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Sempre me queixei de como são íngremes os degraus neste edifício, mas, por uma vez, isso é-me vantajoso, pois o Xavier cai pelo lanço de escadas. A dada altura, oiço um estalido repugnante, seguido de um baque quando aterra ao fundo. E, depois, silêncio.

Por um momento, fico ao cimo das escadas, a olhar para o corpo estendido no patamar seguinte. Estará morto? Será que o matei?

Desço os degraus a toda a pressa, parando bruscamente ao fundo. Ainda tenho a lata de gás-pimenta na minha mão direita quando me baixo para ver mais de perto. O seu peito parece continuar a subir e a descer, e então solta um gemido baixo. Ainda está vivo. Nem sequer o deixei totalmente inconsciente.

Que pena. Se alguém merecia um pescoço partido, era este tipo.

Não. Provavelmente é melhor que não esteja morto.

Impulsivamente, puxo o pé atrás e, com todas as minhas forças, pontapeio-o nas costelas. Desta vez, geme mais alto. Definitivamente ainda está vivo. Dou-lhe outro pontapé, por via das dúvidas. E depois um terceiro para o caminho. De cada vez que a minha sapatilha estabelece contacto com as suas costelas, sorrio para comigo.

Olho para o lanço seguinte de escadas. Ao primeiro, sobreviveu. Pergunto-me o que aconteceria se caísse por um segundo lanço. Ou talvez um terceiro. Nem parece assim tão pesado. Aposto que conseguia virá-lo e...

Não. Meu Deus, em que estou a pensar?

Não posso fazer isso. Já passei dez anos na prisão. Não vou voltar para lá.

Agarro no meu telemóvel e ligo para o 112. Vou obter a minha justiça, e não será matando este homem.

14

Uma hora depois, a polícia e uma ambulância estão estacionadas à porta do prédio. Não é incrivelmente invulgar ver um carro da polícia estacionado na nossa rua, mas desta vez as luzes estão a piscar.

Tinha esperança de que levassem o Xavier diretamente para a prisão, mas tinha um braço partido, um traumatismo craniano e possivelmente algumas costelas fraturadas. Quando a polícia chegou, começava a ficar mais coerente e até a tentar levantar-se. Ainda bem que chegaram, caso contrário teria tido de procurar algo mais com que o deixar inconsciente.

Irritou-me que nenhum dos meus vizinhos tivesse saído para me ajudar. Apesar do que o Brock disse sobre Kitty Genovese, eu posso dizer com certeza que um homem tentou violar-me no corredor do meu prédio e ninguém veio em meu auxílio. O que se passa com as pessoas? A sério.

Uma agente da polícia fez-me algumas perguntas à chegada, mas depois pediram-me para esperar no meu apartamento enquanto tratavam das coisas. Portanto, é isso que tenho estado a fazer. Liguei ao Brock e disse-lhe que um vizinho me tinha tentado atacar, apesar de ter sido vaga quanto aos pormenores de como escapei. Está a caminho, mas eu não vou a lado algum até ter feito um depoimento formal que faça o Xavier ir para a prisão assim que lhe tratarem do braço partido. Espero que o sacana precise de cirurgia.

Da janela, tenho uma boa vista da ambulância a afastar-se. Tenho estado a assistir a tudo desde que me mandaram voltar para cima. A polícia esteve a falar com alguns dos meus vizinhos lá fora, e passaram muito tempo a conversar com o Xavier na parte de trás da ambulância antes de o levarem. Alguns dos agentes ainda estão a conversar à entrada. Não consigo sequer imaginar o que há a dizer. Um homem atacou-me a segundos da minha própria porta. Parece bastante simples.

E, então, um dos agentes aponta para a minha janela.

Passado um segundo, um dos polícias entra no edifício e eu afasto-me da janela. Limpo as mãos suadas às minhas calças de ganga. Ainda tenho uma marca vermelha no braço, onde o Xavier me agarrou, e a minha nuca lateja ligeiramente de ter batido contra a parede, mas ele está em muito pior forma do que eu.

É o que merece.

Um segundo após as batidas à minha porta começarem, eu abro-a. O agente que lá está ronda os trinta anos ou assim, com demasiada barba no queixo e uma expressão ligeiramente aborrecida. Como se este fosse o quinto sujeito com quem lida esta noite a tentar violar uma mulher nas escadas junto à sua porta da frente.

