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Mas Douglas, por alguma razão, não ouve o que eu lhe digo. Tem o olhar desvairado e parece decidido a acabar com isto – aqui e agora. A Wendy parou de o arranhar e o seu corpo ficou lânguido. O tempo para negociar acabou. Se eu não fizer algo nos próximos segundos, vai matá-la.

E eu terei deixado que isso acontecesse.

-Juro por Deus – crocito –, ou a larga ou disparo!

Mas não a larga. Continua simplesmente a apertar.

Não tenho escolha. Só há uma coisa a fazer.

Primo o gatilho.

39

Douglas fica frouxo segundos depois de o tiro ecoar pelo apartamento. É mais alto do que eu esperava, suficientemente forte para os vizinhos terem certamente ouvido. Bem, talvez não. As paredes e tetos são provavelmente insonorizados num sítio como este, e temos o piso por baixo de nós como tampão.

Pelo lado positivo, os dedos de Douglas escorregam do pescoço da Wendy, que cai de joelhos, tossindo e chorando e agarrando-se à garganta. O marido jaz ao seu lado no chão, o corpo inerte. Ao fim de um segundo, uma poça carmesim começa a alastrar-se pela sumptuosa alcatifa.

Oh, não.

Outra vez não.

A arma cai-me dos dedos e aterra no chão ao meu lado com um forte baque. Sinto-me completamente paralisada. Douglas Garrick não se mexe de todo, e a poça debaixo dele continua a crescer. A minha intenção era atingi-lo no ombro, o suficiente para o ferir e o obrigar a tirar as mãos da Wendy, mas não o suficiente para o matar.

Parece que falhei.

A Wendy esfrega os olhos lacrimosos. Miraculosamente, ainda está consciente. Ajoelha-se ao lado do marido, pondo-lhe uma mão no pescoço, sobre a artéria carótida. Mantém-na lá por um momento, erguendo depois os olhos para mim.

– Não tem pulsação.

Oh, meu Deus!

– Está morto – sussurra, em voz rouca. – Está realmente morto.

– Não queria matá-lo – gaguejo. – Estava... estava só a tentar fazê-lo tirar-lhe as mãos de cima. Nunca foi minha intenção...

– Obrigada – diz a Wendy. – Obrigada por me salvar a vida. Sabia que o faria.

Por um momento, ficamos apenas a olhar uma para a outra. É certo que lhe salvei a vida. Tenho de me lembrar disso. É o que terei de explicar à polícia quando chegar.

– Tem de ir – diz a Wendy, levantando-se, apesar de as suas pernas parecerem trémulas. – Nós... podemos limpar as impressões digitais da arma. Isso deve resultar, não deve? Sim, sim, estou certa de que resultará. Esperarei um par de horas para ligar à polícia, e depois digo-lhes... Oh! Posso dizer que pensei que o Douglas era um intruso e lhe dei um tiro por acidente. Foi tudo um acidente, sabe? Acreditarão nisso. De certeza que sim.

Fala aceleradamente – está em pânico. Por mais que adorasse ver-me livre das consequências, há um enorme buraco na sua história.

– Mas o porteiro viu o Douglas entrar no prédio.

Ela abana a cabeça.

– Não, não viu. Alguns dos residentes têm acesso à entrada das traseiras, o Douglas entra sempre por lá.

– Há lá alguma câmara?

– Não, nenhuma.

– E quanto às dos elevadores?

– Essas? – solta um resfolego. – São meramente decorativas. Uma avariou há cinco anos e a outra está fora de serviço há pelo menos dois.

Poderia isto realmente funcionar? Acabo de alvejar Douglas Garrick a sangue-frio. Haverá alguma hipótese de eu poder sair disto sem consequências? Por outro lado, não seria a primeira vez.

– Agora, vá embora. – A Wendy passa por cima do corpo de Douglas, evitando cuidadosamente a poça de sangue. – Eu assumo a responsabilidade por isto. É culpa minha. Fui eu que a trouxe para esta situação e não a vou arrastar comigo para o fundo. Saia daqui enquanto ainda pode.

– Wendy...

– Vá! – Os seus olhos parecem quase tão desvairados como os de Douglas quando tinha as mãos a apertar-lhe o pescoço. – Por favor, Millie. É a única maneira.

– Está bem – digo baixinho. – Mas... se precisar de mim...

