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– Está bem – concorda o Brock, porque tenho basicamente a certeza de que aceitaria o que quer que fosse neste momento. – E, se acabares o teu estudo, talvez possamos jantar amanhã? E passar a noite em minha casa.

Passamos sempre a noite em sua casa. Nem sei porque se deu ao trabalho de deixar uma muda de roupa e um frasco dos seus comprimidos na minha. Mas devo admitir que o seu apartamento é mais agradável e muito mais conveniente.

– Claro.

– Amo-te, Millie.

Oh! Pelos vistos, agora vamos acabar todas as nossas conversas desta forma.

– Eu também te amo.

Desligo a chamada, ainda sem me sentir lá muito bem com a conversa. Ainda tenho o meu namorado, mas por quanto tempo? Diz que me ama, mas às vezes sinto que mal sabe quem eu sou.

Mas talvez vá ficar tudo bem. Talvez descubra a verdade sobre mim e continue a amar-me. E ainda possamos estar juntos, comprar aquela casa nos subúrbios e enchê-la de filhos. Podemos ter uma vida normal e perfeita.

Só que tenho fortes suspeitas de que isso jamais poderá acontecer comigo. Nunca fui normal ou perfeita, e só houve um homem na minha vida que compreendeu isso.

29

Nas melhores circunstâncias, a viagem teria demorado entre três e quatro horas. Com o trânsito, demora quase cinco horas na estrada, com outros trinta minutos somados para quando parámos naquele McDonald’s – valeu a pena para ver a Wendy devorar um hambúrguer de cem gramas e umas batatas fritas médias. Agora, ainda tenho de fazer a viagem de regresso, embora já passe das nove, pelo que as estradas devem ao menos estar livres. De certeza que consigo chegar em menos de três horas.

Ao aproximarmo-nos de Albany, saio da autoestrada numa área de serviço que anuncia um motel. Acontece ser exatamente o que procurávamos – um local de aspeto barato com uma luz tremeluzente a anunciar vagas. Os quartos abrem para o exterior, pelo que a Wendy não terá de atravessar um átrio para lhes chegar. Entro no parque de estacionamento pouco ocupado.

– Bem – digo –, chegámos.

– Sim... – A Wendy e eu não falámos muito durante a viagem, feita sobretudo a ouvir música, e agora o pânico cresce-lhe nos olhos. – Millie, talvez isto seja um erro.

– Não é um erro. Está decididamente a agir da forma certa.

– Ele é mais inteligente do que eu – diz, apertando as mãos. – O Douglas é um génio e tem uma fortuna à sua disposição. Vai encontrar-me. Vai verificar cada motel, e o tipo da receção dir-lhe-á provavelmente tudo sobre mim.

– Não dirá, não – respondo com firmeza. – Porque sou eu que vou reservar o quarto para si, lembra-se? Ninguém a vai ver.

A Wendy parece ainda estar quase à beira de um ataque de pânico, mas respira fundo algumas vezes e acaba por concordar.

– Está bem, talvez tenha razão.

Entrega-me algum dinheiro da sua bolsa e eu saio do carro para ir à receção do motel. O homem ao balcão ronda os vinte e poucos anos, com uma barba cerrada e um telemóvel na mão direita, e não podia parecer menos entusiasmado por estar a fazer o turno da noite.

– Olá – digo. – Gostaria de reservar um quarto, por favor.

Não ergue o olhar do seu telemóvel.

– Identificação com fotografia, por favor.

Estava preparada para esta exigência, razão pela qual não deixei a Wendy fazer a sua própria reserva. Mas sinto-me segura, ainda assim, ao entregar a minha carta de condução. Não será introduzida no sistema – provavelmente apenas no disco rígido deste computador. Não que o Douglas vá necessariamente procurar por mim, mas nunca se sabe. Se é tão esperto como a Wendy pensa, pode juntar as peças.

E, se assim for, posso correr grave perigo.

Felizmente, o homem aceita o dinheiro sem discutir e não pede o meu cartão de crédito. Teria de lho entregar, se tivesse sido necessário, mas parece que podemos fazer isto sem deixar um rasto eletrónico.

– Quarto 207 – diz, tirando uma chave do suporte atrás de si. É superantiquado. – Fica nas traseiras.

