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O que mais podia eu dizer senão sim? Mulher alguma seria capaz de recusar um pedido daqueles ao Enzo Accardi.

É engraçado, porque sempre vi o Enzo um pouco como um mulherengo, mas, depois desse primeiro beijo, só tinha olhos para mim. A nossa relação avançou depressa, mas tudo parecia muito certo. Ao fim de poucas semanas, passávamos já todas as noites um com o outro e, pouco tempo depois, decidimos viver juntos. Simplesmente entendíamo-nos, nós os dois. Entre os estudos e a minha relação com o Enzo, estava mais feliz do que alguma vez tinha estado na minha vida.

Ainda me lembro do dia em que tudo se desintegrou.

Estávamos sentados no nosso sofá, que o Enzo tinha trazido da berma em frente ao nosso prédio, mas estava ainda bastante bom e utilizável (com apenas uma mancha que não conseguíamos identificar, mas não fazia mal, pois limitámo-nos a virar essa almofada ao contrário). Tinha um braço musculado a envolver-me os ombros e estávamos a ver O Padrinho II, pois o Enzo ficara recentemente horrorizado ao descobrir que eu não tinha visto a trilogia. É um clássico, Millie! Lembro-me de estar aninhada contra o seu corpo, a pensar em como me sentia feliz e também em como o meu namorado era muito mais sexy do que o Robert De Niro.

E, então, o telemóvel dele tocou.

A conversa que se seguiu foi inteiramente em italiano, e eu esforcei os ouvidos, tentando captar uma ou duas palavras. Malata, repetia, uma e outra vez. Finalmente, introduzi a palavra no meu telemóvel, que a traduziu para mim:

Doente.

Depois de desligar, explicou-me a situação com o sotaque cerrado que às vezes adquiria quando estava stressado ou zangado.

A sua mãe tivera uma apoplexia. Estava no hospital. Tinha de voltar à Sicília para a ver, especialmente porque o pai e a irmã tinham ambos morrido e ele era o único que lhe restava. Fiquei confusa, pois sempre me tinha dito que jamais poderia regressar a casa. Antes de partir, tinha espancado um homem muito poderoso quase até à morte com as próprias mãos, e agora tinha a cabeça a prémio.

Disseste-me que não podias voltar, lembrei-lhe. Disseste que havia pessoas más que te matariam se regressasses. Não foi isso que disseste?

Sim, sim, respondeu-me. Mas já não ê um problema. Essas pessoas más... foram despachadas por outras pessoas más.

O que podia eu fazer? Não podia dizer ao meu namorado que não lhe era permitido ver a própria mãe depois de esta ter acabado de ter uma apoplexia. Assim, dei-lhe a minha bênção e partiu para a ver no dia seguinte. Depois de o acompanhar ao aeroporto e de nos beijarmos durante uns cinco minutos consecutivos antes de passar pela segurança, prometeu-me que regressaria «muito em breve».

Não contava que nunca mais regressasse.

Estou certa de que tencionava voltar – não me teria mentido intencionalmente. Nos primeiros dias, falávamos por telefone todas as noites, e às vezes ficava bastante escaldante. Sussurrava-me ao telefone o quanto sentia a minha falta e como voltaríamos a estar juntos em breve. Mas, à medida que a doença da mãe se arrastava, foi-se tornando cada vez mais óbvio que não podia partir. E ela não podia vir para cá.

Há um ano inteiro que não lhe tocava ou via o seu rosto quando finalmente lhe perguntei abertamente: Diz-me a verdade. Quando vais voltar?

Ele Soltou Um longo suspiro. Não sei. Não posso deixá-la, Millie.

E eu não posso esperar para sempre, disse-lhe eu.

Eu sei, respondeu com tristeza. E depois... Compreendo o que tens de fazer.

E foi assim. Foi o fim. De forma assim tão simples, acabara. Portanto, quando alguns meses depois o Brock me convidou para sair, não havia razões para dizer não.

Com o Enzo, a minha vida era uma espécie de aventura excitante, mas agora estou a caminho da vida perfeita e normal que nunca pensei que fosse possível para mim. O Brock não conhece ninguém capaz de desencantar um passaporte falso em vinte e quatro horas – imagino que, se lhe pedisse algo assim, olharia para mim em absoluto choque.