– Olá – diz. – É a Wilhelmina Calloway?

Retraio-me ante o uso do meu nome completo.

– Isso mesmo.

– Sou o agente Scavo. Posso entrar?

Quando estava na prisão, todas as mulheres diziam que, se um polícia pedir para entrar em nossa casa, temos O direito a dizer não. Não deixes esses sacanas entrar. Mas, por outro lado, não estão aqui para me investigar. Opto pelo meio-termo – deixo-o entrar, mas não nos sentamos.

É um polícia diferente da pessoa com quem falei logo a seguir ao incidente. Essa era mulher e abraçou-me. Não creio que este sujeito me vá abraçar. Nem quero.

– Então, tenho de recapitular o que aconteceu esta noite – diz Scavo – entre si e o senhor Marin.

– Tudo bem. – Cruzo os braços sobre o peito, subitamente com frio, apesar de o aquecimento estar efetivamente a funcionar, para variar. – O que quer saber?

Scavo olha-me de cima a baixo.

– Era isso que tinha vestido esta noite durante o incidente?

Não sei do que está a falar. Di-lo como se eu estivesse vestida de forma inapropriada. Estou de T-shirt e com as mesmas calças de ganga que trazia anteriormente. A T-shirt é ligeiramente justa, mas nada que chamasse a atenção. Como se isso importasse sequer.

– Sim, mas tinha um casaco por cima.

– Ahã – Scavo faz uma careta, como se não acreditasse realmente em mim. Como se eu tivesse seduzido o Xavier com a minha T-shirt super sensual e as minhas calças de ganga largas. – Diga-me exatamente o que aconteceu, então.

Pela terceira vez esta noite, repito a história. É mais fácil desta vez. Não me treme a voz ao descrever a forma como me agarrou. Ergo o pulso como prova, para mostrar a Scavo as marcas vermelhas, apesar de não parecer minimamente impressionado.

– E é tudo? – pergunta. – Apenas lhe agarrou no braço?

– Não – cerro os punhos em frustração. – Já lhe disse. Agarrou-me e apertou-se contra mim.

– Tipo como?

– Tipo empurrando o corpo contra o meu!

Franze o sobrolho.

– Será possível que tenha interpretado mal toda a situação? Que talvez estivesse apenas a ser cordial?

Olho-o fixamente.

– Porque eis a questão, menina Calloway. – Scavo fixa o olhar em mim. – O senhor Marin diz que estava apenas a ter uma conversa cordial consigo e a menina passou-se. Atingiu-o com gás-pimenta e a seguir empurrou-o escadas abaixo.

– Está a gozar comigo? – Neste momento, é ao agente Scavo que quero atingir com gás-pimenta e empurrar escadas abaixo. – Não foi de todo isso que aconteceu! Acredita realmente nisso? Está a tomar o lado dele

– Bem, uma das suas vizinhas viu-a junto dele, a pontapeá-lo repetidamente nas costelas. Teve medo de sair.

Abro a boca, mas tudo o que sai é um guincho.

– Achamos que o senhor Marin tem um par de costelas partidas – continua o agente. – E temos uma testemunha que a viu pontapeá-lo nas costelas enquanto estava inconsciente no chão. Por isso, diga-me o que devo pensar.

Gostaria mesmo, mesmo muito de não ter pontapeado o Xavier nas costelas. Mas era tão tentador. E sei o quanto as fraturas nas costelas podem ser dolorosas.

– Estava apenas perturbada.

– Perturbada porquê? O senhor Marin acha que ficou perturbada porque estava a namoriscar e não estava a ser correspondida. Disse que foi por isso que o atacou.

Sinto-me como se alguém tivesse acabado de me dar um murro no estômago. Ou nas costelas.

– Eu ataquei-o?

Scavo arqueia uma sobrancelha.

– E tem registo criminal, não tem, menina Calloway? Um historial de comportamento violento?

– Isto é uma treta – arquejo. – Aquele homem atacou-me. Se eu não me tivesse defendido...

– Portanto, eis a questão – diz. – É apenas a sua palavra contra a dele em como foi atacada, e uma testemunha viu-a pontapeá-lo enquanto estava no chão. E é ele quem tem os ossos partidos.