Dez minutos mais tarde, Bond, com seus farrapos molhados colados ao corpo já esfregado, e com os cabelos repuxados para fora dos olhos, galgava o cimo do penhasco.
Sim, era como ele tinha imaginado. Uma picada estreita e rochosa, feita pelos pés dos trabalhadores, descia para o outro lado, contornando a saliência do penhasco.
Das proximidades chegaram vários sons e ecos. Um guindaste estava trabalhando. Podia ouvir os ritmos variáveis de seu motor. Ouviam-se os barulhos peculiares, aos navios de ferro, bem como o ruído da água que era lançada ao mar por uma bomba de porão.
Bond olhou para cima, para o céu, que estava de um azul pálido. Nuvens manchadas de ouro e reflexos rosados derivavam em direção ao horizonte. Muito acima dele, os corvos marinhos esvoaçavam em torno da guaneira. Em breve estariam fazendo-se ao mar, em busca de alimentos. Talvez, agora, mesmo, estivessem vigiando os grupos de reconhecimento, longe, sobre o mar, na faina de localizarem os peixes. Seriam cerca de seis horas — a aurora de um belo dia.
Bond, deixando gotas de sangue atrás de si, seguiu o seu caminho cuidadosamente pela picada abaixo, beirando o sopé do penhasco. Para além da curva, a picada se infiltrava por um terreno cheio de pedras espalhadas. Os ruídos iam-se tornando mais altos. Bond ia avançando cuidadosamente, evitando pisar em pedras. Uma voz se fez ouvir surpreendentemente perto: ‘”Pronto para largar?” E logo uma resposta distante: “Pronto”. O motor do guindaste acelerou. Mais alguns metros. Mais um pedregulho; e mais outro. Agora!
Bond se ocultou por trás da rocha e cautelosamente meteu a cabeça para fora, a fim de observar.
XIX - UMA CHUVA MORTAL
Bond correu os olhos por todo o cenário e puxou logo a cabeça.
Encostou-se à superfície fria da rocha e esperou que a sua respiração voltasse ao normal. Levantou a faca até junto dos olhos e examinou-lhe cuidadosamente a lâmina. Satisfeito, colocou-a na cintura da calça. Ali estaria à mão e não poderia bater em nada. Em seguida, Bond sentou-se e meticulosamente examinou a fotografa que tinha no cérebro.
Depois da curva, a não mais de dez metros de distância, estava o guindaste. A cabina não tinha parede traseira. Em seu interior estava um homem sentado, com as mãos nos controles. Era o capataz chinês que já dirigira o trator do pântano. À sua frente, o cais avançava vinte metros para dentro do mar o terminava num T. Um navio-tanque, já muito velho, de cerca de dez mil toneladas, estava atracado na barra superior do T. Estava bem à tona d’água, com o convés talvez a uns doze pés acima do cais. O navio chamava-se “Blanche”, e o “Ant” de Antuérpia podia ser visto do lado de estibordo, na popa. Não havia indícios de vida a bordo, com exceção de um vulto, junto à roda do leme, na ponte de comando. O resto da tripulação estaria embaixo, fugindo à poeira do guano. Bem à direita do guindaste, uma correia transportadora elevada projetava-se da frente do penhasco. Era sustentada por altas pilastras, até o cais, terminando quase sobre o porão do navio-tanque. Sua boca terminava numa enorme garganta de lona, talvez de uns seis pés de diâmetro. O objetivo do guindaste era levantar a armadura de arame daquela boca, de modo que ficasse exatamente sobre o porão do navio, assim como deslocá-la de um lado para outro, a fim de lograr uma distribuição uniforme da carga, no porão. Daquela boca de lona, num jato sólido o cheio, dirigido para baixo, o pó de guano estava sendo levado para dentro do porão do navio, à razão de toneladas por minuto.
Embaixo, no cais, para a esquerda e a sota vento daquela poeira de guano, estava a figura alta e vigilante do Dr. No.
Era tudo. A brisa da manhã fustigava o ancoradouro de águas profundas, ainda meio coberto pela sombra dos penhascos que lhe ficavam a cavaleiro, e a esteira transportadora saltitava serenamente em seus rolamentos, enquanto o motor do guindaste matraqueava ritmadamente. Não havia nenhum outro som ou movimento, nem outra vida a não ser a do vigia, na ponte de comando do navio, a do guindasteiro que operava na cabina, e a do Dr. No a fiscalizar tudo o que se fazia. Do outro lado da montanha, outros homens estariam trabalhando, na faina de alimentar a esteira transportadora com o guano triturado, mas deste lado não se permitia a presença de ninguém, e aliás qualquer outra presença seria desnecessária. A não ser dirigir a enorme boca de descarga, não havia nenhuma outra tarefa a fazer.
Bond sentou-se e pensou, medindo distâncias, visualizando ângulos, procurando onde estariam as mãos e pés do guindasteiro, nos pedais e alavancas da cabina. Lentamente, um sorriso fino e duro começou a desabrochar no seu rosto queimado pelo sol. Sim! Podia ser feito! Mas silenciosamente e com todo o cuidado! Valeria a pena aquela empreitada! Bond examinou as solas dos pés e as mãos. Eles permitiriam que ele o fizesse. Teriam que permitir. Apalpou o flanco e sentiu o cabo da faca. Puxou a lâmina um pouco para fora. Continuou de pé, respirou profundamente, por várias vezes, passou as mãos pelos cabelos encharcados de suor e sal, depois esfregou-as para cima e para baixo, de encontro ao rosto, e em seguida passou-as nos flancos esfarrapados de suas calças. Fez uma enérgica contração final com os dedos e deu-se por preparado.
Bond subiu para a rocha e deu uma espiada em volta.
Nada tinha mudado. Seus cálculos de distâncias tinham sido corretos. O guindasteiro estava absorvido em sua tarefa. O pescoço emergia da camisa aberta, nu, oferecendo-se, à espera. A vinte metros de distância, o Dr. No, também de costas para Bond, mantinha-se de sentinela à espessa e rica catarata de poeira amarelo-esbranquiçada. Na ponte de comando, o vigia estava acendendo um cigarro.
Bond observou os dez metros de caminho que o separavam da parte posterior do guindaste. Examinou bem os lugares em que iria pisar. Depois, saiu de trás da rocha e correu para o lado direito do guindaste, para um ponto que escolhera por nele ficar escondido do cabineiro e do cais, pela parte lateral da cabina. Chegando àquele ponto, Bond parou e procurou ouvir, atento. O motor continuava a trabalhar, e a esteira a arrastar o guano.
As duas pequenas plataformas para facilitar aos pés a escalada da cabina estavam a algumas polegadas do rosto de Bond e pareciam sólidas. De qualquer forma, o barulho do motor abafaria pequenos ruídos. Mas ele teria que ser rápido e tomar logo os controles. O primeiro golpe da faca teria que ser mortal. Bond tateou a sua própria clavícula, sentindo o mole triângulo de pele sob o qual pulsava a veia jugular; pensou mais uma vez no ângulo de aproximação para as costas do cabineiro, e tornou a recomendar-se que forçasse a faca profundamente, mantendo-a enterrada em sua vítima.
Durante um segundo final ele ainda ouviu. Depois, empunhou a faca e subiu os degraus de ferro, penetrando na cabina com a rapidez e a leveza de uma pantera.