No último momento não houve necessidade de pressa. Bond ficou atrás do cabineiro, como que a cheirá-lo. Teve tempo para levantar a faca quase até o teto da cabina, assim como tempo bastante para reunir todas as suas energias, antes de cravar a arma naquela pele amarelo-escura.
As mãos e pernas do homem afastaram-se bruscamente dos controles, e seu rosto projetou-se para trás, em direção a Bond, que julgou ter visto naqueles olhos um brilho de reconhecimento, antes de se voltarem para cima. Depois, um som estrangulado saiu daquela boca aberta, e o enorme corpo rolou para o lado, estatelando-se no chão.
Os olhos de Bond não o acompanharam nem mesmo em sua queda até o chão, pois logo se acomodou no assento, procurando os pedais e alavancas. Tudo tinha escapado ao controle. O motor trabalhava em ponto neutro, com o cabo de aço repuxando o tambor de lona; e a extremidade da lança do guindaste baixava lentamente, para frente, como o pescoço de uma girafa, descarregando a sua coluna de poeira entre o cais e o navio. O Dr. No tinha os olhos voltados para cima, e a sua boca estava aberta. Talvez estivesse gritando alguma coisa.
Calmamente, Bond dominou a máquina, levando com cuidado os pedais e alavancas para os ângulos em que o guindasteiro os estivera segurando. O motor acelerou, as engrenagens pegaram, e o conjunto retomou o ritmo de trabalho anterior. O cabo de aço do guindaste afrouxou um pouco, e, depois, mudando de direção, desviou a boca de lona para cima do navio. A extremidade da lança elevou-se e parou. A cena era a mesma de antes. Agora!
Bond esticou o braço para apanhar a roda de ferro que o guindasteiro estivera manipulando, assim que ele o vira na cabina. Para que lado deveria virar? Bond tentou a esquerda, e a extremidade da lança deslocou-se levemente para a direita. Então Bond torceu para a direita. Sim, por Deus, a lança obedecia, deslocando-se pelo ar e arrastando consigo a boca de descarga. Os olhos de Bond desviaram-se para o cais. O Dr. No tinha saído de seu lugar. Tinha dado alguns passos, aproximando-se de uma pilastra que passara despercebida de Bond. Segurava um telefone, nas mãos, e procurava ligar com alguém do outro lado da montanha. Bond podia vê-lo a agitar frenèticamente o fone.
Bond rodou mais rapidamente aquele volante de direção. Por Deus, aquilo não andaria mais depressa? Dentro de alguns segundos o Dr. No desligaria, e então seria muito tarde. Vagarosamente, a lança passeou pelas alturas e agora a boca de descarga deixava cair a sua coluna de guano triturado para fora da amurada do navio. O montículo amarelo estava passeando silenciosamente sobre o cais. Cinco metros, quatro metros, três dois metros! Não olhe para o lado, bastardo! Ah, apanhei-o! Pare o volante! Agora, tome, Dr. No!
Ao primeiro raspão da coluna de guano, o Dr. No virou-se rapidamente. Bond viu os seus compridos braços se abrirem, como se procurassem abraçar aquela repugnante massa. Um dos joelhos ergueu-se para correr. A boca abriu-se, e um grito agudo chegou aos ouvidos de Bond, por entre o barulho do motor. Depois houve o rápido espetáculo do um homem de neve bailando. E, depois, um enorme monte de guano que rapidamente ia crescendo.
— Deus do céu! — a voz de Bond devolveu um eco causado pelas paredes de ferro da cabina. Pensou nos pulmões que com os brados se estariam enchendo daquele pó nauseabundo, o corpo curvando-se e depois caindo sob aquele peso, o último movimento impotente dos calcanhares, o último clarão de pensamento — de ódio, horror e derrota? — e o silêncio do asqueroso túmulo.
Agora a montanha amarela tinha vinte pés de altura, e o guano começava a transbordar pela orla do cais, caindo no mar. Bond lançou um olhar ao navio, e, no momento em que o fez ouviram-se três apitos de sua sirena. O eco contornou os penhascos e ouviu-se um quarto apito, que não parou. Bond podia ver o vigia debruçando-se à janela da ponte de comando e olhando para baixo. Retirou as mãos dos controles e deixou que eles se estragassem. Era tempo de abandonar a cabina.
