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As minhas pernas tremem debaixo de mim. Subitamente, dou por mim a desejar que tivéssemos decidido conversar sentados.

– Estou detida?

– Neste momento, o senhor Marin ainda não decidiu se vai apresentar queixa. – Scavo faz um esgar, como se achasse que o meu atacante devia decididamente fazê-lo. Como se desejasse poder enfiar-me um par de algemas agora mesmo. – Portanto, até se decidir, sugiro que se mantenha por perto.

Odeio este homem. O que aconteceu à outra agente? A que me abraçou e me disse que o Xavier nunca mais me poderia voltar a fazer mal? Para onde foi ela?

Dito aquilo, acompanho o agente Scavo à porta. Quando a abro, o Brock está lá, com as suas roupas de trabalho – uma camisa formal azul-céu e calças beges – de mão erguida para bater. Scavo esboça um sorriso afetado ao vê-lo, mas não tece comentários. O Brock parece querer perguntar algo ao agente, mas, felizmente, Scavo parece estar com pressa de partir.

Consigo manter a compostura até ter puxado o Brock para dentro do apartamento e trancado a porta atrás dele. Só então é que as lágrimas me sobem aos olhos. Mas não são lágrimas de tristeza. São de fúria. Como se atreve a falar-me assim? Fui atacada no meu próprio prédio e, de alguma forma, o meu atacante é que é a vítima?

– Millie. – Brock envolve-me nos braços. – Jesus Cristo, estás bem? Vim o mais rápido que pude.

Assinto em silêncio enquanto me afasto. Se falar, não serei capaz de conter as lágrimas. E, por alguma razão, não quero chorar diante do Brock.

– Espero que aquele sacana vá para a prisão durante muito tempo – diz.

Devia contar-lhe o que aconteceu. O que aquele agente me disse. Mas, se o fizer, terei de explicar porquê. Terei de explicar o meu historial de violência. O meu registo criminal. Todas as razões para ninguém acreditar em mim.

Se o Enzo aqui estivesse, seria diferente. Poderia contar-lhe tudo. E ele compreenderia. Haveria uma ligeira probabilidade de despedaçar o Xavier Marin membro a membro com as suas próprias mãos, mas eu não teria qualquer problema com isso – de modo algum. Ao olhar para o Brock, a ideia de que faça algo parecido quase me faz rir alto. Mas o lado positivo é que, se o Xavier realmente me acusar de agressão, o Brock pode defender-me. Sim, isso seria maravilhoso para o nosso relacionamento.

– Não podes dormir aqui – diz o Brock. Por uma vez, estou inteiramente de acordo. – Tenho o meu carro estacionado mesmo à porta. Deixa-me levar-te para minha casa.

Os meus ombros descaem.

– Está bem.

– E devias ficar comigo – acrescenta. Ao ver a expressão no meu rosto, apressa-se a prosseguir. – Não me refiro a mudares-te para minha casa. Mas leva, tipo, roupa para uma semana. E talvez devesses começar a procurar outro sítio para viver.

Não tenho forças para discutir neste momento, além de que tem razão. Se o Xavier voltar para este prédio, não poderei continuar a viver aqui. Terei de arranjar outro sítio. Apesar de mal conseguir cobrir a renda deste apartamento, mesmo com o dinheiro que os Garrick me pagam. Terei de procurar um bairro ainda pior no Bronx?

Seja como for, pensarei nisso mais tarde. Agora, tenho de fazer as malas.

15

O quarto principal da casa dos Garrick é tão grande que, se eu falasse, juro que faria eco.

Estou a arrumar uma pilha de roupa lavada. Seria de pensar que a maioria da roupa do casal iria para a limpeza a seco, mas, dado que Wendy parece nunca sair do quarto, suponho que não vista muitas vezes peças que exijam esse tipo de limpeza. Baseando-me no que vejo passar pela máquina de lavar, veste sobretudo camisas de noite. Neste momento, estou a dobrar uma delicada camisa de noite branca com rendas na gola, que me parece que chegaria aos tornozelos de Wendy, pela sua altura na única quase conversa que tivemos.

E é então que a vejo.

Na gola da camisa de noite há uma mancha. Uma mancha irregular castanha com camadas de vermelho, agora entranhada no tecido. Já antes me deparei com manchas como esta ao tratar da roupa. É algo inconfundível.

