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— É verdade?

— Não me acredita? Não tem importância. Outros acreditam-no. Outros que viram o abandono de toda uma série, o Mastodonte, em virtude de seus freqüentes erros de navegação, sua incapacidade de obedecer às ordens enviadas pelo rádio, de Turks Island. Esses outros são os russos. Os russos são meus sócios nesta empreitada. Treinaram seis dos meus homens, sr. Bond. Exatamente neste momento tenho dois desses homens observando, estudando as freqüências de rádio, as faixas nas quais trabalham esses engenhos. Há um milhão de dólares de instalações, nas galerias rochosas, acima de nossas cabeças, sr. Bond, enviando sinais para a camada de Heavyside, aguardando os sinais, perturbando-os, contrabalançando faixas com outras faixas. E, de vez em quando, um foguete sobe em seu itinerário e aprofunda-se cem, quinhentas milhas, pelo Atlântico, enquanto nós anotamos cuidadosamente a sua trajetória, com a mesma perfeição com que isto é feito na Sala de Operações de Turks Island. Em seguida, subitamente, as nossas pulsações são enviadas ao foguete, o seu cérebro é perturbado, ele enlouquece e mergulha no mar, destruindo-se. Foi mais uma experiência que fracassou. Os operários levam a culpa, assim como os projetistas e os fabricantes. Há pânico no Pentágono. Outra coisa deve ser tentada, freqüências diversas, metais diversos, um cérebro eletrônico diferente. Naturalmente que também temos as nossas dificuldades. Assim é que assinalamos muitos disparos experimentais sem sermos capazes de chegar até o cérebro do novo engenho. Então, comunicamo-nos urgentemente com Moscou. Com efeito, eles deram-nos até uma máquina de cifras com as nossas freqüências e rotinas. E os russos continuam pensando, fazem sugestões, e nós as experimentamos. Por fim, sr. Bond, um belo dia, é como se atraíssemos a atenção de um homem perdido numa multidão. Lá no alto, na estratosfera, o foguete reconhece o nosso sinal. Somos reconhecidos e podemos falar com ele e modificar os seus pensamentos. — O Dr. No fez uma pausa e depois continuou: — O senhor não acha isso interessante, esta variante de meus negócios com o guano? Asseguro-lhe que é um negócio muito lucrativo, e podia sê-lo ainda mais. Talvez a China comunista venha a pagar mais pelos meus serviços. Quem sabe? Já tenho os meus agentes em campo, para sondagens.

Bond ergueu os olhos, olhando pensativamente para o Dr. No. Então ele tinha tido razão. Havia mesmo mais alguma coisa, muito mais, em tudo aquilo que os seus olhos tinham visto. Aquilo era uma grande partida, uma partida que explicava tudo, uma partida que no mercado internacional da espionagem bem valia a pena ser jogada. Bem, bem! Agora, as peças do quebra-cabeças tinham caído corretamente em seus lugares. Para isso tinha valido a pena, certamente, assustar alguns pássaros e eliminar algumas pessoas. Isolamento? Naturalmente que o Dr. No teria que matar a ele e à jovem. Poder? Sim, isso era poder. O Dr. No se tinha realmente lançado nos negócios.

Bond fixou os dois orifícios negros com um novo respeito, e observou: — O senhor terá que matar muito mais gente para manter isto em suas mãos, Dr. No. Isto vale muito dinheiro. O senhor tem aqui uma bela propriedade, superior ao que eu pensava, e as pessoas hão-de querer um pedaço deste bolo. Penso em quem será o primeiro a chegar até o senhor e matá-lo. Serão aqueles homens que estão lá em cima, treinados por Moscou? — e ele fez um gesto apontando para o teto. Depois continuou: — Eles são os técnicos. Eu me pergunto: o que Moscou estará lhes ordenando que façam? O senhor não poderia estar a par disso, poderia?

O Dr. No respondeu: — Vejo que continua subestimando meu valor, sr. Bond. O senhor é um homem obstinado e mais estúpido do que pensava. É claro que estou consciente dessas possibilidades. Separei um desses homens e transformei-o numa espécie de vigilante particular. Ele tem uma duplicata das cifras e da máquina. Vive em outra parte da montanha. Os outros pensam que ele morreu, mas ele está bem vivo a fiscalizar a cronometragem de rotina, e entrega-me diariamente uma cópia do tráfego que é registrado. Até agora os sinais emitidos por Moscou têm sido inocentes e não indicam qualquer conspiração. Penso em tudo isso constantemente, sr. Bond. Tomo precauções e ainda as multiplicarei para o futuro. Como disse, o senhor me tem subestimado.

