Preciso de um novo emprego – e já. Durante algum tempo, tive um trabalho a tempo parcial como empregada de bar, do qual estupidamente desisti porque tomar conta da Olive pagava muito melhor e o planeamento de última hora dificultava a conciliação com o segundo emprego. E não é como se fosse fácil para alguém como eu arranjar outro trabalho. Não com o meu historial.
– Belo tempo que temos tido – comenta o homem com a cicatriz sobre a sobrancelha esquerda, seguindo um passo atrás de mim nos degraus.
– Ahã – respondo. A última coisa que me apetece neste momento é falar sobre o tempo.
– Ouvi dizer que vai nevar outra vez na próxima semana – acrescenta.
– Oh?
– Sim. Estão previstos vinte centímetros. Um último viva antes da primavera.
Já nem consigo tentar fingir interesse. Ao chegarmos ao segundo andar, o homem sorri.
– Tenha um bom dia, então – diz.
– Igualmente – murmuro.
Enquanto desce o corredor rumo ao seu próprio apartamento, não posso deixar de pensar no que me disse quando O deixei entrar. Segundo C. Mesmo por baixo de si.
Como sabia que eu moro no Terceiro C?
Faço um esgar e subo um pouco mais depressa os degraus até ao meu apartamento. Mais uma vez, tenho as chaves a postos e, mal entro, fecho a porta atrás de mim, rodo a chave na fechadura e corro o ferrolho. Provavelmente, estou a dar demasiada importância ao comentário do homem, mas todo o cuidado é pouco. Sobretudo quando se vive no sul do Bronx.
O meu estômago ronca, mas, mais ainda do que por comida, anseio por um banho quente. Certifico-me de que as persianas estão corridas antes de me despir e saltar para o duche. Sei por experiência própria que há um minúsculo intervalo entre a água sair a ferver ou gelada. Desde que vivo aqui, tornei-me especialista em ajustar a temperatura. Mas pode subir ou descer vinte graus numa fração de segundo, por isso não demoro muito tempo. Preciso só de lavar alguma da sujidade do meu corpo. Ao fim de um dia a andar pela cidade, fica sempre coberto por uma camada de pó preto. Odeio pensar no aspecto que os meus pulmões terão.
Não posso acreditar que perdi aquele emprego. Amber apoiava-se tanto em mim que pensava estar segura pelo menos até a Olive ir para o jardim de infância, talvez mais tempo. Quase começava a sentir-me confortável, como se tivesse um emprego estável e um rendimento com que podia contar.
Agora, tenho de procurar outra coisa. Talvez múltiplos outros empregos para substituir aquele. E não é tão fácil para mim como para a maioria das pessoas. Não posso propriamente pôr um anúncio nas aplicações populares de cuidados infantis, pois todas exigem uma verificação de antecedentes. E, assim que isso acontecesse, quaisquer perspetivas de emprego deixariam de estar em cima da mesa. Ninguém quer alguém como eu a trabalhar em sua casa.
De momento, tenho uma certa falta de referências. Porque, durante algum tempo, os trabalhos de limpeza que eu fazia não eram propriamente só de limpeza. Costumava fazer outro serviço para várias das famílias para quem limpava. Mas já não faço isso. Há anos que não o faço.
Bem, não adianta remoer no passado. Não quando o futuro parece tão sombrio.
Para de ter pena de ti mesma, Millie. Já estiveste em situações piores do que esta e saíste delas.
A temperatura do duche desce bruscamente e eu solto um grito involuntário. Estendo a mão para a torneira e fecho a água. Consegui uns bons dez minutos. Melhor do que estava à espera.
Embrulho-me no meu roupão de felpa, sem me dar ao trabalho de calçar uns chinelos. Deixo um rasto de pequenas pegadas molhadas até à cozinha, que é apenas uma continuação da sala de estar. No mega apartamento dos Degraw, a cozinha, a sala de estar e a sala de jantar eram todas divisões separadas. Neste apartamento, porém, fundiram-se numa única divisão polivalente que, ironicamente, é muito mais pequena do que qualquer das salas da casa dos Degraw. Até a casa de banho de lá é maior do que todo o meu espaço de habitação.
