Arqueia as sobrancelhas na minha direção, expectante.
É tão difícil. Amaldiçoo-me por não ter dito nada mais cedo. Agora que estou a fazer isto, porém, lembro-me do porquê de o ter adiado durante tanto tempo.
– Sabes, é que eu tenho... registo criminal.
– Tens o quê? – O seu maxilar parece estar prestes a desencaixar-se. – Registo criminal? Quer dizer que estiveste presa?
– Sim. É mais ou menos isso que registo criminal significa.
– Por que?
E agora vem a parte difícil.
– Foi por homicídio.
O Brock parece estar a uns dois segundos de cair para o lado – espero que o seu coração esteja bem.
– Homicídio?
– Foi em legítima defesa – alego, o que não é inteiramente verdade. – Estava um homem a atacar a minha amiga e eu impedi-o. Era adolescente, na altura.
Ele lança-me um olhar.
– Não se vai para a prisão por legítima defesa.
– Algumas pessoas vão.
Não parece acreditar em mim, mas não vou entrar em grandes pormenores sobre o rapaz que estava a tentar violar a minha amiga. Sobre como fiz o que tinha de fazer para o parar, apesar de os procuradores terem feito parecer que fui longe de mais.
– Não admira que nunca tenhas tirado o teu curso superior – murmura para consigo. – Sempre disse a mim mesmo que tinhas apenas despertado tarde.
– Desculpa. – Baixo os olhos. – Devia ter-te contado.
– Parece-te, caramba?
– Desculpa – repito. – Mas tinha medo que, se te dissesse, olhasses para mim como... bem, da maneira como estás a olhar agora mesmo.
O Brock passa uma mão pelo cabelo.
-Jesus, Millie. Eu só... Sabia que havia algo de que não me querias falar, mas nunca imaginei...
– Pois – murmuro.
– Muito bem – diz, afrouxando um pouco a gravata azul. – Muito bem, tens registo criminal. Pondo isso de parte por um momento, por que acham que mataste o Douglas Garrick?
Não posso responder a essa pergunta, pois não sei o
que a Wendy disse à polícia. Ainda que tudo o que eu diga ao Brock seja supostamente confidencial, não me consigo obrigar a contar-lhe o que aconteceu ontem à noite.
– Não faço ideia.
Inclina a cabeça, pensativo.
– Disseste-me ontem à noite que estavas doente. Saíste mais cedo do apartamento?
– Bem, acabei o meu trabalho – respondo cautelosamente, sabendo que o porteiro pode confirmar quando saí do apartamento. – Mas, como não me estava a sentir bem, fui direta para casa. Já estava quase a chegar quando falámos ao telefone.
O Douglas... nem sequer estava lá quando deixei o apartamento.
– Bem. – O Brock esfrega o queixo. – Estão só a arranjar-te dificuldades por causa do teu registo criminal. Vamos resolver isto.
Quem me dera ter a sua confiança.
43
Acontece que Ramirez não pode falar comigo de imediato, o que suspeito ser alguma espécie de tática para me quebrar. O Brock tem de atender uma chamada do trabalho, pelo que me deixa sozinha na sala de interrogatório, onde passo a hora seguinte num silencioso pânico.
Há já mais de duas horas que estou na esquadra quando Ramirez entra finalmente para falar comigo, seguido de perto pelo Brock. Este senta-se ao meu lado e aperta-me rapidamente a mão por baixo da mesa. É reconfortante saber que não me odeia totalmente, apesar da descoberta do meu registo criminal. Embora o dia seja ainda uma criança.
– Obrigado pela sua paciência, menina Calloway – diz o detetive. A sua expressão continua a ser completamente neutra. – Tenho algumas perguntas para si sobre o senhor Garrick.
– Está bem – aquiesço. Estamos a ser gravados, por isso mantenho um tom calmo e comedido.
– Onde esteve ontem à noite? – pergunta-me Ramirez.
– Fui ao apartamento dos Garrick fazer algumas limpezas ligeiras e tratar da roupa e a seguir fui para casa.
– A que horas saiu do apartamento?
– Por volta das seis e meia – respondo.
