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Jurei à Wendy que jamais desistiria dela, mas tenho de admitir: estou totalmente aterrada. As persianas estão corridas. Nunca as abro à noite, muito menos quando estou a vestir a minha camisola de dormir.

Tremem-me as mãos enquanto agarro no telemóvel e envio uma mensagem ao Brock:

Queres passar por cá?

Como sempre, responde de imediato:

Estarei aí assim que puder.

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Assim que acabar de dobrar esta roupa, vou encontrar-me com o Brock para jantar.

Douglas enviou-me uma mensagem de texto a combinar uma hora para a minha última sessão de limpezas. Depois disto, terei de procurar um novo emprego, por isso espero que me dê uma gorjeta enorme. Ainda que não tenha grandes esperanças.

Ainda bem que esta será a última vez que trabalho para os Garrick. Não desisti da Wendy, mas não quero estar mais nesta casa. Douglas Garrick dá-me calafrios, e quanto mais me puder afastar dele, melhor. Farei o que puder para ajudar a Wendy do exterior.

Há algo mais a pesar intensamente na minha mente esta noite: assim que tiver terminado aqui, o Brock e eu vamos ter a Conversa. Das últimas vezes que o vi, evitámos cuidadosamente quaisquer discussões sérias, mas isso já se prolongou o suficiente. Vamo-nos encontrar no seu apartamento e vou contar-lhe tudo. Um Guia Completo para a Milite. E talvez tudo termine ou talvez ele esteja bem com tudo. Só há uma maneira de descobrir.

A maioria da roupa dos Garrick vai para a limpeza a seco, portanto é só uma pequena pilha de camisolas interiores, roupa interior e meias, sendo que a maioria nem sequer parecia suja quando a atirei para a máquina de lavar. Enquanto organizo e arrumo tudo nas devidas gavetas, não consigo parar de pensar na arma escondida na estante.

Fiz a Wendy jurar que não faria nada estúpido, mas, apesar de ter prometido, não acredito inteiramente nela. Chegou ao fim das suas forças. Pude ver-lhe o desespero no rosto pisado enquanto segurava aquela arma nas mãos. Da próxima vez que Douglas a irritar, pode muito bem matá-lo.

Não que eu tivesse algum problema com o sacana ser despachado. Mas, se ela o fizer, vai para a prisão. Nunca foi a nenhum médico ou hospital para documentar a forma como era maltratada e, mesmo estando eu disposta a jurar o que sei em tribunal, pode não ser suficiente.

Decidi oficialmente que vou ligar ao Enzo amanhã. Talvez o melhor seja afastar-me por inteiro desta situação –sobretudo porque já nem estarei a trabalhar aqui – e deixá-lo lidar com ela. Afinal, conhece todos «os tipos». Fazia sentido sermos uma equipa quando namorávamos, mas a verdade é que é difícil estar perto dele agora.

O Enzo ajudará a Wendy. Sei que sim.

Estou mesmo a acabar de tratar da roupa quando oiço um estrondo vindo do fundo do corredor. Já antes ouvi algo assim aqui. A diferença é que agora sei que é o som da Wendy a ser magoada.

Saio do quarto principal para ver o que se passa. Como sempre, a porta do quarto de hóspedes está fechada, mas consigo ouvir a voz de Douglas, vinda do interior.

– Acabo de ver esta cobrança no cartão de crédito! – vocifera, ao fundo do corredor. – O que é isto? Oitenta dólares por um almoço no La Cipolla?

Nunca o ouvi falar assim. Não deve saber que estou na casa. Disse-me para sair mais cedo, por isso deve pensar que já parti e que pode dizer-lhe o que quiser sem que eu oiça.

– Eu... peço desculpa. – A Wendy parece frenética. – Encontrei-me com a minha amiga Gisele para almoçar, que está entre empregos, por isso ofereci-me para pagar.

– Quem te disse que podias sair de casa?

– O quê?

– Quem te disse que podias sair de casa, Wendy?

– Eu... eu só... Desculpa, é que é tão difícil estar sempre dentro de casa e...

– Alguém podia ter-te visto! – reclama. – Podiam ter-te visto o rosto, e o que pensariam de mim então?

– Eu... Lamento muito, eu...

