Uma pulseira de dez mil dólares? Foi isso que aquela pulseira custou? Tive algo no valor de dez mil dólares no meu pequeno e miserável guarda-joias?
– Disse-me que tinha sido um presente do marido – digo.
– E quanto à inscrição? – Tira ainda outra fotografia da pasta e passa-ma. – Parece-lhe familiar?
A inscrição que eu tinha lido na pulseira da Wendy está agora ampliada na imagem, pelo que tanto eu como o Brock a podemos ler claramente.
Vara W. És minha para sempre. Com amor, D.
– Certo – digo eu. – Para W. Para Wendy.
Ramirez bate na foto.
– O seu nome não começa por W? Wilhelmina?
– Eu... – Subitamente, sinto a boca seca. Espero que o Brock intervenha e proteste contra esta linha de interrogatório, mas continua mudo, também à espera de ouvir a minha resposta. – Respondo sempre por Millie.
– Mas o seu nome é Wilhelmina.
– Sim...
– Além do mais... – Oh, não, há mais? Como pode haver mais? Mas, outra vez, estende a mão para aquela estúpida pasta. Tira outra fotografia impressa. – Isto foi um presente do senhor Garrick?
Tiro-lhe a fotografia das mãos. É o vestido que Douglas me pediu para devolver. Mas depois nunca me deu nenhum talão nem me disse de onde era. Com tanta coisa a acontecer, esqueci-me completamente dele. Por isso tem estado apenas guardado num saco para presentes dentro do roupeiro do meu quarto.
– Não – respondo debilmente, embora possa já ver onde isto vai dar. – O senhor Garrick pediu-me para devolver o vestido.
– Então, por que estava há mais de um mês no seu quarto?
– Ele... nunca me deu o talão.
Nem consigo olhar para o Brock. Sabe Deus que pensamentos lhe estarão a passar pela cabeça. Quero assegurar-lhe que isto é tudo um mal-entendido terrível, mas não posso ter essa conversa com o detetive na sala.
– Olhe – digo. – Eu ia devolvê-lo. Pedi-lhe o talão e ele disse que mo enviava, mas acabámos os dois por nos esquecer.
– Menina Calloway – diz Ramirez –, sabia que esse vestido foi comprado na Oscar de La Renta por seis mil dólares? Acha realmente que se esqueceria de o devolver?
Santo Deus...
Arrisco um rápido olhar na direção do Brock. Tem uma expressão vidrada e abana ligeiramente a cabeça. Trouxe-o para ser meu advogado, mas está a revelar-se completamente inútil.
– Além do mais – acrescenta Ramirez. Oh, não. Não pode haver mais nada. Não aceitei certamente mais nenhuma oferta dos Garrick. Não há mais nada que possa tirar
daquela pasta. – Passou a noite num motel com o Douglas Garrick na semana passada?
– Não! – exclamo.
Pigarreia.
– Então não deu entrada num motel em Albany na quarta-feira passada enquanto o senhor Garrick tinha lá uma reunião de negócios, nem pagou a noite em dinheiro?
Abro a boca, mas não sai nenhum som.
– Na quarta-feira passada? – explode o Brock. – Era o dia em que nos devíamos encontrar para jantar e tu deixaste-me pendurado! Era aí que estavas?
Não posso mentir. Dei a minha carta de condução ao funcionário do motel.
– Sim, reservei um quarto num motel em Albany. Mas não é o que pensa.
Ramirez cruza os braços sobre o peito.
– Estou a ouvir.
Não sei o que dizer. Não quero revelar o segredo da Wendy. Se descobrirem os problemas conjugais que os Garrick andavam a ter, o homicídio pode ser-lhe imputado. Ainda que não queira ser culpada por isto, também não quero que ela o seja.
– Precisava apenas de uma noite fora – digo debilmente.
– E, então, foi passar a noite a um motel aleatório em Albany?
– Não andava a ter um caso com o Douglas Garrick. –Olho do Brock para Ramirez, que parecem ambos incrivelmente céticos. – Juro. E, mesmo que andasse, e não andava, isso não quer dizer que o matei, por amor de Deus!
– Acabou tudo consigo ontem à noite. – Ramirez mantém os olhos cravados em mim enquanto larga esta revelação. – Ficou furiosa e, de raiva, alvejou-o com a sua própria arma.
