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– Millie – diz vincadamente Amber.

Com um suspiro, pouso a esponja que segurava; nos últimos tempos, parece ter-se fundido com a minha mão. Lavo as mãos no lava-loiça e limpo-as às minhas calças de ganga.

– Já vou, Olive! – grito.

Quando regresso à sala de estar, a Olive conseguiu erguer-se na beira do parque e chora tão desesperadamente que o seu rostinho redondo ficou vermelho-vivo. A Olive é o tipo de bebé que poderíamos ver na capa de uma revista de puericultura.

É tão perfeitamente querubínica e bela, até aos suaves caracóis louros que estão agora colados ao lado esquerdo da sua cabeça devido à sesta. De momento, não parece assim tão querubínica, mas, ao ver-me, ergue imediatamente os braços e os seus soluços diminuem.

Estendo as mãos para o parque e puxo-a para os meus braços. Ela enterra o seu rostinho molhado no meu ombro, e eu já não me sinto tão mal por faltar às aulas, se tiver de ser. Não sei o que se passa, mas, assim que fiz trinta anos, foi como se um interruptor se tivesse ligado dentro de mim, fazendo-me pensar que os bebés são a coisa mais adorável em todo o universo. Adoro passar tempo com a Olive, apesar de não ser a minha bebé.

– Fico-lhe grata, Millie – a Amber está já a vestir o seu casaco e a tirar a sua bolsa Gucci do bengaleiro junto à porta. – E acredite, os dedos dos meus pés agradecem-lhe.

Sim, sim.

– Quando volta?

– Não vou demorar – assegura-me, o que ambas sabemos ser uma mentira descarada. – Afinal, sei que a minha princesinha vai sentir a minha falta!

– É claro – murmuro.

Enquanto Amber vasculha a sua bolsa em busca das chaves, do telemóvel ou do pó compacto, a Olive encosta-se mais a mim. Ergue o seu rostinho redondo e sorri-me com os seus quatro minúsculos dentes brancos.

– Mamã – diz.

Amber paralisa, a mão ainda dentro da bolsa. Todo o tempo parece parar.

– O que foi que ela disse?

Oh, não.

– Disse... Millie?

A Olive, alheia aos problemas que está a causar, sorri-me novamente e volta a balbuciar, desta vez mais alto:

– Mamã!

O rosto de Amber cora sob a base.

– Ela acabou de lhe chamar mamai

– Não...

– Mamã! – exclama alegremente a Olive. Oh, meu Deus, queres parar com isso, miúda?

Amber atira a sua bolsa para cima da mesa de café, o rosto torcido numa máscara de raiva que quase de certeza irá causar rugas.

– Anda a dizer à Olive que é mãe dela?

– Não! – exclamo. – Digo-lhe que sou a Millie. Millie. De certeza que fica apenas confusa, sobretudo porque sou eu quem...

Ela arregala os olhos.

– Porque passa mais tempo com ela do que eu? Era isso que ia dizer?

– Não! É claro que não!

– Está a dizer que eu sou má mãe? – Amber dá um passo na minha direção e a Olive parece alarmada. – Acha que é mais mãe da minha menina do que eu?

– Não! Nunca...

Então por que lhe anda a dizer que é mãe dela?

– Não ando! – O meu exorbitante salário de ama está a ir pelo cano abaixo. – Juro. Millie. É só isso que eu digo. Soa como mamã, mais nada. Tem a mesma primeira letra.

Amber respira fundo para se acalmar. Depois dá outro passo na minha direção.

– Dê-me a minha bebé.

– Com certeza...

Mas a Olive não está a facilitar as coisas. Ao ver a mãe avançar para ela de braços estendidos, agarra-se com mais força ao meu pescoço.

– Mamã! – soluça contra a minha garganta.

– Olive – murmuro. – Eu não sou a tua mamã. Aquela é a tua mamã – e esta prestes a despedir-me se não me largares.

– É tão injusto! – exclama Amber. – Amamentei-a durante mais de uma semana! Isso não vale nada?

