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Enquanto estou na sala de estar, a tentar decifrar a melhor estratégia para levar as compras para a cozinha, oiço um som.

Gritos.

Bem, gritos abafados. Não consigo propriamente ouvir as palavras, mas parece que alguém no quarto de cima está realmente a descarregar. Deixando as compras para trás, chego-me mais perto da escadaria para tentar ouvir o que se passa. E é então que oiço o estrondo.

Parece vidro a partir.

Levo a mão ao corrimão da escadaria, pronta a subir os degraus para me certificar de que está tudo bem. Mas, antes de dar sequer um passo, uma porta bate no andar de cima. Em seguida, passos cada vez mais altos fazem-se ouvir nas escadas, e eu recuo.

– Millie. – Douglas para bruscamente ao fundo das escadas. Veste uma camisa formal e tem o rosto corado, como se a sua gravata estivesse demasiado apertada, apesar de lhe pender frouxa à volta do pescoço. Na mão direita, segura um saco para presentes. – O que faz aqui?

– Eu... – Olho para os quatro sacos de compras. – Trouxe as compras, la guardá-las.

Semicerra os olhos.

– Então por que não está na cozinha?

Esboço-lhe um sorriso tímido.

– Ouvi um estrondo. Receei que...

Ao dizer as palavras, vejo um rasgão no tecido da sua elegante camisa formal. E não como se uma costura se tivesse soltado. Tem um violento corte mesmo por cima do bolso do peito.

– Está tudo bem – diz com rispidez. – Eu trato das compras. Pode ir.

– Está bem...

Não consigo desviar os olhos do rasgão na sua camisa. Como terá aquilo ocorrido? O homem trabalha como diretor-executivo – não há trabalhos pesados envolvidos. Poderá ter acontecido agora mesmo, no quarto de hóspedes?

– Além do mais... – Estende o saco para presentes na sua mão direita. – Preciso que devolva isto por mim. A Wendy não o quis.

Aceito o pequeno saco cor-de-rosa. No interior, capto um vislumbre de tecido sedoso.

– Sim, com certeza. O talão está aqui dentro?

– Não, era um presente.

– Eu... não creio que o possa devolver sem talão. De onde veio?

Douglas cerra os dentes.

– Não sei. Foi a minha assistente que escolheu. Envio-

lhe uma cópia do talão por e-mail.

– Se foi a sua assistente que escolheu, não seria mais fácil ser ela a devolver?

Inclina a cabeça na minha direção.

– Desculpe, mas não é o seu trabalho fazer recados para mim?

Puxo a cabeça para trás. É a primeira vez desde que comecei a trabalhar aqui que Douglas se dirige a mim com tamanho desrespeito. Sempre achei que parecia um homem relativamente simpático, ainda que stressado e distraído. Agora, percebo que tem um outro lado.

Mas não temos todos?

Douglas Garrick olha-me fixamente. Está à espera que eu saia, mas cada fibra do meu ser me diz que devia ficar. Que devia verificar o andar de cima e certificar-me de que tudo está bem.

Mas, então, Douglas interpõe-se entre mim e a escadaria. Cruza os braços sobre o peito e arqueia-me as suas espessas sobrancelhas. Não vou passar por este homem e, mesmo que o fizesse, tenho um pressentimento que, se batesse à porta do quarto de hóspedes, Wendy Garrick me asseguraria que está ótima.

Portanto, no fim de contas, não há nada que eu possa fazer a não ser partir.

12

Ao percorrer o trajeto de cinco quarteirões entre a estação de metro e o meu prédio, noto uma vez mais aquela sensação de formigueiro na nuca. Quando a sinto em Manhattan, na sofisticada zona onde trabalho e onde o meu namorado vive, parece-me que estou a ser paranoica. Mas agora, no sul do Bronx, quando o sol já desceu no céu, a paranoia é bom senso. Não me visto para chamar a atenção. Trago umas calças de ganga pelo menos um tamanho acima, umas Nike cinzentas que outrora costumavam ser brancas e um casaco que é mais volumoso do que moderno – de cor escura, para se misturar com a noite. Mas, ao mesmo tempo, sou nitidamente uma mulher. Mesmo com o gorro enfiado no cabelo louro e o meu feio casaco acolchoado, a maioria das pessoas identificar-me-ia como tal do fundo do quarteirão.