Ponho uma panela de água ao lume para ferver. Não sei o que vou fazer para o jantar, mas provavelmente será algum tipo de massa cozida, seja ramen, esparguete ou espirais. Estou a estudar as minhas opções quando oiço bater à porta.
Hesito, apertando o cinto do meu roupão à volta da cintura. Tiro uma caixa de esparguete do armário.
– Millie! – a voz soa abafada atrás da porta. – Deixa-me entrar, Millie!
Estremeço. Oh, não!
E então...
– Eu sei que estás aí!
3
Não posso ignorar o homem aos murros à minha porta.
Os meus pés deixam atrás de si um rasto de pegadas molhadas enquanto atravesso os poucos metros até à porta. Aproximo a minha vista ao óculo. Está um homem parado do outro lado, de braços cruzados sobre os bolsos do peito do seu fato de trabalho da Brooks Brothers.
– Millie – a voz tornou-se um rosnido grave. – Deixa-me entrar. Já.
Afasto-me um passo da porta. Por um momento, levo as pontas dos dedos às têmporas. Mas isto é inevitável – tenho de o deixar entrar. Assim, estendo a mão, abro o ferrolho, rodo a chave na fechadura e entreabro cuidadosamente a porta.
– Millie. – Abre o resto da porta e desliza para dentro de minha casa. Os seus dedos rodeiam-me o braço. – Que raio?
Deixo descair os ombros.
– Desculpa, Brock.
Brock Cunningham, com quem tenho andado a sair desde há seis meses, lança-me um olhar.
– Tínhamos planos para jantar esta noite. Não apareceste. E não respondes às mensagens nem atendes o teu telemóvel.
Tem razão em todos os aspetos. Sou basicamente a pior namorada de sempre. Era suposto eu e o Brock encontrarmo-nos num restaurante em Chelsea depois de eu terminar as minhas aulas por hoje, mas, depois de Amber me ter despedido, mal me conseguia concentrar nas aulas – e não me apetecia certamente jantar fora – pelo que vim simplesmente direita a casa. Ainda assim, sabia que se ligasse ao Brock a dizer que não queria ir, sentir-se-ia obrigado a convencer-me – e, enquanto advogado, é superconvincente. Por isso, tinha o plano de lhe enviar uma mensagem de texto a desmarcar, mas fui adiando, e depois estava tão ocupada a sentir pena de mim mesma que me esqueci por completo.
Como disse, pior namorada de sempre.
– Desculpa – repito.
– Estava preocupado contigo – diz. – Pensei que talvez algo terrível te tivesse acontecido.
– Porquê?
Uma sirene ensurdecedora faz-se ouvir do lado de fora da janela, e o Brock olha para mim como se eu tivesse feito uma pergunta muito estúpida. Sinto uma pontada de culpa. Provavelmente, o Brock tinha montes de coisas para fazer esta noite, e eu não só o fiz esperar por mim no restaurante como um idiota, como também o fiz desperdiçar o resto da noite a vir até ao sul do Bronx para se certificar de que eu estava bem.
No mínimo dos mínimos, devo-lhe uma explicação.
– A Amber Degraw despediu-me – digo. – Portanto, estou basicamente lixada.
– A sério? – arqueia as sobrancelhas. O Brock tem as sobrancelhas mais perfeitas que eu alguma vez vi num homem, e estou convencida de que as deve arranjar profissionalmente, ainda que jamais admita tal coisa. – Por que te despediu? Pensava que tinhas dito que não podia funcionar sem ti. Disseste que estavas basicamente a criar-lhe a filha.
– Exato – respondo. – A miúda não parava de me chamar mamã e a Amber passou-se.
O Brock fita-me por um momento. Depois, inesperadamente, desata a rir. De início, fico ofendida. Acabo de
perder o meu emprego. Será que não percebe o quanto isso é uma treta?
Mas então, passado um segundo, dou por mim a juntar-me ao riso. Atiro a cabeça para trás e rio-me do ridículo de toda a situação. Lembro-me da Olive a estender os braços para mim e a soluçar «mamã» enquanto a Amber ficava cada vez mais furiosa. Pensei seriamente que lhe ia rebentar um aneurisma no cérebro.