– E falou com o senhor Garrick enquanto lá esteve? Abano a cabeça, lembrando-me do que a Wendy me disse. Temos simplesmente de manter as nossas histórias coesas e devemos ficar bem.
– Não.
Ramirez parece surpreendido com a minha resposta.
– Então, o senhor Garrick não lhe pediu para se encontrarem no apartamento ontem à noite?
Pestanejo, confusa.
– Não...
– Menina Calloway. – Os olhos do detetive parecem escurecer enquanto me fita. – Qual é a sua relação com Douglas Garrick?
– A minha relação? – Olho para o Brock, que está de sobrolho franzido. – É o meu empregador. Bem, ele e a mulher, a Wendy.
– Têm uma relação sexual?
Quase me engasgo.
– Não!
– Nem uma vez?
Quero estender os braços e abanar o detetive, mas, felizmente, o Brock intervém.
– A menina Calloway já respondeu à sua pergunta. Não tem nenhum tipo de relacionamento com o senhor Garrick além do puramente profissional.
O detetive Ramirez agarra na pasta que pousou ao seu lado na mesa. Tira um bloco de papéis agrafados, que faz deslizar na minha direção.
– Encontrámos um telemóvel pré-pago na gaveta da cómoda do senhor Garrick. Essas foram as mensagens de texto trocadas entre o telemóvel pré-pago e o seu.
Agarro nos papéis e começo a examiná-los enquanto o Brock espreita por cima do meu ombro. Reconheço as mensagens. São as que Douglas me enviou ao longo dos últimos meses para confirmar os meus dias de trabalho. Mas, fora do contexto, parecem adquirir um sentido diferente.
Passa lá por casa esta noite ?
Vemo-nos logo à noite.
Venha esta noite.
Além do mais, todas as minhas mensagens sobre compras e roupa desapareceram. Cada mensagem parece envolver o planeamento de encontros. Os olhos do Brock saltam-lhe das órbitas ao ler as mensagens de texto.
– Sim, são as nossas mensagens – confirmo. – Mas são todas sobre o trabalho.
– O senhor Garrick enviava-lhe mensagens sobre o trabalho de um telemóvel pré-pago?
Cerro os dentes.
– Não sabia que era um telemóvel pré-pago. Pensava que era simplesmente o seu telemóvel normal.
– Compreendo – diz Ramirez.
– Além do mais – acrescento havia outras mensagens. Maioritariamente sobre compras e roupa. Não estão aqui... parecem ter sido apagadas.
– Tem as mensagens no seu telemóvel?
– Não... – Porque a Wendy me disse para as apagar. – Livrei-me de todas as mensagens.
– Porquê?
– Por que não haveria de o fazer? – Solto uma risada que soa demasiado aguda. – Quer dizer, o detetive guarda todas as mensagens que recebe?
Provavelmente, sim. Provavelmente, tem no seu telemóvel mensagens de texto que remontam há dez anos. Embora deva admitir que jamais teria apagado aquelas mensagens, se a Wendy não me tivesse dito para o fazer.
– Além disso – continua –, havia chamadas feitas para si a horas tão tardias como a meia-noite. Está a dizer que o
Seu patrão lhe ligava à meia-noite?
– Só aconteceu uma vez – respondo debilmente.
Reconheço quão fraco tudo isto soa. Não faz sentido –
por que andava Douglas a enviar-me mensagens de texto de um telemóvel pré-pagol Não é como se me estivesse a preparar para arcar com as culpas pelo seu próprio homicídio. Olho para o Brock, que ficou estranhamente silencioso na pior altura possível.
– Além do mais... – Ramirez abre novamente a pasta. Oh, meu Deus, há mais? Como pode haver mais? – Reconhece isto?
É uma granulosa fotografia impressa de uma pulseira. Reconheço-a como a mesma pulseira que Douglas ofereceu a Wendy depois de lhe ter posto aquele olho negro.
– Sim – respondo. – É a pulseira da Wendy.
Ramirez arqueia as sobrancelhas.
– Então por que a encontrámos num guarda-joias no seu apartamento?
– Ela... ela deu-ma.
As sobrancelhas do detetive aproximam-se ainda mais da linha do couro cabeludo.
– A Wendy Garrick deu-lhe uma pulseira de diamantes de dez mil dólares?