Os pensamentos de Bond foram interrompidos por um trecho do percurso mais difícil, como se podia sentir pela trepidação. Tinham atravessado o lago e estavam no caminho que levava para o alto da montanha, junto às cabanas. A cabina vibrava e a máquina começou a galgar o terreno. Dentro de cinco minutos estariam lá.
O ajudante do motorista olhou por sobre o ombro para Bond e a jovem. Bond sorriu confiantemente para ele dizendo: Você receberá uma medalha por isso.
Os olhos amarelos e marrons olharam impassivelmente dentro dos dele, enquanto os lábios arroxeados e oleosos se fenderam num sorriso no qual havia um ódio repousado: Feche a boca, se... Depois, deu-lhe as costas.
A jovem tocou-o com o cotovelo e sussurrou: — Por que eles são tão rudes? Por que nos odeiam tanto?
Bond esboçou um sorriso e disse: — Acho que é porque lhes causamos medo. Talvez ainda estejam com medo, e isto porque não parecemos ter medo deles. Devemos mantê-los assim.
A jovem aconchegou-se a ele e disse: — Tentarei.
Agora a subida estava-se tornando mais íngreme. Uma luz azul-acinzentada atravessava as frestas da armadura. A madrugada se aproximava. Fora, em breve estaria começando mais um dia de calor abrasador, de execrável vento, carregado com o cheiro de gás dos pântanos. Bond pensou em Quarrel, o bravo gigante que não mais veria aquele dia, e com o qual eles deveriam agora estar caminhando através dos pauis de mangues. Quarrel tinha pressentido a morte, mas apesar disso tinha acompanhado Bond sem qualquer objeção. Sua fé em Bond tinha sido maior do que o seu medo. E Bond tinha-lhe faltado. Seria ele ainda o causador da morte da jovem?
O motorista esticou o braço em direção ao painel e na parte dianteira do veículo fez-se ouvir o breve zunido de uma sirena de polícia, que foi desaparecendo num gemido fúnebre. Mais um minuto e o veículo parava, continuando o motor em regime neutro. O homem apertou um interruptor e tirou um microfone de um gancho, a seu lado. Falou por aquele microfone e Bond pôde ouvir a sua voz aumentada, do lado de fora, por um altofalante. — Tudo bem. Apanhamos o inglês e a garota. O outro homem morreu. Isso é tudo. Abram. — Bond ouviu que uma porta se deslocava para o lado, sobre rolamentos. O motorista embreou e eles avançaram lentamente para a frente, parando alguns metros adiante. O motorista desligou o motor. Ouviu-se o ruído metálico da tranca e a porta foi aberta pelo lado de fora. Uma lufada de ar fresco e uma luz mais brilhante penetraram na cabina. Várias mãos agarraram Bond e arrastaram-no para trás, até um chão de cimento. Bond agora estava de pé e sentia o cano de um revólver encostado ao seu flanco. Uma voz disse: — Fique onde está. Nada de espertezas. — Bond olhou para o homem. Era mais um chinês negro, do mesmo tipo que os outros. Os olhos amarelos examinaram-no com curiosidade. Bond virou-se com indiferença. Outro homem estava cutucando a jovem com a arma. Bond disse asperamente: — Deixe a garota em paz! Em seguida, caminhou e pôs-se ao lado da jovem. Os dois homens pareceram surpresos. Deixaram-se ficar de pé, apontando as armas com hesitação.
Bond olhou à volta. Estavam numa das cabanas pré-fabricadas que ele vira do rio. Era ao mesmo tempo uma garagem e uma oficina. O “dragão” tinha sido colocado sobre um fosso de vistoria, no chão de concreto. Um motor de popa desmontado estava sobre uma das bancadas. Longos tubos de luz fluorescente estavam afixados ao teto e o ambiente estava impregnado do cheiro de óleo e fumaça de exaustor. O motorista e o seu companheiro examinavam a máquina. Em seguida deram alguns passos pelo galpão, como se andassem sem propósito.
Um dos guardas anunciou: — Enviei a mensagem. A ordem é que eles sejam levados. Foi tudo bem?