O Enzo conhecia um tipo para tudo. Era praticamente o seu lema quando eu lhe pedia ajuda. Conheço um tipo.

E, agora, estou a fazer a tarefa mais normal que existe. Ir às compras. Ainda que, em abono da verdade, não haja nada de normal na lista de produtos que Douglas me encarregou de comprar. Ao consultar os primeiros artigos na lista que me enviou esta manhã por mensagem de texto, retraio-me ante a caça ao tesouro em que me está a enviar:

Cidra mão-de-buda

Rebentos de samambaia

Cucamelão

Fisális peruana

Juro por Deus que deve estar a inventar estes nomes. Cucamelão? Isso não existe, pois não? Parece nitidamente inventado.

Apertando a lista de compras, agarro no meu casaco e começo a descer as escadas. Não faço ideia de quanto tempo vou levar a encontrar um cucamelão, ou a descobrir sequer do que se trata, por isso é melhor dar-me algum tempo.

Ao chegar ao patamar do rés-do-chão, quase colido de frente com aquele homem que vive por baixo de mim. Mesmo por baixo de mim. O da cicatriz sobre a sobrancelha esquerda. Retraio-me ao vê-lo.

– Ei – sorri. Tem um dente de ouro no lugar do segundo incisivo esquerdo que me faz lembrar Joe Pesei em Sozinho em Casa, o meu filme preferido em criança. – Está com pressa?

– Sim – esboço um sorriso apologético. – Desculpe.

– Sem problemas. – O seu sorriso expande-se. – Sou o Xavier, a propósito.

– Prazer em conhecê-lo – respondo, evitando claramente dar-lhe o meu primeiro nome.

– Millie, não é?

Bem, essa estratégia falhou. Sinto um desconforto no estômago – este homem sabe exatamente onde vivo e, de algum modo, sabe o meu primeiro nome. Provavelmente o apelido também. Claro que facilmente o pode ter deduzido das nossas caixas do correio.

Continuo a ter a sensação intermitente de que estou a ser observada. Há alturas em que penso que talvez seja tudo da minha cabeça, mas neste momento não tenho assim tanta certeza. O Xavier sabe demasiado a meu respeito. Será possível que...?

Céus, não posso pensar nessa possibilidade agora. Já é suficientemente assustador andar pelas ruas do sul do Bronx sem me preocupar com a possibilidade de o sujeito que vive por baixo de mim me andar a perseguir. Talvez devesse aceitar a oferta do Brock de vivermos juntos. Provavelmente, o Xavier deixar-me-á em paz se eu me mudar para o Upper West Side. E, se não o fizer, terá de se haver com o porteiro de fatinho e chapéu. Ninguém passa por um desses porteiros. Acho que conseguem usar aqueles chapéus como bumerangues, se for preciso.

– O que vai fazer hoje? – pergunta-me o Xavier.

Dirijo-me à saída.

– Apenas umas compras.

– Ah, sim? Quer companhia?

– Não, obrigada.

O Xavier parece ter mais a dizer, mas não lhe dou oportunidade. Passo por ele e saio porta fora. Quer acabe ou não com o Brock, poderei ter de me mudar num futuro próximo. Não me sinto confortável perto deste homem. Tenho o mau pressentimento de que é o tipo de indivíduo que não sabe aceitar um não como resposta.

11

Ao chegar ao apartamento dos Garrick, tenho nos braços quatro sacos a transbordar de compras. Estava a sair-me bem a equilibrá-los até chegar ao último quarteirão, em que estive à beira de deixar cair tudo. Mas, pela graça de Deus, aqui estou, cucamelão incluído. (Existem mesmo e consegui encontrá-los numa mercearia espanhola.)

Felizmente, não tenho de me atrapalhar com o puxador, pois as portas do elevador abrem-se e posso entrar diretamente. Esperava conseguir chegar à cozinha de uma assentada, mas, a meio do caminho, tenho de largar todos os sacos no chão e fazer uma pausa. Se deixasse cair o cucamelão e o partisse, acho que teria de me sentar no chão e chorar.