Não tinha de acabar em homicídio. Foi inteiramente culpa dele.
E a Millie? Bem, é uma baixa a lamentar. Mas não é tão doce como poderiam julgar. Se passar a vida atrás das grades, é para o bem maior.
Mas, mesmo depois de ouvirem o meu lado da história, talvez continuem a achar que sou uma pessoa horrível. Talvez pensem que o Douglas não merecia morrer. Talvez julguem que eu é que mereço ir para a prisão para o resto da vida.
E a verdade é que não quero realmente saber.
***
Como Sair Impune do Homicídio do Seu Marido — Um Guia de Wendy Garrick
Passo 1: Conhecer um Homem Solteiro, Ingénuo e Podre de Rico
Quatro anos antes
Não entendo a arte contemporânea.
A minha amiga Alisa enviou-me um convite para esta exposição, mas é demasiado estranha para mim. Estou
habituada a admirar quadros que são belas obras de talento artístico. Mas isto? Nem sei o que isto é.
O título da exposição é simplesmente Vestes. E é exatamente disso que se trata. Roupa. Pendurada das paredes, cortada em pedaços, reconstruída numa manta de retalhos de bombazina, cetim, seda e poliéster. É absolutamente absurdo. Quando foi que a arte se transformou em algo que parece ter sido feito por uma criança durante as aulas de trabalhos manuais da escola?
A obra que estou agora mesmo a observar intitula-se Meias. É um nome adequado. É uma estrutura enorme, pelo menos da minha altura, em que cada centímetro está coberto por meias de várias formas e tamanhos.
Eu só... simplesmente não percebo.
– Tenho um buraco numa das minhas meias – diz uma voz masculina atrás de mim. – Acha que se importavam, se eu levasse uma destas emprestada?
Viro a cabeça para identificar a origem da voz. Reconheço imediatamente Douglas Garrick. Antes deste evento, estudei com muito cuidado uma fotografia rara que a Alisa me arranjou – memorizei o seu cabelo castanho desgrenhado, as rugas de um quase sorriso em torno dos olhos, um incisivo torto do lado esquerdo. Veste uma camisa branca barata, que parece ter sido comprada no Walmart, e falhou um botão. Não, esperem, falhou todos OS botões. Cada um dos seus botões está desfasado uma posição. E precisa – desesperadamente – de se barbear.
Ninguém imaginaria que este homem é uma das pessoas mais ricas em todo o país.
– Não vejo como dariam pela falta – respondo, tentando soar fria, apesar de ter o coração aos saltos no peito.
Sorri e estende a mão. Mal se notava na foto que eu vi, mas, na vida real, tem uma papada, embora não seja nada que alguma dieta e exercício não resolvessem.
– Doug Garrick.
Agarro-lhe a mão, que está quente e engole a minha como se estivessem destinadas a encaixar.
– Wendy Palmer.
– Muito prazer em conhecê-la, Wendy Palmer – diz, enquanto os seus olhos castanhos encontram os meus.
– Igualmente, senhor Garrick.
– Então... – pergunta, apoiando-se nos calcanhares dos seus sapatos gastos. – O que acha de Vestes?
Lanço um olhar às várias obras de arte centradas na roupa que se encontram espalhadas pela sala. Sei um pouco sobre o Douglas Garrick, e acredito ser um homem que aprecia a verdade.
– A realidade – digo – é que não entendo muito bem. Podia criar qualquer destas peças eu mesma com um pouco de cola Elmer’s e uma caixa de roupa da Goodwill.
O Douglas franze o sobrolho.
– Mas não é esse o objetivo? O artista tentar desafiar o status quo e apresentar uma crítica à arte tradicional, demonstrando que até os objetos mais corriqueiros podem ser transformados em algo que suscita emoções.
– Oh! – Raios, agora tenho de pensar em algo inteligente para dizer. – Bem, acho que a interligação da textura e da cor...
Paro bruscamente ao ver o sorriso pretensioso nos lábios do Douglas. Ele sustém-no por uma fração de segundo e depois desata a rir.
– Pareceu-lhe, com estes disparates, que eu sabia do que estava a falar?
– Um pouco – admito timidamente.
– Sabe o que eu adoro nesta galeria? – diz. – A comida. É... – beija as pontas dos dedos. – Espetacular. Estou disposto a olhar para algumas paredes de meias por estes aperitivos.
