Estamos os dois a jantar no apartamento do Brock, na sua minúscula sala de jantar. Os Garrick têm uma verdadeira sala de jantar, mas a maioria dos apartamentos em Nova Iorque tem apenas uma minúscula área na sala de estar com uma mesa que pode ser manualmente estendida para acomodar mais de quatro pessoas. E o apartamento do Brock é considerado grande para os padrões de Manhattan. Num apartamento pequeno, não haveria de todo área de jantar, e a cozinha, a sala de estar, o quarto e a casa de banho seriam todos uma divisão, como em minha casa.
Dito isto, podia ter melhor, se quisesse. Os pais são ricos – não insanamente ricos como Douglas Garrick, mas decididamente de classe alta –, só que o Brock não quer aceitar o dinheiro dos pais, por mais que lho tentem oferecer. Ensinaram-me a pescar, gosta de dizer. Sente que é suficiente terem financiado o seu curso universitário na Ivy League e a faculdade de direito, e que agora é da sua responsabilidade ganhar o seu próprio sustento, isto é, pescar.
Respeito isso nele. É realmente uma excelente pessoa. E estou agradecida por não me ter pressionado a marcar outra data específica para termos a Conversa, ainda que agora pareça que podia simplesmente adiá-la indefinidamente – embora saiba que não devo.
Misturo um pouco mais do meu caril vermelho com o arroz branco. Adoro a comida deste restaurante, pois os caris são sempre superpicantes.
– Um emprego de secretária, hã?
O Brock assente.
– Andas à procura, certo?
Passaram três dias desde que deixei a Wendy em Albany. Disse ao Brock algo vago sobre já não necessitarem dos meus serviços, e não teve razões para suspeitar que algo mais se passasse. Douglas Garrick deve supostamente regressar da sua viagem de negócios amanhã e, sempre que penso nisso, sinto um mal-estar no estômago. Mas ainda acredito que vai tudo correr bem.
Seja como for, terei de arranjar uma maneira de deixar aquele trabalho como empregada de limpeza. Talvez envie uma mensagem de texto a Douglas na próxima semana a dizer-lhe que a minha agenda ficou cheia e não posso trabalhar mais para ele. Isso deixar-me-á miseravelmente desempregada, e a ideia de um emprego com horário regular e oh, meu Deus, regalias é incrível.
– Parece ótimo – digo. – Mas seria um emprego como rececionista compatível com o meu horário escolar?
– Como disse, é a tempo parcial – responde-me. – Na verdade, esperam encontrar alguém que possa fazer os fins de semana, por isso seria perfeito para ti.
Seria perfeito. Absolutamente perfeito. E o Brock disse-me que todos na sua firma são bem pagos. E, então, não teria de aceitar ter de trabalhar para todos aqueles casais neuróticos de Manhattan.
Claro que, se a firma do Brock pensar em contratar-me, fará uma verificação de antecedentes. E, quando descobrirem o meu passado, também ele descobrirá. Posso até imaginar alguém da firma a importuná-lo com isso. Ei, Brock, ouvi dizer que a tua namorada tem registo criminal.
Quase consigo imaginar a sua reação. O seu habitual sorriso descontraído a fugir-lhe do rosto. O que? Como assim?
E, depois, a conversa ao chegar a casa do trabalho... oh, meu Deus...
Isto está a ficar de loucos. Já escondi a verdade durante tempo suficiente. E, se disse ao Enzo que é O Tal, então significa que o meu interesse é sério. Significa ser completamente honesta.
– Além disso – acrescenta o Brock –, os meus pais vêm à cidade para um casamento no próximo mês. E eu... – esboça um sorriso torto. – Gostaria que jantássemos todos juntos.
– Os teus pais? – engulo em seco.
– Quero que te conheçam. – Estendendo o braço sobre a pequena mesa de jantar, pousa a sua mão na minha. –Quero que conheçam a mulher que amo.
Se estivéssemos num concurso de «amo-te», o Brock estaria a aniquilar-me a uma proporção de uns dez para um.
Isto está a ficar descontrolado. Não posso adiar mais a Conversa. Tenho de lhe contar tudo. Agora.
