A Marybeth esforça-se por manter o sorriso nos lábios.
– Com certeza. Peço imensa desculpa, senhora Garrick. Pergunto-me se estarei a ser má. Mas não casei com um dos homens mais ricos da cidade para ser tratada por Wendy pela sua rececionista.
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Só para provar que não sou a mulher mais horrível no planeta, decido comprar uma ou duas peças de mobiliário ao Russell Simonds. Bem podemos atirar-lhes um pouco do nosso dinheiro. E, se forem realmente demasiado foleiras para ter em casa – como suspeito que serão posso sempre doá-las.
Não é de admirar que a loja de mobiliário seja compacta. Esperava sofás rígidos e quadrados, mas, ao entrar, deparo ao invés com uma bonita cómoda. Paro por um instante a admirar a deslumbrante cómoda de carvalho, que foi cuidadosamente areada e tingida, encontrando-se guarnecida por um belo espelho ornamentado. Passo o dedo por uma das três gavetas entalhadas, cada uma com uma pequena fechadura.
É exatamente o que procurava. Preciso disto para a minha casa.
– É uma bela peça, não é?
Viro a cabeça para identificar o proprietário da voz rica e profunda atrás de mim. Por uma fração de segundo, quase julgo estar a olhar para o meu marido. Mas não, este homem não é, decididamente, o Douglas Garrick. Tem mais ou menos a mesma altura, uma constituição similar – ou a constituição que o Douglas poderia ter se fosse ao ginásio de vez em quando – e o seu cabelo é sensivelmente da mesma cor, embora impecavelmente aparado. Apesar de trabalhar numa loja de mobiliário, veste uma imaculada camisa branca com uma gravata habilmente apertada. Este homem parece aquele em que eu esperava transformar o Douglas quando o conheci naquela exposição de arte moderna. É o Douglas 2.0, enquanto o meu marido mal chega a ser a versão beta.
– É uma peça antiga – diz-me mas restaurei-a pessoalmente.
– Fez um trabalho incrível – murmuro. – Adoro-a.
Ele sorri-me e os meus joelhos tremem ligeiramente.
– Ora, isso não é maneira de regatear.
– Não tenho o menor interesse em regatear – respondo. – Quando quero algo, faço o que for preciso para o obter.
Surge-lhe um lampejo de diversão no olhar ante o meu comentário.
– Sou o Russell. – Estende-me a mão e, ao tomá-la, sinto um delicioso formigueiro subir-me pelo braço. – Esta é a minha loja, e adoraria vender-lhe esta cómoda hoje. Aposto que ficaria lindamente no seu apartamento.
Russell Simonds. Deve ser o marido da Marybeth. De alguma forma, esperava um homem barrigudo e com uma grande calva no topo do cabelo grisalho. Não este homem.
– Sou a Wendy Garrick – digo-lhe. – A sua mulher, a Marybeth, trabalha para o meu marido. Foi ela quem sugeriu que viesse cá.
O sorriso divertido demora-se nos seus lábios.
– Ainda bem que o fez.
Acabo por comprar cerca de metade da loja antes de terminar. De cada vez que o Russell me fala noutra peça restaurada de mobiliário antigo, tenho simplesmente de a ter. E então, quando lhe estou a entregar o meu cartão de crédito com o limite chocantemente elevado, puxa de um cartão de visita, impecavelmente branco e limpo, e rabisca nove dígitos na parte de trás.
– Qualquer problema com a mobília – diz-me –, é só avisar.
Guardo o cartão na minha bolsa.
– Assim farei.
E enquanto o Russell regista as minhas compras, não posso deixar de pensar que há mais uma coisa na loja que gostaria de levar comigo para casa. E quando eu quero algo, faço o que for preciso para o obter.
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Passo 5: Tentar Encontrar a Felicidade Noutro Lugar
Seis meses antes
É possível que me esteja a apaixonar.
Tentei apaixonar-me pelo Douglas. Tentei mesmo. Pensei que me afeiçoaria a ele. Que mudaria – tal como eu mudei ao subir a pulso. O Douglas não faz ideia de quão espantoso poderia ser se se desse ao trabalho de cuidar de si mesmo, fazer uma pequena cirurgia plástica ou arranjar aquele dente torto. (Por amor de Deus, que multimilionário anda por aí de dentes imperfeitos? Pensará que estamos em Inglaterra?)
