– Temos de ir – respondo entredentes. – Não quero ouvir nem mais uma palavra sobre o assunto. Tens de te vestir. Já.
– Mas, Wendy – Douglas agarra-me no braço e puxa-me para si. O seu hálito cheira a avelã. –, vá lá, a festa vai ser uma seca enorme. Vamos antes... sei lá, ver um filme, só os dois? Como costumávamos fazer quando começámos a sair? O novo filme dos Vingadores, talvez?
Algo que não percebi sobre o Douglas até o conhecer foi que é um cromo sem solução. Nem tenta disfarçar. Tudo o que quer é ver filmes de super-heróis e vegetar no sofá com o portátil empoleirado nas pernas, a comer Nutella do frasco. A única razão para ter chegado a diretor-executivo da Coinstock é ser um génio louco que inventou uma tecnologia que acabou por ser usada em todos os bancos do país.
– Vamos a esta festa – digo-lhe, pelo que parece ser a centésima vez. O homem nunca me dá ouvidos, juro. –Agora, vai-te vestir. Mexe-te.
– Está bem, está bem.
Inclina-se numa tentativa de me dar um beijo com Nutella, mas eu tenho um Prada vestido, por isso dou um passo atrás e ergo as mãos para o manter afastado.
– Podes beijar-me depois de mudares de roupa – digo-lhe.
O Douglas volta a guardar o frasco no armário e sai pesadamente da cozinha para a nossa impossivelmente pequena sala de estar. Este apartamento é todo ele uma desgraça. Só temos três quartos, e um deles é o escritório do Douglas, pelo que é como se tivéssemos apenas dois. Assim que nos casarmos, vamos fazer uma melhoria substancial, e também comprar a minha casa de sonho nos subúrbios. Bem, na verdade, é a casa de sonho do Douglas, porque o meu sonho não é certamente viver nos subúrbios.
Sorrio sempre que penso na casa onde vamos viver um dia. Em pequena, o meu pai trabalhava na manutenção e a minha mãe mal ganhava o salário mínimo a trabalhar num infantário. Tínhamos uma casa minúscula, onde eu partilhava o quarto com a minha irmã mais nova, que, até aos oito anos, costumava fazer chichi na cama. Estudei o suficiente na escola para conseguir uma bolsa de estudos para um pretensioso colégio privado, onde todos os outros miúdos gozavam comigo por não me vestir tão bem como eles.
Tudo o que queria era umas calças de ganga de marca como as da minha bela e cruel colega de turma Madeleine Edmundson. E talvez um casaco de inverno sem ser em segunda mão e cheio de buracos.
Pensei que podia dar a volta à minha situação na faculdade, mas as coisas não correram da forma que eu esperava. Houve aquele horrível incidente em que me acusaram de plágio e não me deixaram regressar para o terceiro ano. Todas as minhas perspetivas de carreira pareceram ir por água abaixo enquanto me escoltavam ao exterior do recinto universitário.
Oxalá me pudessem todos ver agora.
Nesse momento, desesperantemente, a campainha toca. Antes que eu possa dizer ao Douglas que vou tratar de quem quer que esteja à porta, diz:
– É provavelmente o Joe. Vem deixar uns papéis de que eu preciso. Será apenas um minuto.
Joe Bendeck é o advogado do Douglas. Embora seja provavelmente parte da razão de ser tão rico, não é a minha pessoa preferida no mundo e sente também uma mal disfarçada aversão por mim. Ainda bem que será o Douglas a ver-se livre dele.
É estranho, porém, que passe por cá a uma hora tão tardia da noite. Não inaudito, mas invulgar, ainda assim. Pergunto-me o que quererá...
Enquanto o Douglas vai falar com o Joe, deixo-me ficar por perto, a ouvir a sua conversa. Geralmente, o Douglas não me envolve nos seus negócios, mas é inteligente saber o mais possível do que se passa.
– É tudo? – pergunta a voz do Douglas.
– Sim – responde o Joe. – E tenho também outra coisa para ti...
Oiço o rumorejar de papel. O Douglas a abrir um envelope.
