Enquanto vejo a Amber desaparecer ao longe, o meu telemóvel começa a tocar – instantaneamente, o meu bom humor evapora-se. É provavelmente uma de duas pessoas. Ou Douglas, a dizer-me que estou despedida por lhe importunar a mulher, ou o Brock, o que seria ainda pior.
As coisas têm estado decididamente frias entre mim e o meu namorado desde que lhe disse abruptamente que não queria ir viver com ele. Expliquei-lhe repetidas vezes que preciso do meu próprio espaço e que me sinto mais segura agora que o Xavier vai passar os próximos tempos encarcerado, mas continua a não compreender. Tenho um mau pressentimento de que teremos de dar um passo em frente na nossa relação muito, muito em breve, ou então irá terminar.
Só que, quando olho para o meu telemóvel, não é Douglas ou o Brock. É um número que não reconheço.
– Estou? – digo.
– Fala a Wilhelmina Calloway?
Hesito, perguntando-me se a voz do outro lado da linha me vai dizer que a garantia do meu carro está prestes a expirar, ou então lançar-se numa torrente de alguma língua estrangeira.
– Sim...
– Olá! Daqui fala a Lisa, do jobmatch!
Os meus ombros relaxam. É do serviço que usei para pôr o meu anúncio para os trabalhos de empregada de limpeza.
– Olá, Lisa.
– Menina Calloway – diz-me a Lisa, na sua voz alegre. –Não obtivemos qualquer resposta aos nossos e-mails, por isso esta é a segunda chamada relativamente ao seu cartão de crédito.
– Ao meu cartão de crédito?
– Sim – responde a Lisa. – O seu American Express foi rejeitado.
Abano a cabeça ante a minha própria estupidez.
– Peço imensa desculpa. Cancelei esse cartão. A minha intenção era utilizar o meu MasterCard. Mas já não preciso do anúncio.
– Bem – diz a Lisa. – Quero só certificar-me de que compreende que o anúncio nunca foi publicado, uma vez que nunca recebemos o pagamento.
Paro de andar em plena Primeira Avenida.
– Espere aí – peço. – O meu anúncio para a função de empregada doméstica nunca foi publicado?
– Temo que não, visto que nunca recebemos o pagamento. Como disse, temos estado a tentar contactá-la...
Mas eu não estou a ouvir. Não sei como é possível que o meu anúncio para o lugar de empregada doméstica nunca tenha aparecido online.
– Tem a certeza? – pergunto subitamente. – Está a dizer que o meu anúncio nunca esteve de todo online. Nem por um dia?
– Nem por um dia – confirma a Lisa.
Penso em quando andava à procura de emprego, há um par de meses. A maioria das entrevistas foram com potenciais empregadores a quem tinha contactado através dos seus próprios anúncios. Na verdade, só uma pessoa me contactou de forma espontânea.
Douglas Garrick.
22
Tudo o que sei é que vou chegar ao fundo da questão.
Foi Douglas Garrick a ligar para mim. Lembro-me perfeitamente. Atendi o telefone e disse-me que procurava uma empregada doméstica para fazer as limpezas, tratar da roupa, preparar refeições ligeiras e fazer recados ocasionais. Não referiu o anúncio, ou pelo menos não creio que o tenha feito, mas, na altura, parti simplesmente do princípio que era por isso que me estava a ligar. Afinal, não havia outra razão.
Como obteve o meu número, se não foi devido ao anúncio?
Toda a situação me causa um sentimento de mal-estar. Continuo a ter a sensação que alguém me observa, apesar de Xavier estar alegadamente na prisão. E aquele Mazda preto estava estacionado à porta do prédio onde Douglas entrou com a amante. Douglas tinha o meu número, de alguma forma, apesar de o anúncio nunca ter sido publicado.
Sabia quem eu era.
Fico parada na rua, diante de uma pizaria. O irresistível aroma a molho de tomate, gordura e queijo fundido invade-me as narinas, mas só me faz sentir náuseas. Perscruto a rua à minha frente, à procura de algo suspeito.
Não vejo Douglas. Não vejo Xavier.
Mas está alguém à espreita. Alguém me observa. Tenho a certeza absoluta.
