Aquilo era grotesco, concluiu Bond ao se aproximar de uma porta, na extremidade do corredor, perigosamente grotesco, mas em nada adiantava pensar nisso no momento. Ele apenas podia seguir o papel que lhe tinha sido destinado. Pelo menos, aquilo era melhor do que os bastidores, na arena exterior da ilha.
Junto à porta, a irmã Lírio fez soar uma campainha. Já eram esperados e a porta abriu-se imediatamente. Uma encantadora jovem chinesa, de quimono lilás e branco, ficou a sorrir e a curvar-se, como se deve esperar que o façam as jovens chinesas. E, mais uma vez só havia calor e um sentimento de boas-vindas naquele rosto pálido como uma for. A irmã Lírio exclamou: — Aqui estão eles, finalmente, May! São o senhor e a senhora John Bryce. E sei que ambos devem estar exaustos, por isso devemos levá-los imediatamente aos seus aposentos, para que possam repousar e dormir. — Voltando-se para Bond: — Esta é May, muito boazinha. Ela tratará de ambos. Qualquer coisa que queiram é só tocar a campainha que May atenderá. É uma espécie de favorita de todos os nossos hóspedes.
Hóspedes!, pensou Bond. Essa é a segunda vez que ela usa a palavra. Sorriu polidamente para a jovem, e disse;
— Muito prazer; sim, certamente que gostaríamos de ir para os nossos aposentos.
May envolveu-os num cálido sorriso, e disse em voz baixa e atraente: — Espero que ambos se sintam bem, sr. Bryce. Tomei a liberdade de mandar vir uma refeição assim que soube que os senhores iam chegar. Vamos...? — Corredores saiam para a esquerda e a direita de portas duplas de elevadores, instalados na parede oposta. A jovem adiantou-se, caminhando na frente, para a direita, logo seguida de Bond e Honeyehile, que tinham atrás a irmã Lírio.
Ao longo do corredor, dos dois lados, viam-se portas numeradas. A decoração era feita no mais pálido cor-de-rosa, com um tapete cinza-pombo. Os números nas portas eram superiores a dez. O corredor terminava abruptamente, com duas portas, uma em frente a outra, com a numeração catorze e quinze. A irmã May abriu a porta catorze e o casal a seguiu, entrando na peça.
Era um lindo quarto de casal, em moderno estilo Mia-mi, com paredes verde-escuro, chão encerado de mogno escuro, com um ou outro espesso tapete branco e bem desenhado mobiliário de bambu com um tecido “chintz” de grandes rosas vermelhas sobre fundo branco. Havia uma porta de comunicação para um quarto de vestir masculino e outra que dava para um banheiro moderno e extremamente luxuoso, com uma banheira de descida e um bidê.
Era como se tivessem sido introduzidos num apartamento do mais moderno hotel da Flórida, com exceção de dois detalhes que não passaram despercebidos a Bond. Não havia janelas e nenhuma maçaneta interior nas portas.
May olhou com expressão de expectativa, de um para o outro.
Bond voltou-se para Honeyehile e sorriu-lhe: — Parece muito confortável, não acha, querida?
A jovem brincava com a barra da saia e fez um sinal de assentimento sem olhar para Bond.
Ouviu-se uma tímida batida na porta e outra jovem, tão linda quanto May, entrou carregando uma bandeja que se equilibrava sobre as palmas das mãos. A jovem descansou a bandeja sobre a mesa do centro e puxou duas cadeiras. Retirou a toalha de linho imaculadamente limpa e saiu. Sentiu-se um delicioso cheiro de fiambre e café.
