos que pudesse fugir ou conseguir a sua liberdade por meios persuasivos. E o que aconteceria à jovem? Poderia ele provar sua inocência e conseguir com que ela fosse poupada? Possivelmente, mas nunca mais ela teria permissão para deixar a ilha. Ali teria de ficar para o resto da vida, como amante ou mulher de um dos homens, ou do próprio Dr. No, se ela o impressionasse.