O que se passa? Por que estava a observar-me? E quem é aquela mulher? Apesar de não ter conseguido ver bem Wendy Garrick na vida real, vi fotografias dela, e aquela mulher não é a Sra. Garrick.
Sigo-o por mais um quarteirão. Talvez esteja a iludir-me, mas não creio que faça ideia de que vou atrás dele enquanto caminha com a mulher pela Segunda Avenida. Ela ergue a voz, mas não consigo ouvir o que dizem. E, se me aproximar mais, podem ver-me.
Não sei por quanto mais tempo o poderei seguir. O Brock está ainda no restaurante e provavelmente acha que perdi o juízo. Espero que este pequeno incidente não chegue ao seu telefonema semanal para os pais.
Felizmente, Douglas e a mulher param diante de um pequeno prédio de apartamentos em arenito castanho. Como o meu próprio edifício, também este não tem porteiro. Ela procura uma chave na bolsa, destranca a porta e abre-a. Consigo obter uma boa visão da mulher mesmo antes de ambos desaparecerem no interior.
É dolorosamente óbvio o que se passa. Douglas tem uma amante secreta que vive neste edifício. Ainda é suficientemente cedo para poder dizer à Wendy que ficou a trabalhar até tarde esta noite quando chegar a casa.
Mas por que estavam a discutir?
Não é difícil imaginar, claro. Se ela é amante dele e ele é casado, talvez esteja zangada por não ter deixado a esposa. É uma mulher de pelo menos trinta e tal anos e não aparentava ser uma flausina apenas em busca de diversão. Talvez tenha esperanças que Douglas deixe Wendy e se case depois com ela.
Ainda estou a olhar para o prédio de arenito castanho, tentando decidir o meu próximo passo, quando o meu telemóvel começa a tocar no meu bolso. Retraio-me ao ver o nome do Brock no ecrã. Oxalá tivesse deixado o telefone na bolsa. Neste momento, porém, tenho de atender a chamada. O homem disse-me que podíamos viver juntos, disse que me amava, e então eu saltei da cadeira como uma louca e desatei a correr em sentido oposto.
– Millie? – parece desconcertado do outro lado da linha. – O que aconteceu? Para onde foste?
– Eu... vi uma velha amiga – respondo. – Queria pôr a conversa em dia com ela. Não a via há anos.
– Certo... – relutante, parece aceitar a minha explicação
ridícula, como eu sabia que faria. – Vais voltar?
Lanço um último olhar ao prédio de arenito castanho.
– Sim. Volto daqui a alguns minutos.
– Alguns minutos!
Seja o que for que Douglas Garrick está a fazer naquele prédio de apartamentos, não o vou descobrir ficando aqui a olhar fixamente para o edifício. Assim, começo a regressar ao restaurante, já a preparar-me para o interrogatório do Brock. Vai querer mais respostas para o porquê de eu ter fugido. Mas a verdade far-me-á parecer louca.
– Estou agora mesmo a regressar – digo-lhe. – Prometo.
– Queres que pague a conta? – pergunta. – Estás bem? O que se passa?
– Nada. – Atravesso a rua para regressar ao restaurante, acelerando ligeiramente o passo. – Como disse, vi uma velha amiga.
– Não parecias bem.
– Mas estou – insisto. – Eu...
Em plena insistência de que estou perfeitamente bem, paro de falar. Porque vejo algo que me faz o coração cair-me aos pés.
É um Mazda preto com o farol dianteiro do lado direito rachado. O mesmo que vi estacionado perto do meu prédio e, por vezes, perto de onde os Garrick vivem.
Baixo os olhos para ver a matrícula. 58F321. Vasculho o meu cérebro, tentando recordar-me de qual era a matrícula da última vez que o vi. Por que não a anotei? Tinha a certeza de que me lembraria.
Mas aquele farol direito rachado. Parece tão familiar.
– Millie? – A voz do Brock sai do meu telemóvel. – Millie? Estás aí?
Olho para o veículo. Durante todo este tempo, presumi que era o Xavier quem me andava a seguir. Mas agora encontro este carro estacionado perto do prédio da amante de Douglas. Apesar de não ter a certeza absoluta de que é o mesmo carro que me tem andado a seguir, estaria disposta a apostar muito dinheiro nisso. Parece um carro miserável para ser conduzido por um multimilionário, mas talvez não, se estiver a tentar ser discreto.