– Não... – Sinto a boca horrivelmente seca. – Isso não é nem remotamente verdade. Não faz ideia.
Com a cabeça, Ramirez aponta para as fotografias na mesa.
– Pode ver como parece suspeito.
– Mas não é verdade! – exclamo. – Nunca tive um caso com Douglas Garrick. Isto é absolutamente de loucos.
Desta vez, o detetive não diz nada. Limita-se a olhar para mim.
– Nunca lhe toquei sequer – protesto. – Juro-lhe! Pergunte à Wendy Garrick. Ela confirmará tudo o que eu estou a dizer. Pergunte-lhe!
– Menina Calloway – diz o detetive Ramirez. – Foi a Wendy Garrick quem nos contou do seu caso com o marido dela.
0 que?
– Desculpe?
– Disse que o senhor Garrick lhe confessou a verdade ontem e que a convidou a ir lá com a intenção de acabar com tudo – explica. – Mas, ao chegar a casa, encontrou-o estendido no chão, morto a tiro.
Não... Não seria capaz... Depois de tudo o que fiz por ela...
– E – acrescenta – as suas impressões digitais estão na arma.
44
Daí em diante, o interrogatório apenas piora.
Tento atamancar uma versão da verdade. Uma que não acabe comigo a matar Douglas Garrick a tiro na sua própria casa. Explico que Douglas Garrick era abusivo com a Wendy e as minhas tentativas de a ajudar. Digo-lhe que a Wendy me tinha mostrado a arma e dito que a ia usar para proteção, devendo ter sido assim que as minhas impressões digitais lá foram parar, embora esteja a ter dificuldade em explicar por que não estão 3S impressões digitais da Wendy na arma. Consigo perceber pela expressão no rosto do detetive Ramirez que não acredita numa palavra do que eu estou a dizer.
Quando chego ao fim da minha incoerente história, estou certa de que Ramirez me vai ler os direitos e levar para uma cela. Mas, em vez disso, abana a cabeça.
– Volto já – diz-me. – Não saia daqui.
Levanta-se e sai da sala, fechando a porta atrás de si com um eco retumbante e deixando-me a sós com o Brock na sala de interrogatório.
O Brock olha fixamente para a mesa de plástico, de olhos vidrados. Era suposto estar aqui como meu advogado, mas há vinte minutos que não diz uma palavra. Se soubesse que era assim que as coisas se iam desenrolar, nunca lhe teria pedido para vir.
– Brock? – chamo.
Lentamente, ergue o olhar.
– Estás bem? – pergunto suavemente.
– Não. – Lança-me um olhar cáustico. – Que diabo foi aquilo, Millie? A sério?
– Brock – exclamo, com voz aguda. – Não podes realmente acreditar...
– Acreditar em quê? – retorque. – Até há poucas horas, nem sabia que estiveste na prisão por homicídio. E agora descubro que me tens andado a trair com aquele sacana rico para quem trabalhavas...
– Eu não te traí! – expludo. – Jamais te trairia!
– Então que raio andavas a fazer na última quarta-feira à noite? – pergunta-me. – O que andavas a fazer ontem à noite? E em todas as outras noites em que era suposto irmos jantar e me deixaste pendurado? Deves compreender que tudo isto parece bastante suspeito. Sobretudo tendo em conta, enfim, que aparentemente já mataste um tipo uma vez.
Bem, não apenas uma vez. Mas sinto que dar-lhe essa informação não ajudaria o meu caso.
– Já te disse, estava a tentar ajudar a Wendy.
– Estavas a tentar ajudar a mulher que agora te acusa de teres tido um caso com o marido dela e de o assassinares?
Bem, dito dessa forma...
– Não sei por que disse isso ao detetive. Talvez tenha entrado em pânico. Mas acredita, era abusivo com ela. Vi-o com os meus próprios olhos.
– Millie – Brock fita-me com uma expressão angustiada nas suas belas feições –, ontem à noite, liguei-te e parecias muito perturbada com qualquer coisa. É óbvio que não tinhas nenhum vírus estomacal. Isso era mentira.
– Sim – admito. – Isso era mentira.
– Millie – falha-lhe a voz ao dizer o meu nome. – Mataste o Douglas Garrick?