– Sim – murmuro.
Não comi nada desde que aqui estou. Este vestido Donna Karan assenta-me como uma luva, abraçando-me igualmente bem os seios, a barriga e o traseiro, mas poderia formar-se um bojo inestético, se eu começasse a emborcar camarões com molho cocktail.
Observa as minhas mãos vazias.
– Deixe-me ir buscar-lhe alguns dos meus preferidos. Confie em mim.
Sorrio.
– Estou intrigada.
– Não mexa nem um músculo, Wendy Palmer.
O Douglas pisca-me o olho antes de rumar apressadamente à mesa dos aperitivos. Agarra num prato e começa a empilhar um número perturbador de alimentos. Oh, Senhor. Por que está a pôr tanta comida naquele prato? Não tomo pequeno-almoço nem almoço, e já comi uma salada antes de vir para cá. O que está este homem a fazer-me?
Estou quase a ter um ataque de pânico devido a toda a comida que está a pôr naquele prato, mas é um prato pequeno, por isso vai ficar tudo bem. Basta-me jantar menos amanhã à noite.
– Aqui tem. – Apressa-se a voltar para o meu lado, ansioso por me mostrar os produtos que escolheu para mim. – São os meus preferidos. Prove primeiro a tarte de cogumelos.
Agarro na tarte e dou uma dentada. É celestial. Só este bocado deve ter provavelmente umas quinhentas calorias, se tivesse de adivinhar. Não admira que o Douglas tenha uma papada. E não quer saber, porque não é mulher e, além disso, é incrivelmente rico.
– Agora – diz. – Há além uma peça chamada Calças. Quer arriscar um palpite sobre o que vamos ver?
Sorri-me, prendendo-me o olhar, apesar de o meu vestido exibir uma quantidade impressionante de decote. Quando vim aqui com a intenção de seduzir Douglas Garrick, não imaginava este homem.
Isto vai ser muito mais fácil do que eu esperava.
47
Passo 2: Dar o Nó com o Homem Podre de Rico
Três anos antes
O Douglas pode ser absolutamente desesperante.
Está a atormentar-me. Finge ser um tipo simpático – e até terra a terra, tendo em conta o seu trabalho e fortuna pessoal mas é sádico. Não há outra explicação para o porquê de se comportar desta maneira.
– O que pensas tu que estás a fazer? – atiro-lhe.
Tem ao menos a graça de parecer embaraçado. Como devia! Já é suficientemente mau o homem sentar-se na nossa sala de estar em cuecas – cuecas! mas supostamente devíamos chegar daqui a menos de uma hora a uma festa em casa da Leland Jasper e não está de todo pronto. Tinha planeado tudo na perfeição para chegarmos elegantemente atrasados, mas agora aqui está, na cozinha, de Calças de fato de treino e T-shirt, e a comer Nutella do frasco com uma faca de manteiga.
O meu coração não aguenta esta loucura.
– Deu-me fome – diz. Pousa a faca na bancada da cozinha, manchando a superfície de mármore com a pasta castanho-escura.
– Douglas – respondo, com uma paciência cada vez mais escassa. – É suposto sairmos daqui a dez minutos. Nem sequer estás vestido.
– Sair para onde?
Está a atormentar-me. Está a fazer isto de propósito. Não posso imaginar que este comportamento não seja intencionai – ninguém pode ser assim tão despistado.
– Para casa da Leland! A festa é esta noite!
– Oh, certo – gemendo, esfrega as têmporas. – Cristo, temos de ir? Odiamos a Leland e o marido. Não foi o que dissemos? Além do mais, que tipo de nome é Leland? De certeza que foi ela que o inventou.
Está certo em todos os aspetos, mas isso não quer dizer que possamos faltar a esta festa. Vai lá estar toda a gente. E quero que me vejam a usar o meu novo vestido Prada, o cabelo acobreado perfeitamente arranjado e com madeixas, de braço dado com o meu atraente e impossivelmente rico noivo, que irá usar um fato Armani que disfarça o bojo do seu abdómen. Escolhi-o com esse propósito específico. Antes de me ter, costumava andar por aí com fatos baratos que deixavam ver o contorno da sua barriga.