– Lamento imenso...

Finalmente, Amber arranca a Olive dos meus braços, enquanto a bebé chora desalmadamente.

– Mamã! – grita, estendendo para mim os seus braços gorduchos.

– Ela não é a tua mamã! – diz Amber, repreendendo a bebé. – Eu é que sou. Queres ver as estrias? Essa mulher não é tua mãe.

– Mamã! – chora.

– Millie – corrijo eu. – Millie.

Mas que diferença faz? Ela não precisa de saber o meu nome. Porque, depois de hoje, nunca mais me deixarão voltar a entrar nesta casa. Estou tão despedida.

2

Durante a minha caminhada da estação de comboios para o meu T1 no sul do Bronx, mantenho um braço firmemente apertado sobre a minha bolsa e o outro agarrado à lata de gás-pimenta que tenho enfiada no bolso, mesmo estando em plena luz do dia. Todo o cuidado é pouco neste bairro.

Hoje, sinto-me sortuda por sequer ter o meu pequeno apartamento no meio de um dos bairros mais perigosos de Nova Iorque. Se não conseguir outro emprego em breve para substituir os rendimentos que acabo de perder depois de Amber Degraw me ter dispensado (sem qualquer oferta de uma referência), o melhor que poderei esperar será uma caixa de cartão na rua à porta do decrépito edifício de tijolo onde atualmente vivo.

Se não tivesse decidido ir para a universidade, já poderia ter poupado algum dinheiro por esta altura. Mas, estúpida que sou, decidi tentar melhorar-me.

Enquanto percorro o último quarteirão até ao meu prédio, os meus ténis a chiar contra a lama do passeio, tenho a sensação que está alguém atrás de mim, a seguir-me. Claro que estou sempre em alerta máximo por aqui. Mas há alturas em que sinto com muita força que atraí o tipo errado de atenção.

Neste momento, por exemplo, além de sentir um formigueiro na nuca, oiço passos nas minhas costas. Passos que parecem ir ficando mais altos à medida que caminho. Quem quer que esteja atrás de mim está a aproximar-se.

Mas não me viro. Limito-me a apertar mais o meu sensato casaco preto contra o corpo e a andar mais depressa, passando por um Mazda preto com o farol direito rachado, por uma boca-de-incêndio vermelha a verter água por toda a rua e subindo os cinco degraus irregulares de betão até à porta do meu prédio.

Tenho as minhas chaves a postos. Contrariamente ao que acontece no ostentoso prédio de apartamentos dos Degraw no Upper West Side, aqui não há porteiro. Há um intercomunicador e uma chave para abrir a porta. Quando a senhoria, a Sra. Randall, me arrendou o apartamento, deu-me um severo sermão sobre não deixar entrar ninguém atrás de mim. É uma boa maneira de ser assaltada ou violada.

Enquanto enfio a chave na fechadura, que parece sempre prender, os passos tornam-se novamente mais altos. Passado um segundo, surge sobre mim uma sombra que não posso ignorar. Ergo o olhar e identifico um homem em meados da casa dos vinte, com uma gabardina preta e o cabelo escuro ligeiramente húmido. Parece-me vagamente familiar – sobretudo a cicatriz sobre a sobrancelha esquerda.

– Vivo no segundo andar – relembra-me, ao ver a hesitação no meu rosto. – Segundo C.

– Oh! – respondo, apesar de continuar a não me sentir lá muito entusiasmada com a ideia de o deixar entrar.

O homem tira um molho de chaves do bolso e sacode-as diante do meu rosto. Uma delas tem os mesmos entalhes que a minha.

– Segundo C – repete. – Mesmo por baixo de si.

Acabo por ceder e entrar para deixar que o homem com a cicatriz sobre a sobrancelha esquerda também entre no meu prédio, atendendo a que facilmente o poderia fazer à força se quisesse. Vou à frente, subindo pesadamente os degraus um a um enquanto me interrogo sobre como raios vou pagar a renda do próximo mês.