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– Mas eis a questão – acrescenta Wendy. – Preciso da sua ajuda.

– Com certeza! Tudo o que precisar.

– É algo a modos que grande – diz. – Mas eu compenso-a.

– Seja o que for.

– Preciso de boleia. – Treme-lhe ligeiramente a mão ao puxar a gola. – O meu plano é partir amanhã, quando o Douglas sair da cidade. Estará do outro lado do país, por isso, mesmo que tenha alguma suspeita de que eu parti, não haverá nada que possa fazer a esse respeito... não de imediato, pelo menos.

– Certo...

– A Fiona diz que me pode ir buscar, se eu conseguir chegar a Albany – prossegue. – Não pode deixar a quinta o dia todo. Portanto, preciso de boleia até Albany. Podia alugar um carro, mas teria de lhes dar a minha identificação e...

– Eu faço-o – interrompo. – Alugo o carro. Levo-a a Albany. Sem problemas.

– Obrigada, Millie. – Aperta-me as mãos nas suas. – Prometo que lhe dou o dinheiro em numerário. Não sabe o quanto lhe agradeço por isto.

– Não se preocupe com o dinheiro – digo, apesar de estar muito preocupada com o dinheiro em geral. – Precisa mais dele do que eu.

Wendy rodeia-me com os braços e só então sinto quão

frágil é realmente o seu corpo. Podia esmagá-la, se a abraçasse com um pouco mais de força.

Ao afastar-se, tem lágrimas nos olhos.

– Tem de saber que, se me ajudar, estará a pôr-se em perigo.

– Compreendo isso.

– Não, não compreende. – Lambe os lábios ligeiramente gretados. – O Douglas é um homem extremamente perigoso e, digo-lhe, fará o que for preciso para me encontrar e trazer de volta, o que for preciso.

– Não tenho medo – respondo.

No fundo da minha mente, porém, há uma voz que me diz que talvez devesse ter medo. Que seria um erro grave subestimar Douglas Garrick.

26

Na manhã seguinte, alugo um carro.

Apesar de lhe ter dito que não era necessário, Wendy deu-me o valor em dinheiro do aluguer, ainda que eu vá utilizar o meu cartão de crédito para o fazer. Não quero o aluguer deste carro associado a ela seja de que maneira for.

Claro que há probabilidades razoáveis de Douglas Garrick vir a suspeitar que eu tive algo a ver com o desaparecimento da mulher. Mas nunca, jamais, a denunciarei. Nem que me torture, o que sinceramente não excluiria. Um homem capaz de fazer aquilo ao rosto da mulher é capaz de tudo.

– Olá, bem-vinda à Happy Car Rental – chilreia uma rapariga ao balcão, que não parece ter idade suficiente para alugar ela própria um carro. – Em que posso ajudar?

– Reservei um Ford Focus cinzento – digo-lhe. – Fiz a reserva online.

A rapariga introduz os meus dados no computador enquanto eu tamborilo com os dedos no balcão. Durante a espera, não posso deixar de sentir um formigueiro na nuca. Como se alguém me estivesse a observar. Outra vez.

Viro-me para trás. A montra da agência de aluguer de veículos é toda de janelas fixas, do chão ao teto, pelo que facilmente alguém poderia estar a olhar para o interior. Quase espero ver um homem de rosto colado ao vidro, a olhar-me fixamente. Mas não está lá ninguém.

Involuntariamente, estremeço. Segundo a Sra. Randall, Xavier Marin está na prisão. Sem fiança, disse-me – despejou-o. Por que tenho então, ainda, a sensação que alguém me observa? E não é a primeira vez. Já me senti assim pelo menos meia dúzia de vezes desde que Xavier foi preso.

A verdade é que não sei quem me tem andado a observar durante todo este tempo. E se for realmente Douglas Garrick quem me tem andado a seguir pela cidade? Não faz propriamente sentido, pois já sentia esses olhos atrás de mim antes de começar a trabalhar para ele. Mas não posso descartar a possibilidade. Foi ele que eu vi quando estava na esplanada daquele restaurante.