Acelero o passo, portanto. Além disso, trago uma lata de gás-pimenta no meu bolso. Tenho os dedos fechados em seu redor. Mas a sensação não desaparece até eu ter entrado no edifício e fechado a porta atrás de mim.

É essa a questão. Nunca tenho essa sensação de formigueiro quando estou no meu apartamento. Não a tenho quando estou a limpar a penthouse. Sinto-a apenas quando estou no exterior, em alturas em que podia realmente estar alguém a observar-me. O que me leva a pensar que a sensação é real.

Ou estou a enlouquecer. Também é uma possibilidade.

O Brock enviou-me uma mensagem a perguntar se eu

queria ir a sua casa esta noite e eu disse-lhe que não. Estou demasiado cansada.

Afasto da minha mente quaisquer pensamentos sobre o Brock enquanto tiro algumas cartas da minha caixa do correio – tudo contas. Como é possível eu ter tantas contas? Sinto que sobrevivo à base de praticamente nada. Em todo o caso, estou a enfiar as cartas na minha bolsa quando a fechadura roda na porta do prédio. Passado um segundo, surge uma corrente de ar frio e o homem da cicatriz sobre a sobrancelha esquerda abre caminho para o interior.

Xavier. Foi como disse que se chamava.

– Olá, Millie – diz, num tom demasiado alegre. – Como está?

– Bem – respondo rigidamente.

Rodo nos calcanhares e dirijo-me à escadaria, esperando que fique para trás a ver o seu próprio correio. Não tenho essa sorte. O Xavier corre atrás de mim, tentando acompanhar-me e pondo-se a meu lado.

– Tem planos para esta noite? – pergunta-me.

– Não – respondo, subindo apressadamente as escadas até ao segundo andar. Aí, poderei despedir-me do Xavier.

– Podia ir lá a casa – sugere. – Ver um filme.

– Estou ocupada.

– Não, não está. Ainda agora disse que não tinha planos para esta noite.

Cerro os dentes.

– Estou cansada. Vou apenas tomar um duche e deitar-me.

O Xavier sorri-me, fazendo brilhar o seu dente de ouro às luzes ténues do teto da escadaria.

– Quer companhia para isso?

Viro-lhe costas.

– Não, obrigada.

Chegámos ao patamar do segundo andar, e eu espero que o Xavier vá à sua vida. Mas, em vez disso, continua a subir as escadas a meu lado. Sinto um nó no estômago e levo a mão ao bolso para procurar a minha lata de gás-pimenta.

– Porque não? – insiste. – Vá lá. Não pode gostar realmente daquele betinho rico que a vem sempre cá visitar. Precisa de um homem a sério.

Desta vez, ignoro-o. Dentro de um minuto, estarei no meu apartamento. Só preciso de lá chegar.

– Millie?

Cinco degraus. Mais cinco degraus para subir e estarei livre deste cretino. Quatro, três, dois...

Mas, então, uma mão agarra-me o braço, cravando os dedos em mim.

Não vou conseguir.

13

Ei! – A mão carnuda de Xavier aperta-se com força sobre o meu braço. – Ei!

Retorço-me, mas o seu aperto é como um torno – é mais forte do que parece. Abro a boca, pronta para gritar, mas põe a mão aberta sobre os meus lábios antes que eu possa emitir algum som. A parte de trás da minha cabeça colide com a parede, fazendo-me bater os dentes.

– Então agora já tens algo a dizer? – pergunta-me, com um sorriso escarninho. – Mas antes pensavas que eras demasiado boa para mim. Não é verdade?

Tento sacudi-lo, mas encosta o corpo ao meu de forma a fazer-me sentir a protuberância nas suas calças. Lambe os lábios gretados.

– Vamos lá para dentro divertir-nos um pouco, está bem?

No entanto, cometeu o erro de agarrar o braço errado. Tiro a lata de gás-pimenta e fecho os olhos enquanto a esvazio em cheio no seu rosto. Grita e então, assim que largo o bocal, empurro-o com todas as minhas forças.