Mas o Douglas não tem qualquer interesse em nenhuma dessas coisas. Não tem o menor interesse em ser o homem que eu quero que seja. Só quer ser ele mesmo.
Já o Russell, por outro lado...
Apesar de andarmos a dormir juntos há já seis meses, não consigo parar de olhar para o homem do outro lado da mesa. Para o seu espesso cabelo cor de chocolate, cortado curto dos lados, mas suficientemente longo no topo para encaracolar ligeiramente, e para as suas densas e poderosas sobrancelhas. Nunca antes descrevi umas sobrancelhas como «poderosas», mas o homem podia comandar uma sala com elas. São o meu traço preferido nele. Ainda que, para ser justa, adore tudo o que o compõe.
Exceto a sua conta bancária.
A empregada aproxima-se da nossa mesa, um sorriso de orelha a orelha plasmado no rosto. Num restaurante tão caro, o pessoal é sempre inquebrantavelmente simpático. O Douglas odeia sítios assim. Não me agrada quando se alvoroçam tanto comigo.
– Vão querer sobremesa? – pergunta-nos a empregada.
– Temos um incrível bolo de chocolate sem farinha.
– Não, obrigado – responde o Russell.
Aceno em concordância. Nunca comemos sobremesa. Tal como eu, o Russell cuida bem de si mesmo. Vai ao ginásio várias vezes por semana, e o seu corpo é todo músculo esculpido, com apenas uma ligeira e inevitável barriga de meia-idade. Pena que a Marybeth não lhe dê valor. Nem se dá ao trabalho de pintar o seu cabelo louro – em poucos anos, estará grisalha como uma mula.
O Russell estende os braços sobre a mesa para agarrar as minhas mãos. Dado que estamos em público e somos ambos casados, é completamente inapropriado. Nas últimas semanas do nosso tórrido caso, porém, mandámos um pouco a cautela ao vento. Parte de mim quase quer ser apanhada. Porque, pela primeira vez na minha vida, estou apaixonada.
Se o Douglas se quiser divorciar de mim, agarro nos meus dez milhões e vou à minha vida.
– Oxalá não tivesse de voltar para o trabalho – murmura o Russell.
– Talvez possas chegar atrasado? – sugiro.
Um sorriso brinca-lhe nos lábios. Adoro a sua avidez. O Douglas deixou de ser assim pouco depois de nos casarmos e, mesmo antes, nunca foi tão competente na cama como o Russell. Simplesmente não tinha a mesma energia.
Nos primeiros tempos, reservávamos quartos de hotel para os nossos encontros, mas ultimamente o Douglas raramente vai à penthouse, pelo que tenho simplesmente levado o Russell para lá. Há a entrada das traseiras, onde sei que não há câmaras, pelo que não temos de lidar com o olhar do porteiro.
– Não devia – diz. – A loja tem estado movimentada nos últimos tempos.
– Não é para isso que servem os vendedores?
Geralmente, o Russell tem um ajudante a trabalhar na loja, embora talvez pudesse contratar mais um, dado que praticamente tenho andado a financiar o negócio com as minhas compras. Para ser justa, adorei cada bela antiguidade que lá comprei. O Russell tem um gosto impecável. Se tivesse dinheiro, saberia verdadeiramente como o gastar.
– Que tal esta noite? – sugere.
– Então e a Marybeth?
Os seus lábios curvam-se de repugnância, como sempre acontece quando o tema da sua mulher é evocado. É algo que nos aproximou – a nossa mútua aversão pelos nossos cônjuges.
– Digo-lhe que vou ficar outra vez a trabalhar até tarde.
A empregada regressa com a conta, e eu entrego-lhe o meu cartão platina. Sou sempre eu a pagar quando vamos a restaurantes sofisticados, pois, embora não goste de o admitir, o Russell está um pouco apertado em termos de dinheiro. Mas isso não me incomoda. Não é pelo dinheiro que gosto dele – tenho bem que chegue neste momento.
– Vou contar os segundos para te ver esta noite – murmura o Russell. Debaixo da mesa, os seus dedos sobem-me pela saia até eu me começar a sentir um pouco ofegante.