– Ei, Brock. – Pouso o meu garfo. – Há algo que preciso de te dizer.
Arqueia uma sobrancelha.
– Oh?
– Sim...
– Isso não parece bom.
– Não, é... – Tento engolir, mas tenho a garganta demasiado seca. Agarro no meu copo, mas bebi a água toda enquanto comia o caril picante. – Deixa-me ir buscar um pouco mais de água.
O Brock olha-me fixamente enquanto agarro no meu copo e corro para a cozinha. Enfio o copo debaixo do filtro de água, desejando por uma vez que esta corresse um pouco mais devagar. Enquanto estou a encher o copo, o meu telemóvel começa a vibrar no meu bolso. Alguém está a ligar-me.
O nome da Wendy aparece no ecrã. Fiquei com o seu número, para o caso de algo correr mal com o nosso plano de fuga e ela precisar da minha intervenção. Mas deixou esse telemóvel para trás na penthouse. Por que me está a ligar agora, então?
Atendo a chamada, baixando a voz para o Brock não poder ouvir. Estou certa de que não aprovaria nada disto, e é particularmente importante não lhe dizer uma palavra, uma vez que aparentemente conhece Douglas Garrick e considera-o um tipo simpático.
– Wendy – sussurro. – O que se passa?
Por um segundo, oiço apenas silêncio do outro lado da linha. Depois, o som de um soluçar baixinho.
– Estou de volta. Ele trouxe-me de volta.
– Oh, meu Deus...
– Millie – falha-lhe a voz –, pode vir aqui, por favor?
O apartamento do Brock fica a apenas quinze minutos a pé da penthouse. Podia estar lá em vinte. Mas como posso? Acabo de iniciar uma discussão séria com o meu namorado, que provavelmente levará o resto da noite.
Mas o Brock não precisa tanto de mim quanto a Wendy.
– Estarei aí em breve – prometo-lhe.
Deixo o meu copo de água na cozinha e volto a sair para a zona de jantar. O Brock mal parece ter tocado na sua massa PadThai desde que eu saí da sala.
– Então? – pergunta.
– Ouve – digo. – Surgiu uma emergência. Tenho... tenho de ir.
– Agora?
– Peço imensa desculpa – respondo. – Falamos amanhã à noite. Prometo.
O Brock projeta o lábio inferior.
– Millie...
– Prometo – imploro com o olhar. – E... adoraria conhecer
os teus pais. Acho que vai ser ótimo.
Essa última afirmação parece aplacá-lo.
– Sei que estás nervosa com a ideia de conhecer os meus pais – diz mas vais adorar a minha mãe. Também é de Brooklyn. Andou na Universidade de Brooklyn e também tem o mesmo sotaque que tu.
– Eu não tenho sotaque!
– Tens, sim – sorri. – Um sotaque ligeiro. É giro.
– Pois, pois...
Erguendo-se da mesa, estende-me os braços. Apesar de estar em pulgas por correr para a penthouse, deixo-o abraçar-me.
– Quero só que saibas – diz o Brock – que, seja qual for a coisa terrível que sentes que precisas de me contar sobre ti, está tudo bem. Amar-te-ei de qualquer forma.
Olho para os seus olhos azuis e consigo perceber que está a falar a sério.
– Falaremos disto em breve – prometo. – E... também te amo.
Torna-se mais fácil de cada vez que o digo.
Beija-me profundamente e, por um momento, desejo verdadeiramente não ter de partir. Mas não tenho escolha.
34
As engrenagens do elevador rangem mais do que o habitual.
Pergunto-me quantos anos tem este elevador. Li algures que começaram a ser utilizados em casas particulares nos finais dos anos 1920. Portanto, mesmo que este seja um dos primeiríssimos da história, tem, ainda assim, menos de um século. O que é reconfortante, suponho.
No entanto, um destes dias, estou certa de que todas estas velhas engrenagens vão enferrujar em pleno andamento e eu ficarei simplesmente presa neste elevador para o resto da vida.
Olho para o meu relógio. Passaram menos de vinte minutos desde que a Wendy ligou. Tentei ligar-lhe de volta para lhe dizer que estava a caminho, mas não atendeu. Temo o que vou encontrar quando chegar ao vigésimo andar.