— Não o subestimo, Dr. No. O senhor é um homem muito prudente, mas já há muitas pastas sobre o senhor. Em minha linha de atividades, a mesma coisa se aplica a mim, mas as suas pastas são muito perigosas. A chinesa, por exemplo. Não gostaria de ter uma com essa gente. A da FBI deve ser a menos penosa — roubo e falsa identidade. Mas o senhor conhece os russos tão bem quanto eu? Por enquanto o senhor é “o melhor amigo” deles. Mas os russos não têm sócios. Hão-de querer comprá-lo... — comprá-lo com um balaço. Depois vem a pasta que o senhor abriu com o meu serviço. O senhor quererá mesmo fazê-la mais volumosa? Eu não o faria se estivesse em seu lugar, Dr. No. O pessoal do meu serviço é muito obstinado. Se alguma coisa me acontecer e à jovem, o senhor verificará que Crab Key é uma ilha muito pequena e insignificante.

— Não se pode jogar grandes partidas sem assumir riscos, senhor Bond. Aceito os perigos e, até onde posso, procuro defender-me deles. Como vê — e a sua voz tinha um acento de cupidez — estou em vésperas de coisas muito maiores. O capítulo dois, ao qual já me referi, encerra promessa de prêmios que ninguém, a não ser um tolo, jogaria fora por ter medo. Já lhe disse que posso desviar os raios magnéticos por onde viajam os foguetes. Posso fazer com que estes mudem de rota e não obedeçam ao controle eletrônico. Que diria o senhor, se eu fosse ainda mais longe? Se eu os fizesse cair nesta ilha, a fim de recolher todos os segredos de sua construção? Atualmente, destróieres norte-americanos, nos confins do Atlântico Sul, recolhem esses foguetes quando eles esgotam o seu combustível e caem de pára-quedas sobre o mar. Algumas vezes os pára-quedas deixam de se abrir, e algumas vezes as instalações de autodestruição deixam de operar.

Ninguém em Turks Island se sentiria surpreendido se de vez em quando o protótipo de uma nova série saísse de sua trajetória e caísse perto de Crab Key. Antes de mais nada, isto seria atribuído a falhas mecânicas. Mais tarde talvez descobrissem que outros sinais, que não os seus, tinham estado a guiar os seus foguetes. Teria início, então uma guerra de freqüência. Tentariam e conseguiriam localizar a origem dos sinais falsos, mas assim que eu verificasse que eles estavam à minha caça, teria uma derradeira cartada. Os seus foguetes enlouqueceriam. Cairiam em Havana, em Kingston; dariam uma volta e despencariam sobre Miami. Mesmo sem as cargas detonantes, Sr. Bond, cinco toneladas de metal, chocando-se a mil milhas por hora, podem causar terríveis danos numa cidade super-povoada. E depois? Haveria pânico, haveria um clamor público. As experiências teriam de ser interrompidas. A base de Turks Island teria que fechar. E quanto não pagariam os russos para que isso acontecesse, sr. Bond? E quanto por protótipo que eu capturasse para eles? Digamos dez milhões de dólares por toda a operação? Vinte milhões? Seria uma vitória sem preço na corrida dos armamentos. Posso fazer o meu preço, não concorda, sr. Bond? E não concorda também que essas considerações tornam os seus argumentos e ameaças engraçadíssimos?

Bond não respondeu. Nada havia a dizer. Subitamente se viu em pensamento naquela sala tranqüila de Regents Park. Podia ouvir a chuva batendo suavemente contra a janela e a voz de M, impaciente e sarcástica, dizendo: “Oh, algum maldito negócio em torno de aves... umas férias ao sol lhe farão bem... investigações rotineiras.” E ele, Bond, tinha apanhado uma canoa, um caniço e um farnel de piquenique e partira — há quantos dias, há quantas semanas? — “para dar uma espiada”. Bem, ele tinha dado uma espiada na caixa de Pandora. E tinha tido as respostas, conhecera os segredos — e agora? Agora iriam mostrar-lhe polidamente o caminho para a sepultura, para onde ele levaria consigo o seus segredos arrancados e arrastados por ele em sua lunática aventura. Toda a amargura que lhe ia no íntimo aforou à boca, de modo que por um momento pensou que ia vomitar. Apanhou o copo e esvaziou todo o resto de champanha que nele havia. Depois disse asperamente: — Muito bem, Dr. No. Agora vamos ao cabaré. Qual é o programa — faca, bala, veneno, corda? Mas proceda rapidamente, já o vi bastante.