May e a irmã Lírio também se encaminharam para a porta. A mulher mais idosa se deteve por um instante e disse:
— E agora nós os deixaremos em paz. Se desejarem alguma coisa, basta tocar a campainha. Os interruptores estão ao lado da cama. Ah, outra coisa, poderão encontrar roupa limpa nos aparadores. Receio que sejam apenas de estilo chinês,
— acrescentou, como a desculpar-se —, mas espero que os tamanhos satisfaçam. A rouparia só recebeu as medidas ontem à noite. O Dr. deu ordens severas para que os senhores não fossem perturbados. Ficará encantado se puderem reunir-se a ele, esta noite, para o jantar. Deseja, entretanto, que tenham todo o resto do dia à vontade, a fim de que melhor se ambientem, compreendem? — Fez uma pausa e olhou para um e para outro, com um sorriso indagador. — Posso dizer que os senhores...?
— Sim, por favor, — disse Bond. — Pode dizer ao D., que teremos muito prazer em jantar com ele.
— Oh, sei que ficará contente. — Com uma derradeira mesura, as duas chinesas se retiraram e fecharam a porta.
Bond voltou-se para Honeyehile, que parecia embaraçada e ainda evitava os seus olhos. Ocorreu então a Bond que talvez jamais tivesse ela tido um tratamento tão cortês ou visto tanto luxo em sua vida. Para ela, tudo aquilo devia ser muito mais estranho e aterrador do que o que tinham passado ao lado de fora. Ela continuou na mesma posição, brincando com a barra da saia. Podiam-se notar vestígios de suor seco, sal e poeira em seu rosto. Suas pernas nuas estavam sujas e Bond observou que os dedos de seus pés se moviam, suavemente, ao pisarem nervosamente o maravilhoso e espesso tapete.
Bond riu. Riu com gosto ao pensamento de que os temores da jovem tivessem sido abafados pelas preocupações de etiqueta e comportamento, e riu-se também da figura que ambos faziam — ela em farrapos e ele com a suja camisa azul, as calças pretas e os sapatos de lona enlameados.
Aproximou-se dela e segurou-lhe mãos. Estavam frias. Disse: — Honey, somos um par de espantalhos, mas há apenas um problema básico. Devemos tomar o nosso desjejum primeiro, enquanto está quente, ou tiraremos antes esses farrapos e tomaremos um banho, tomando a nossa refeição fria? Não se preocupe com mais nada. Estamos aqui nessa maravilhosa casinha e isto é tudo o que importa. O que faremos, então?
Ela sorriu hesitante. Seus olhos azuis fixavam-se no rosto dele, na ânsia de obter segurança. Depois disse: — Você não está preocupado com o que nos possa acontecer? — Fez um sinal para o quarto e acrescentou: — Não acha que tudo isso pode ser uma armadilha?
— Se se trata de uma armadilha, já caímos nela. Agora nada mais podemos fazer senão comer a isca. A única questão que subsiste é a de saber se a comeremos quente ou fria. — Apertou-lhe as mãos e continuou: — Seriamente, Honey. Deixe as preocupações comigo. Pense apenas onde estávamos apenas há uma hora. Isso aqui não é melhor? Agora, decidamos a única coisa realmente importante. Banho ou desjejum?
Ela respondeu com relutância: — Bem, se você acha... Quero dizer — preferiria antes lavar-me. — Mas logo acrescentou: — Você terá que ajudar-me. — E sacudiu a cabeça em direção ao banheiro, dizendo: Não sei como mexer numa coisa dessas. Como é que se faz?
Bond respondeu com toda seriedade: — É muito fácil. Vou preparar tudo para você. Enquanto você estivar tomando o seu banho tomarei o meu desjejum. Ao mesmo tempo tratarei de fazer com que o seu não esfrie.
Bond aproximou-se de um dos armários embutidos e abriu a porta. No interior havia uma meia dúzia de quimonos, alguns de seda e outros de linho. Apanhou um de linho, ao acaso. Depois, voltando-se para ela, disse: — Tire suas roupas e meta-se nisso aqui, enquanto preparo o seu banho. Mais tarde você escolherá as coisas que preferir, para a cama e para o jantar.