É sangue.

Não só isso, é bastante sangue. Mesmo junto ao decote, infiltrando-se no tecido por baixo. Fecho os olhos, incapaz de me impedir de pensar em qual poderá ter sido a sua causa.

Os meus olhos voltam a abrir-se de repente devido ao som do meu telemóvel a tocar. Tiro-o do bolso das minhas calças de ganga e o meu coração abate-se. O ecrã identifica a chamada como vinda da esquadra da polícia no Bronx. Não me parece que isto vá trazer boas notícias.

Bem, provavelmente não me prenderiam pelo telefone.

– Estou? – digo, sentando-me na beira da cama dos Garrick, que é sensivelmente do tamanho de um transatlântico.

– Wilhelmina Calloway? Daqui fala o agente Scavo.

O meu estômago revolve-se – o som do nome daquele polícia causa-me calafrios.

– Sim?

– Tenho boas notícias para si.

Se este homem ainda está no caso, não há boas notícias. Mas talvez devesse tentar ser otimista. Por esta altura, mereço uma vitória.

– O quê?

– O senhor Marin decidiu não apresentar queixa – diz.

São essas as boas notícias? Aperto o telemóvel com tanta

força que os meus dedos começam a formigar.

– Então e eu? Quero apresentar queixa.

– Menina Calloway, temos uma testemunha que a viu atacá-lo – contrapõe, pigarreando. – Tem sorte em ser este o único desfecho. Se ainda estivesse em liberdade condicional, voltaria agora mesmo diretamente para a prisão. E, claro, pode sempre instaurar um processo cível contra si.

Engulo o nó na minha garganta.

– Onde está agora, então?

– Foi libertado esta manhã.

– Libertaram-no esta manhã da prisão?

Scavo suspira.

– Não, nunca esteve detido. Teve alta do hospital esta manhã.

O que significa que esta noite estará de regresso ao prédio. O que significa que nunca mais lá posso voltar.

– Oiça, menina – diz Scavo. – Desta vez, teve sorte, mas precisa de consultar algum tipo de psiquiatra. Controlar os seus problemas de raiva. Caso contrário, vai acabar de novo na prisão.

– Obrigada pela dica – respondo, entredentes.

Ao desligar, ergo o olhar e percebo que não estou sozinha no quarto principal. Na outra ponta do quarto, postado junto à porta, está Douglas Garrick. Vestido com um fato Armani e uma vibrante gravata vermelha, o cabelo castanho-escuro penteado para trás, como sempre.

Pergunto-me quanto terá ouvido da conversa. Claro que só seria mau se tivesse ouvido o lado de Scavo.

– Olá, Millie – diz.

Apresso-me a levantar-me e a guardar o telemóvel no bolso.

– Olá. Desculpe, eu... estava só a tratar da roupa.

Não contesta a minha afirmação por estar a falar ao telemóvel. Em vez disso, entra no quarto, afrouxando a gravata vermelha com o polegar. Despe o casaco e atira-o para cima da cómoda.

– Bem? – pergunta.

Encaro-o, desconcertada.

– Vai deixar o meu casaco simplesmente ali estendido na cómoda?

Demoro um segundo a perceber o que quer que eu faça. O seu roupeiro está a menos de dois metros de nós, e ter-lhe-ia sido relativamente fácil pendurar o seu próprio casaco, mas, em vez disso, deixa a tarefa para mim. É justo, visto que é o meu trabalho, mas há uma intensidade na sua voz que me deixa inquieta. Tenho vindo a notá-la cada vez mais nas nossas interações.

– Peço imensa desculpa – murmuro. – Deixe-me pendurar isso por si.

Douglas Garrick vê-me tratar do seu casaco, estudando-me atentamente. No outro dia, pesquisei-o no Google, mas não há muito sobre ele – nem sequer uma foto decente. Aparentemente, é uma pessoa extremamente reservada. Tudo o que consegui descobrir foi que é o diretor-executivo de uma empresa de grande dimensão chamada Coinstock, como o Brock disse. É uma espécie de génio das tecnologias que inventou um software utilizado por praticamente todos os bancos do país. O Brock disse-me que parecia um tipo simpático, mas não se conhece realmente alguém só através de uma interação profissional. Douglas parece ser um homem hábil a ligar o charme quando necessita.