O ajudante de motorista, que parecia o homem mais responsável, ali presente, disse: — Sem dúvida. Alguns disparos. Os faróis foram partidos. Talvez haja alguns furos nos pneumáticos. Ponha os rapazes em ação — uma vistoria completa. Conduzirei esses dois e tirarei um cochilo. — E, voltando-se para Bond: — Bem, vamos andando — e indicou o caminho que saía do longo galpão.
Bond disse: — Vá andando você; e cuidado com os modos. Diga àqueles macacos que tirem as armas de cima de nós. Podem disparar por engano. Parecem bastante idiotas.
O homem se aproximou, e os outros os acompanharam logo atrás. O ódio brilhava em seus olhos. O chefe levantou o punho cerrado, tão grande quanto um pequeno malho e chegou-o à altura do nariz de Bond. Procurava controlar-se com esforço, e disse: — Ouça, senhor. Às vezes, nós, os rapazes, temos permissão para participar da festa final. Estou rezando para que essa seja uma dessas vezes. Certa ocasião fizemos com que a coisa durasse toda uma semana. E se eu o pego...
Riu e os seus olhos brilharam com crueldade. Olhou para o lado de Bond, fixando a garota. Seus olhos pareciam transformados em bocas que agitavam os lábios. Enfiou as mãos nos bolsos laterais das calças. A ponta de sua língua mostrava-se muito vermelha, entre os lábios arroxeados. Voltando-se para os companheiros disse: — Que tal, rapazes?
Os três homens estavam olhando também para a jovem. Fizeram um sinal de assentimento, como crianças diante de uma árvore de Natal.
Bond desejou atirar-se como um louco sobre eles, golpeando as suas caras com os punhos algemados e aceitando a sua vingança sangrenta. Não fosse pela jovem, bem que o teria feito. Mas tudo o que tinha conseguido com suas corajosas palavras fora amedrontá-la. Disse apenas: — Muito bem, muito bem. Vocês são quatro e nós somos dois, ainda por cima com as mãos atadas. Vamos, não queremos atingi-los. Apenas não nos empurrem muito de um lado para outro. O Dr. No poderia não ficar satisfeito.
Àquele nome, os rostos dos homens se modificaram. Três pares de olhos passaram apàticamente de Bond para o chefe. Por um segundo, este olhou com desconfiança para Bond, intrigado, tentando descobrir se Bond teria alguma influência junto ao Dr. No. Sua boca abriu-se para dizer algo, mas logo pareceu pensar melhor, e apenas disse de maneira incerta: — Bem, bem, estávamos simplesmente brincando. — Voltou-se para os homens, em busca de confirmação: — Não é?
— Sem dúvida, sem dúvida! — foi a resposta dada por um coro áspero, e os homens desviaram o olhar.
O chefe disse com mau humor: — Por aqui, senhor. — E ele mesmo pôs-se a caminho, percorrendo o comprido galpão.
Bond segurou o pulso da jovem e seguiu o chefe. Estava impressionado com a reação causada naqueles homens pelo nome do Dr. No. Aquilo era alguma coisa a lembrar se eles tivessem que se haver novamente com aquela turma.
O homem chegou a uma porta de madeira situada na extremidade do galpão. Ao lado havia um botão de campainha que ele pressionou duas vezes e esperou. Ouviu-se um estalido e a porta se abriu, mostrando dez metros de uma passagem rochosa, mas atapetada e que ia dar, na outra extremidade, em outra porta mais elegante e pintada de creme.
O homem ficou de lado. Siga em frente, senhor — disse; — bata na porta e será atendido pela recepcionista. — Não havia nenhuma ironia em sua voz e seus olhos se mostravam impassíveis.
Bond conduziu Honey pela passagem. Ouviu que a porta se fechava às suas costas. Deteve-se por um momento e fitou-a, perguntando-lhe: — E agora?
Ela riu, trêmula, mas respondeu: — Ê bom sentir-se tapete sob os pés.
Bond apertou o seu pulso. Andou até a porta pintada de creme e bateu.
A porta abriu-se e Bond entrou com a jovem ao lado. Quando se deteve instantaneamente, não chegou a perceber o encontrão que lhe dava a jovem, pois continuou estarrecido.