Bond saltou do assento de ferro e inclinou-se sobre o cadáver. Recolheu do coldre um revólver e examinou-o. Fez uma careta — era um “Smith & Wesson”, calibre 38, de modelo usual. Enfiou-o em sua cintura. Era bom sentir o metal frio e pesado encostado à pele. Chegou até a porta da cabina e saltou para o chão.
Uma escada de ferro subia pelo penhasco, por trás do guindaste, até o ponto em que se erguia a instalação da esteira transportadora. Havia uma pequena porta na parede de ferro ondulado, no galpão que protegia a instalação da esteira. Bond galgou a escada. A porta abriu-se facilmente, deixando escapar uma baforada de pó de guano, e Bond entrou.
No interior, o barulho causado pelo deslizamento da esteira sobre os roletes era ensurdecedor, mas havia pálidas luzes de inspeção, no teto do túnel, e uma picada se internava pela montanha, acompanhando aquele apressado rio de pó. Bond andou rapidamente pelo caminho, procurando respirar superficialmente, por causa daquele cheiro de amoníaco. Custasse o que custasse, ele devia ir até o fim, antes que a sirena do navio e o telefone que não respondia vencessem os temores dos guardas.
Bond corria e tropeçava através daquele horrível túnel cheio de ecos. Qual seria a sua extensão? Duzentos metros? E depois? Nada lhe restava senão deixar a boca do túnel, correndo, e começar a atirar — isto é: causar pânico e esperar pelo melhor. Agarraria um dos homens e tiraria dele a revelação do paradeiro da jovem. E depois? Quando ele chagasse à falda da montanha, o que aconteceria? Que teria sido deixado dela?
Bond correu mais depressa, com a cabeça baixa, prestando atenção para a estreita pinguela, e pensando no que aconteceria se falseasse o pé e caísse no rio de poeira de guano. Seria ele capaz de safar-se da esteira ou seria arrastado e, finalmente, atirado à sepultura do Dr. No?
Quando a cabeça de Bond bateu num ventre mole e sentiu um par de mãos em seu pescoço, já era muito tarde para pensar em seu revólver. Sua única reação foi jogar-se no chão e para a frente, de encontro às pernas do inimigo. As pernas cederam ao impacto de seus ombros, e ouviu-se um grito agudo quando o corpo do adversário caiu sobre as suas costas.
Bond já tinha iniciado o golpe que lançaria o seu atacante para dentro da esteira, quando o som daquele grito e algo de leve e suave no impacto daquele corpo paralisaram-lhe os músculos.
Não podia ser!
Como que em resposta, dentes agudos cravaram-se na barriga de sua perna direita, e um cotovelo feriu-o maldosamente, propositadamente em certa região, próxima à virilha.
Bond gritou com a dor. Tentou encolher-se para o lado, a fim de se proteger, mas, mesmo quando já havia gritado “Honey!”, tornou a sentir mais uma cotovelada.
A respiração opressa, causada pela agonia, passando entre os dentes de Bond, fez que ele assobiasse. Havia apenas um meio de detê-la sem jogá-la para dentro da esteira. Agarrou fortemente um de seus tornozelos e levantou-se, sustentando-a de cabeça para baixo, sobre seu ombro, e segura por um pé. O outro pé desferiu-lhe golpes na cabeça, mas com pouca violência, como se ela também já tivesse compreendido que alguma coisa estava errada.
— Pare com isso, Honey. Sou eu!
Ele ouviu-a gritar “James!” e sentiu as suas mãos agarrarem-se em suas pernas. “James, James!”
Cuidadosamente, Bond soltou-a. Depois, virou-se e, ajoelhando-se, estendeu-lhe as mãos. Colocou os braços à volta de sua cintura e estreitou-a fortemente. — Oh, Honey, Honey! Você está bem? — Desesperadamente, sem acreditar no que estava acontecendo, ele apertou-a ainda mais.
— Sim, James! Oh, sim! — Ele sentiu as suas mãos nas suas costas e em seu cabelo. — Oh, James, querido!
— Ela encostou a cabeça no peito de Bond, soluçando.
— Está tudo bem, Honey. — Bond alisou os seus cabelos. — O Dr. No está morto; mas agora teremos que correr. Temos que sair daqui. Vamos! Como poderemos sair do túnel? Como é que você chegou aqui? Temos que andar depressa!