Ela estende a mão para me apertar o braço.

– Acredite, já fez o suficiente – hesita. – Devia apagar todas as nossas mensagens de texto. As minhas e também as do Douglas. Por via das dúvidas.

É uma ideia extremamente boa. A Wendy e eu discutimos algumas coisas que eu não gostaria que a polícia soubesse se começarem a investigar este homicídio. E talvez seja melhor que não vejam as mensagens entre mim e Douglas a enunciar que esta seria a minha última sessão. Agarro na minha bolsa e, com as mãos quase demasiado trémulas para o fazer, consigo, ainda assim, apagar as conversas com ambos do meu telemóvel.

– Não tente contactar-me – diz a Wendy. – Eu trato disto, Millie. Não se preocupe.

Começo a protestar, mas depois fecho a boca. Não adianta. A Wendy já decidiu que quer arcar com as consequências, e é do meu interesse deixá-la. Despeço-me da penthouse, sabendo que nunca mais voltarei a pôr os pés neste lugar. A última coisa que vejo ao sair do quarto é a Wendy de pé junto ao cadáver de Douglas.

E está a sorrir.

40

Durante toda a viagem de regresso a casa, não consigo parar de tremer.

Todos no metro devem achar que sou louca, pois, apesar de estar cheio, ninguém se sentou ao meu lado durante o regresso ao Bronx. Basicamente, passei toda a viagem abraçada a mim mesma e a balançar para a frente e para trás.

Não posso acreditar que o matei. Não era minha intenção.

Não, isso não é justo. Alvejei o homem no peito. Seria mentira dizer que não o queria morto. Mas esta era a última forma como queria que as coisas se desenrolassem quando vi aquela arma no dicionário.

Vai ficar tudo bem, ainda assim. Já passei por isto antes. A Wendy cingir-se-á à sua história e a polícia não fará ideia que eu estive envolvida.

Agora, só tenho de lidar com ter morto um homem.

Outra vez.

Mal saio da estação de metro, o meu telemóvel vibra. Uma chamada não atendida. Tiro-o da bolsa, quase à espera que seja a Wendy, mas, em vez disso, o ecrã está cheio de chamadas perdidas e mensagens de voz do Brock.

Oh, não! Era suposto jantarmos esta noite. Era suposto ser hoje que íamos ter a conversa. Bem, isso já não vai acontecer.

Por um momento, fico a olhar para o nome do Brock no meu telemóvel, sabendo que tenho de lhe ligar, mas não querendo fazê-lo. Finalmente, carrego no seu nome. Atende quase de imediato.

– Millie? – Parece uma combinação de fúria e preocupação. – Onde estás?

– Eu... – desejo ter tirado um momento para pensar numa desculpa válida antes de lhe ligar. – Não me sinto bem.

– Oh, a sério? – Parece cético. – Qual é o problema, ao certo?

– Tenho... tenho um vírus estomacal. – Quando não diz nada, decido juntar mais alguns pormenores. – Surgiu de repente. Sinto-me péssima. Simplesmente não paro de vomitar, sabes? E, além disso... bem, sai pelos dois extremos. Acho que preciso de ficar em casa esta noite.

Preparo-me para o ouvir contestar a minha história falsa, mas, em vez disso, a sua voz suaviza-se.

– Não pareces bem.

– Pois...

– Podia passar por aí – oferece-se. – Levar-te uma canja de galinha? Esfregar-te as costas?

Tenho o namorado mais doce de sempre. É simplesmente tão boa pessoa. E, assim que isto acabar, vou decididamente compensá-lo. Amo-o mesmo. Acho eu.

– Não, mas obrigada – murmuro ao telemóvel. – Preciso só de estar sozinha e recuperar. Fica para a próxima?

– Claro – concorda. – Põe-te simplesmente melhor.

Ao desligar a chamada, também me sinto culpada pela forma como estou a tratar o Brock, além de tudo o resto. Mas não quero arrastá-lo para esta confusão. A única pessoa com quem poderia falar sobre isto é o Enzo, e isso é má ideia por múltiplas razões. Preciso simplesmente de ir para casa e de tentar não pensar em nada disto. Em breve, tudo terá ficado para trás.

41

Acordo a sentir-me como se tivesse sido atropelada por um camião, e tenho a têmpora direita a latejar.