E se Douglas souber exatamente o que andamos a fazer? Se estiver lá fora, à espreitai

– Então, tenho o seu carro – diz a rapariga. – É o Hyundai vermelho.

– Não – respondo, impaciente. – Fiz uma reserva para um Ford Focus cinzento. – Manter o anonimato e não atrair atenções para nós é crucial. Aprendi isso com o Enzo.

– Não sei o que lhe dizer. Aqui diz Hyundai vermelho. Não temos nenhum Ford Focus cinzento no nosso inventário neste momento.

– É inacreditável. Fiz uma reserva e nem sequer têm o que eu reservei?

A rapariga encolhe os ombros, impotente. E nem é a primeira vez que isto me acontece. De que adianta fazer uma reserva se não cedem simplesmente o que reservámos?

– Não quero um carro vermelho – digo rigidamente. – E se for um Hyundai cinzento?

Abana a cabeça.

– Estamos com poucos ligeiros. Posso alugar-lhe um Honda CR-V cinzento.

Demoro um momento a ponderar se um SUV sobressairia mais do que um ligeiro vermelho. Finalmente, aceito o Hyundai vermelho. Para dizer a verdade, só quero sair daqui. O objetivo desta viagem é tirar Wendy da cidade, mas não creio que fosse assim tão mau sair eu também.

27

Será uma viagem de sensivelmente cinco horas até ao nosso destino, considerando o trânsito. Ou, pelo menos, é isso que o meu GPS diz.

O nosso plano é procurar um motel barato à beira da estrada quando chegarmos perto de Albany. Deixarei lá a Wendy para passar a noite e a Fiona irá buscá-la na manhã seguinte. Trará roupa que chegue para um par de semanas e dinheiro suficiente para durar vários meses. Douglas jamais a encontrará.

Estaciono o meu dolorosamente conspícuo Hyundai vermelho a um quarteirão do prédio, para que o porteiro que me está sempre a piscar o olho não avise Douglas que viu a mulher dele entrar num veículo com a empregada doméstica. O carro é tão ridiculamente vermelho que é como se estivesse a conduzir um maldito carro dos bombeiros. Mas não há nada que eu possa fazer em relação a isso agora.

Enquanto espero no carro que a Wendy se materialize, uma mensagem de texto de Douglas chega ao meu telemóveclass="underline"

Passa lá por casa esta noite?

Douglas pediu-me para limpar o apartamento na sua ausência. Aceitei fazê-lo, por isso não me admira que continue a monitorizar e confirmar o meu horário das limpezas, mesmo estando fora da cidade. Faz-me sentir um pouco inquieta, tendo em conta que vai regressar a casa para descobrir que a mulher desapareceu. Mas, no interesse de tentar fingir que as coisas estão o mais normais possível, respondo-lhe:

Lá estarei.

É claro que não estarei. Estarei a transportar a mulher dele para um lugar seguro.

Apesar da minha irritação com a confusão na agência de aluguer de veículos e da longa viagem que tenho pela frente, tenho de sorrir para comigo. Wendy vai finalmente deixar Douglas. Era isto que eu costumava achar tão gratificante. E foi por isto que decidi formar-me em serviço social. O que eu quero é passar a minha vida a ajudar pessoas assim.

Pelo retrovisor, vejo a Wendy descer a rua com duas malas de viagem. Tem o cabelo apanhado atrás num simples rabo de cavalo, traz uns óculos escuros empoleirados no nariz e veste uma confortável camisola com capuz e umas calças de ganga azuis.

Saio do carro para a ajudar a guardar as malas na bagageira. Está absolutamente radiante.

– Tinha-me esquecido de como as calças de ganga são confortáveis – comenta.

– Não usa calças de ganga?

– O Douglas odeia. – Torce o nariz. – Por isso é que não levo mais nada a não ser calças de ganga!

Rio-me enquanto ponho as suas malas na bagageira. Entramos no carro, ligo o GPS e fazemo-nos à estrada. Há já um par de anos que não me sentava a um volante, e sabe bem voltar a conduzir. Claro que conduzir na cidade é super stressante, mas em breve entrarei na autoestrada e aí a viagem será tranquila – pelo menos até chegarmos ao trânsito da hora de ponta.