– Ótimo – digo.

Pisca-me o olho.

– Sabia que era o que queria.

Gemo interiormente. É claro que sabia que não havia hipóteses de o tipo não se ir lembrar de mim – uma mulher solteira a pedir um quarto a altas horas da noite – mas, com sorte, não lhe dará grande importância. Talvez pense que vou vender-me por lá. É esse o objetivo.

Regresso ao carro com a chave do quarto do motel. A Wendy desce do lugar do passageiro, tendo mudado a posição do boné de beisebol que enverga de modo a pender-lhe sobre a testa. Imagino que, em algum momento do futuro próximo, irá provavelmente cortar e pintar o cabelo, talvez usando uma tesoura de cozinha e tinta barata da drogaria. Mas, por agora, o boné servirá.

– Muito obrigada por isto – diz a Wendy, lacrimosa. –Salvou-me a vida, Millie.

– Era o mínimo que podia fazer.

Ela lança-me um olhar.

-Julgo que ambas sabemos que isso não é verdade.

Ajudo-a a tirar as malas da bagageira e, por um momento, ficamos simplesmente ali, no parque de estacionamento deserto, a olhar uma para a outra. Não sei se alguma vez voltarei a ver a Wendy. Espero que não, porque, se tal acontecer, significará que esta missão falhou.

– Obrigada – diz uma vez mais. E, antes que eu perceba completamente o que está a acontecer, já ela me abraçou. Mais uma vez, assombra-me quão frágil o seu corpo parece ser. Espero que coma muitas vezes no McDonald’s nos próximos anos.

– Boa sorte – digo-lhe.

– Tenha cuidado – responde-me numa voz rouca. – Por favor, tenha cuidado. O Douglas virá à minha procura e não vai deixar pedra por revolver.

– Posso lidar com ele. Prometo.

A Wendy não parece propriamente acreditar em mim, mas tira as suas malas da bagageira. Vejo-a dirigir-se ao quarto 207, que fica nas traseiras do motel. Fico a observá-la até desaparecer de vista. Depois, volto para o carro e regresso a casa.

30

É quase meia-noite quando regresso à cidade.

Em forte contraste com o trânsito cerrado de quando parti, as ruas estão desertas e, mesmo quando demoro a passar um sinal verde, ninguém buzina. Não está ninguém na rua à meia-noite de uma quarta-feira.

A Happy Car Rental cobrar-me-á um dia extra se eu devolver o carro depois da meia-noite, por isso tenho de chegar ao local da agência a horas. Quando entro no parque de estacionamento, ainda faltam cinco minutos para a meia-noite. É melhor que não me arranjem problemas.

Ao balcão da agência de aluguer de veículos está um rapaz que parece tão alerta e entusiástico como o rapaz do motel há três horas. Largo as chaves do Hyundai no balcão e empurro-as na direção dele.

– Ainda não é meia-noite – informo-o. – Por isso é só um dia.

Preparo-me para uma discussão, mas o rapaz limita-se a encolher os ombros e a aceitar as chaves.

– Está bem – responde.

Deixo escapar um bocejo. Passei quase oito horas seguidas a conduzir e apercebo-me de como estou cansada. Mal posso esperar por me enfiar na minha cama. Felizmente, não tenho aulas amanhã, por isso posso dormir até tarde. E, como é óbvio, o meu trabalho como empregada de limpeza já não existe.

Só que, mal volto a sair para as ruas, questiono a sabedoria de devolver o carro à meia-noite. Agora, tenho de voltar ao sul do Bronx e não tenho carro. Apesar de me sentir confiante em como me posso proteger, não estou muito certa, ainda assim, de que o metro seja boa ideia a esta hora. Talvez ao fim de semana; numa quarta-feira à noite, porém, seremos só eu e os assaltantes e violadores.

Mas não posso pagar um uber neste momento. Já nem sequer tenho emprego.

Enquanto paro na esquina ao fundo do quarteirão da Happy Car Rental, a ponderar as minhas opções, um par de faróis ilumina a rua. Viro a cabeça, mesmo a tempo de ver um carro a aproximar-se. Um ligeiro preto com o logótipo da Mazda na grelha da frente.