Mas por que haveria o Douglas de me andar a seguir? Afinal, já tinha esta sensação antes de começar sequer a trabalhar para os Garrick. Isso significaria que Douglas me andava a seguir antes mesmo de eu começar a trabalhar para ele.
Uma horrível sensação de frio desce-me pela espinha. O que se passa aqui?
18
Hoje, vou arrumar as minhas coisas para me mudar.
A verdade é que ainda não me sinto lá muito bem com a ideia de ir viver com o Brock, mas, se Xavier Marin mora naquele prédio de apartamentos, então eu não vou morar. E tenho de admitir que não será uma tortura viver no T2 do Brock no Upper West Side. Não é propriamente uma penthouse, mas é lindo. Até tem uma varanda que não serve também de saída de emergência. Além do mais, quando fica calor no verão, tem ar condicionado. Ar condicionado! É o cúmulo do luxo.
O Brock conduz-me ao Bronx no seu Audi. Não tem muito espaço na bagageira, mas, felizmente, eu não tenho muitas coisas. Uma das vantagens deste apartamento era vir parcialmente mobilado, pelo que a maioria das coisas que lá estão não são minhas. O que não couber na mala e no banco traseiro pode ficar para trás.
– Estou tão feliz por irmos viver juntos – diz-me o Brock, enquanto percorremos pela última vez as ruas até ao meu apartamento. – Vai ser ótimo.
O sorriso na minha cara parece de plástico.
– Sim.
Como posso fazer isto? Ir viver com o Brock quando não sabe a verdade sobre o meu passado? Não é justo. E não será justo para mim quando descobrir e me puser no olho da rua.
Continuo a trabalhar para os Garrick – por enquanto. Quanto mais pensava no assunto, menos certezas tinha que Douglas me tivesse estado a observar nesse dia. Afinal, estava a falar com a amante e não parecia minimamente concentrado em mim. Tirei conclusões precipitadas. E descobrir que o meu patrão anda a ter um caso não é razão para abdicar de um emprego lucrativo, sobretudo porque arranjar um novo é sempre difícil para mim. Posso ir viver com o Brock, mas seria um erro tornar-me dependente dele. Preciso do meu próprio rendimento – para a eventualidade de me pôr realmente no supracitado olho da rua.
Num sinal vermelho, o Brock pousa a mão no meu joelho. Sorri-me e parece incrivelmente atraente – como uma estrela de cinema – mas a única coisa em que consigo pensar é em como isto é má ideia. Está a cometer um erro terrível e nem sabe. E parte de mim gostaria que tirasse o raio da mão do meu joelho.
Não voltou a dizer que me ama desde aquele dia no restaurante. Consigo perceber que está mortinho por o fazer, mas já o disse duas vezes e eu nenhuma. Se o voltar a dizer, terei de lho dizer de volta ou... Bem, terei de o dizer de volta se quiser que esta relação continue. Já não há margem para dúvidas.
– Ei! – Ao virarmos para a minha rua, o Brock tira a mão. – O que se passa aqui?
Está um carro da polícia com as luzes a piscar estacionado em frente ao meu prédio. Cerro os lábios para me abster de lhe dizer que há sempre carros da polícia estacionados por aqui. Sinto o estômago às voltas enquanto me pergunto se haverá alguma hipótese de estarem aqui por mim. Talvez Xavier tenha mudado de ideias quanto a apresentar queixa.
Oh, meu Deus, será que me vão levar daqui algemada?
– Brock – digo, com urgência. – Talvez devêssemos sair daqui. Voltar noutra altura.
Franze o nariz.
– Não vou voltar outra vez ao Bronx amanhã. Vamos lá,
vai correr tudo bem.
Quando estou prestes a ter um verdadeiro ataque de pânico, a porta do meu prédio abre-se e vejo um agente conduzir um homem para a rua, de mãos algemadas atrás das costas. Parece que não estão aqui por mim, afinal. Provavelmente é outra apreensão de droga.