– Oh, Joe. Já te disse que não lhe posso pedir para fazer isto...
– Tens de o fazer, Doug. O teu casamento é daqui a poucas semanas e não podes casar com aquela mulher sem um acordo pré-nupcial.
– Porque não? Confio nela.
– Grande erro.
– Olha, não posso... é como começar um casamento com o pé errado.
– Deixa-me dar-te alguns conselhos jurídicos gratuitos, Doug. Se isto desmoronar para ti, ela ficará com metade de tudo aquilo para que trabalhaste. Este documento é a única coisa que te protege. Serias um perfeito idiota em casar com ela sem a fazeres assinar um.
– Mas...
– Nada de mas. Não casas com essa mulher a menos que ela assine isto. Se verdadeiramente te amar e pretender ficar casada contigo, não se deverá importar, certo?
Sustenho a respiração, esperando para ver o que o Douglas diz. Espero que diga ao Joe para ir para o Inferno. Mas, além de seu advogado, o Joe é também o seu mais velho e íntimo amigo.
– Está bem – concorda o Douglas. – Vou tratar disso.
48
-É extremamente generoso – informa-me o Joe Bendeck.
O Joe está diante de mim e do Douglas na nossa sala de estar, a explicar-me os termos do acordo pré-nupcial. O Douglas não mo deu nessa noite. Esperou mais alguns dias, suavizando o golpe com algumas flores e um colar de diamantes da Tiffany’s. Não suavizou lá muito.
– Não me sinto confortável com a ideia de um acordo pré-nupcial. – Olho para o Douglas, que está sentado ao meu lado, vestido como um perfeito desmazelado, de calças de ganga e T-shirt. – Querido, temos de passar por isto?
– É muito generoso – salienta novamente o Joe. – Dez milhões de dólares se se divorciarem. Mas não pode ir atrás de nenhum dos seus outros bens.
– Eu não quero os bens. – Ponho a mão no joelho do Douglas. O tecido das suas calças de ganga parece gasto sob a minha mão. – Só quero casar-me em paz.
– Então assine – diz o Joe. – E nunca mais a volto a incomodar com isto.
– Eu só... – Tiro um lenço bordado do bolso e limpo os olhos. – Pensava que confiavas em mim, Douglas.
– Oh, por amor de Deus – resmunga o Joe. – Doug, vais mesmo cair nesta treta?
O Douglas lança um olhar ao amigo e passa o braço por cima dos meus ombros. Não consegue resistir a uma mulher a chorar.
– Wendy, não é nada disso. Eu confio em ti. E amo-te tanto.
Levanto o rosto lacrimoso para o encarar.
– Eu também te amo.
– Mas – acrescenta – não posso casar contigo sem um acordo pré-nupcial. Lamento.
Vejo nos olhos castanhos do Douglas que está a falar a sério. O Joe convenceu-o, e agora está completamente rendido.
Lanço um olhar furtivo aos papéis na mesa de café à minha frente. Formam uma pilha com cinco centímetros de espessura. Mas o Joe sublinhou os pontos principais para mim. Diz, preto no branco, que, se nos divorciarmos, receberei dez milhões de dólares. Não é nem perto de metade do que o Douglas vale, mas não é nada de desprezar. Manter-me-á confortável para o resto da vida se as coisas não resultarem aqui.
Não que eu esteja à espera que nos divorciemos. Espero que o Douglas e eu fiquemos juntos até que a morte nos separe e tudo o mais. Mas nunca se sabe. O Douglas é uma peça em reconstrução, e admito que há hipóteses de eu não o conseguir reconstruir a meu gosto.
– Tudo bem – concordo. – Eu assino.
49
Passo 3: Gozar a Vida de Casada... Por Algum Tempo
Dois anos antes
-Jesus Cristo. Este sítio é de loucos.
0 Douglas está relutante em comprar esta penthome. Acha que devíamos viver o resto das nossas vidas naquele minúsculo apartamento de três quartos. Bem, temos a casa que comprámos na ilha, mas não sei quanto tempo lá irei passar.