– Aposto que lamentas. Não pensas em nada, pois não? Queres que as pessoas pensem que sou um monstro!

– Não. Isso não é verdade. Juro.

Faz-se um longo silêncio no quarto. Acabou a discussão? Ou preciso de irromper por ali adentro ou de chamar a polícia? Mas não, não posso chamar a polícia – a Wendy disse-me que isso estava fora de questão.

O que eu não daria por um amigo na Polícia de Nova Iorque...

Em bicos de pés, chego-me o mais perto que me atrevo do quarto, procurando ouvi-los. Quando estou prestes a bater à porta, Douglas recomeça a falar, e desta vez parece ainda mais zangado.

– É um restaurante terrivelmente romântico para ires com uma amiga, não é? – pergunta.

– O quê? Não! Não é... romântico...

– Consigo sempre perceber quando estás a mentir, Wendy. Com quem tiveste realmente esse almoço extravagante?

– Já te disse! Com a Gisele.

– Certo. Agora diz-me a verdade. Foi com o mesmo tipo que te levou para Norte?

Chego-me mais perto do quarto. A Wendy está a soluçar.

– Foi com a Gisele – geme.

– Isso é treta – silva. – Não vou permitir que a vagabunda da minha mulher se ande a passear pela cidade com outro homem! É humilhante.

Então, um estrondo doentio emerge do interior do quarto. E a Wendy grita.

Não posso deixar que a magoe. Tenho de fazer algo. Só que, de repente, o quarto ficou completamente silencioso.

E, então, oiço um gorgolejar vindo do interior do espaço.

Como de uma mulher a ser estrangulada.

Já não há margem para perder tempo. O que quer que esteja a acontecer naquele quarto, tenho de o impedir.

É quando me lembro da arma.

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Lembro-me exatamente de onde está.

Corro para a estante e tiro o dicionário. A arma está aninhada no mesmo espaço escavado onde se encontrava há dois dias, quando a Wendy a encontrou. Como eu sabia que estaria. Com mãos ligeiramente trémulas, agarro na arma.

Enquanto olho fixamente para o revólver na minha mão, pergunto-me se estarei a cometer um erro grave. Embora esteja a acontecer algo terrível naquele quarto, não sei se melhorará a situação juntar uma arma à mistura. Quando existe a hipótese de alguém ser alvejado, as coisas rapidamente podem descarrilar.

Mas eu não vou alvejar Douglas. Isso está fora de questão. A minha única intenção é assustá-lo. Afinal, não há nada mais assustador do que uma arma. Conto com o fator surpresa para pôr termo à situação.

Com o revólver aninhado na mão, apresso-me a descer novamente o corredor escuro até ao quarto de hóspedes. A discussão cessou e tudo está em silêncio no interior do quarto. E, de alguma forma, isso é o mais assustador de tudo.

Pondero bater, mas então decido tentar o puxador. Roda facilmente na minha mão. Enquanto abro a porta, uma voz fala-me do fundo da minha cabeça:

Pousa a arma, Millie. Lida com isto sem ela. Estás a cometer um erro terrível.

Mas é demasiado tarde.

Abro a porta do quarto de hóspedes. A visão diante dos meus olhos deixa-me sem fôlego. Douglas e Wendy. Tem-na encostada à parede, as mãos apertadas sobre a sua garganta, e o rosto da Wendy começa a ficar azul. Tem a boca aberta para gritar, mas nenhum som consegue emergir.

Oh, meu Deus, está a tentar matá-la.

Não sei se a vai estrangular ou partir-lhe o pescoço com as próprias mãos, mas tenho de fazer alguma coisa e já –não posso ficar simplesmente aqui parada e deixar que isto aconteça. Mas aprendi com os erros do passado. Posso ter uma arma, mas não tenho a menor intenção de o matar. A ameaça deve ser suficiente. E depois direi à polícia o que vi.

Tu consegues, Milite. Não o magoes. Obriga-o apenas a soltá-la.

– Douglas! – grito-lhe. – Largue-a!

Espero que se afaste dela, cheio de falsas desculpas e explicações. Mas, de alguma forma, os seus dedos não cedem. A Wendy solta outro gorgolejo.

Por isso, agarro na arma e aponto ao peito.

– Falo a sério. – A minha voz treme. – Largue-a ou disparo.