Agarro novamente no meu telemóvel. Tem uma mensagem de Douglas a confirmar se vou passar pelo apartamento esta noite para limpar, apesar de ainda lá ter estado há dois dias e de ter a certeza de que a casa ainda está praticamente imaculada. Normalmente, respondo-lhe por mensagem de texto, mas agora olho fixamente para o ecrã. Antes que possa mudar de ideias, marco o número dele para lhe ligar.
Enquanto a ligação é feita e o aparelho começa a chamar, um telemóvel toca mesmo atrás de mim. Cai-me o coração aos pés.
Viro-me, mas o telemóvel que toca parece pertencer a uma adolescente. Atende a chamada e oiço-a gritar «Oh, meu Deus!» para o aparelho ao passar por mim. Caramba, estou assustadiça.
– Estou? Millie?
É a voz de Douglas do outro lado da linha. Não está meio metro atrás de mim. Onde quer que esteja, parece bastante mais tranquilo do que a rua movimentada onde me encontro.
– Oh, olá.
– Tudo bem? Sempre vai lá a casa esta noite para limpar?
– Sim... – praguejo para comigo por não ter preparado uma história antes de ligar. Estava a ser impulsiva. – Estava só a trabalhar no meu currículo e tinha uma pergunta rápida para si.
– Não nos vai deixar, pois não? – Há um toque de humor na sua voz, mas também algo sombrio a pairar sob a superfície. – Espero certamente que não.
– Não, de modo algum. Queria só arranjar algum trabalho extra e perguntava-me como ouviu falar em mim. Por exemplo, como obteve o meu número?
Pensa por um momento.
– Na verdade, foi a Wendy que me deu o seu número.
– A Wendy? A sua mulher?
– Conhece mais alguma Wendy? – pergunta a rir. – Disse-me que uma amiga lhe tinha dado o seu número e que era muito boa.
– Disse que amiga?
– Não. – A sua voz adquire, então, um matiz ligeiramente defensivo. – Já lhe demos informações suficientes. Por favor, não incomode a Wendy com isto.
– É claro que não – aquiesço. – Muito obrigada pela informação. E certamente que irei ao apartamento esta noite.
Irei ao apartamento esta noite. Mas se pensa que não vou perguntar à Wendy por isto, está redondamente enganado.
23
Esta noite, chego ao apartamento com uma braçada de roupa vinda da limpeza a seco. Toda de Douglas Garrick. Fui buscar quatro fatos, todos provavelmente com um preço superior ao que eu ganho num ano. Se fosse desonesta e tentasse vendê-los por minha conta, provavelmente faria um belo montante. Mas não vale a pena. Já tenho pavor de Douglas, e a última coisa que quero é fazê-lo zangar-se comigo.
Ainda que o que estou prestes a fazer hoje possa muito bem servir esse propósito.
Quando chego à sala de estar, com a roupa pendurada do braço, a casa está em silêncio. Wendy está provavelmente no andar de cima e Douglas presumivelmente a trabalhar até tarde – ou com a amante. Levo a roupa para o andar de cima, o bater dos meus ténis contra cada degrau a ecoar por todo o apartamento. Já limpei casas muito maiores do que esta, mas nunca estive numa que parecesse ter ecos tão altos. Pergunto-me se estará relacionado com a idade do edifício.
Não me surpreende que a porta do quarto de hóspedes esteja fechada. Agarro na roupa limpa e levo-a para o quarto principal. Penduro os fatos de Douglas, mas a minha mente está na mulher fechada no quarto de hóspedes. Estou decidida a falar com ela hoje.
Assim que acabo de arrumar os fatos, esgueiro-me pelo corredor até ao quarto de hóspedes.
Por alguma razão, as luzes do corredor não acendem. Perguntei a Douglas por isso uma vez e respondeu-me que era algum tipo de problema elétrico. Resmungou qualquer coisa sobre mandá-lo arranjar, mas as luzes têm estado sempre sem funcionar desde que comecei a trabalhar aqui. Somando à arquitetura tão antiga, a falta de luzes no andar de cima dá-lhe um ambiente arrepiante.
Paro em frente ao quarto de hóspedes. A alcatifa sob os meus pés está limpa – limpei todo o sangue da casa de banho e tirei as nódoas da alcatifa utilizando água oxigenada. Não há qualquer sinal do sangue de Wendy alguma vez ter gotejado sobre ela. E Douglas não sabe que eu sei.