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Passado um minuto, estamos ambos a limpar as lágrimas dos olhos. O Brock envolve-me nos seus braços e puxa-me para si, não mais zangado por o ter deixado pendurado. Não se zanga facilmente. A maioria das pessoas contaria isso entre as suas qualidades, embora haja alturas em que eu gostaria que mostrasse um pouco mais de paixão.

De modo geral, porém, estamos no ponto ideal do nosso relacionamento. Seis meses. Haverá melhor altura numa relação do que os seis meses? Sinceramente, não sei, porque é apenas a segunda vez que atinjo esse marco. Mas parece-me que os seis meses são aquela fase perfeita em que largamos o constrangimento do início da relação, mas ainda estamos a mostrar um ao outro o nosso melhor lado.

O Brock, por exemplo, é um atraente advogado de trinta e dois anos de uma família abastada. Parece basicamente perfeito. Estou certa de que tem maus hábitos, mas não faço ideia de quais são. Talvez limpe a cera do canal auditivo com o dedo e depois o limpe à bancada da cozinha ou ao sofá. Ou talvez coma a cera. Apenas quero dizer que pode ter muitos maus hábitos que eu desconheço, alguns deles não envolvendo sequer a cera dos ouvidos.

Bem, tem uma imperfeição. Apesar de ser um jovem robusto, com o rosto corado de saúde, sofre, na verdade, de um problema cardíaco que desenvolveu em criança.

Mas não parece afetá-lo minimamente. Toma um comprimido todos os dias e parece não passar daí. Ainda assim, é suficientemente importante para manter um frasco de reserva no meu armário dos medicamentos. E a sua doença e a incerteza quanto à sua esperança de vida deixaram-no um pouco mais ávido de assentar do que a maioria dos homens.

– Deixa-me levar-te a jantar fora – pede o Brock. – Quero animar-te.

Abano a cabeça.

– Só quero ficar em casa a sentir pena de mim mesma. E depois talvez procurar empregos na Internet.

– Agora? Ainda há poucas horas perdeste o teu emprego. Não podes esperar pelo menos até amanhã?

Ergo o olhar para o fulminar.

– Alguns de nós precisam de dinheiro para pagar a renda.

Lentamente, assente.

– Está bem, mas e se não tivesses de te preocupar com a renda?

Tenho um mau pressentimento de que sei onde isto vai dar.

– Brock...

– Vá lá, por que não queres viver comigo, Millie? – pergunta, franzindo o sobrolho. – Tenho um T2 com vista para o Central Park, num prédio onde ninguém te vai cortar a garganta durante a noite. E, seja como for, vais tantas vezes lá a casa...

Não é a primeira vez que me sugere que vá viver com ele, e não posso dizer que os seus argumentos não sejam persuasivos. Se me mudasse para casa do Brock, estaria a viver no colo do luxo e não teria de pagar nem um cêntimo por isso. Não me deixaria contribuir mesmo que eu quisesse. Podia focar-me em obter a minha licenciatura para poder tornar-me assistente social e fazer algum bem no mundo. Parece uma decisão simples.

Sempre que pondero dizer-lhe que sim, contudo, uma voz ao fundo da minha cabeça grita: Não o faças!

A voz na minha cabeça é tão persuasiva quanto a do Brock. Há muitos bons motivos para irmos viver juntos. Mas há uma boa razão para não o fazer. Não faz ideia de quem eu realmente sou. Ainda que ande mesmo a comer a cera dos próprios ouvidos, os meus segredos são muito piores.

Portanto, eis-me aqui, na relação mais normal e saudável da minha vida adulta, e aparentemente decidida a estragar tudo. Mas estou a modos que num dilema. Se lhe contar a verdade sobre o meu passado, pode deixar-me, e eu não quero isso. Mas se não lhe contar...

De uma maneira ou de outra, vai descobrir tudo. Simplesmente não estou preparada para isso.

– Desculpa – digo-lhe. – Como disse, preciso do meu próprio espaço neste momento.

O Brock abre a boca para protestar, mas depois muda de ideias. Conhece-me o suficiente para saber quão teimosa posso ser. Veem? Já está a descobrir alguns dos meus maiores defeitos.

– Diz-me ao menos que vais pensar no assunto.

– Vou pensar no assunto – minto.

4

Vou para a minha décima entrevista de emprego nas últimas três semanas, e começo a ficar nervosa.

Não tenho dinheiro suficiente na conta bancária para cobrir sequer um mês de renda. Sei que é suposto termos uma reserva de seis meses no banco, por via das dúvidas, mas isso funciona melhor na teoria do que na prática. Adoraria ter uma reserva de seis meses no banco. Raios, adoraria ter uma reserva de dois meses. Em vez disso, tenho menos de duzentos dólares.

Não sei o que fiz de errado nas outras nove entrevistas para vagas de empregada de limpeza ou ama. Uma das mulheres garantiu-me abertamente que planeava contratar-me, mas passou uma semana e não ouvi um pio da parte dela. Ou de qualquer uma das outras. Presumo que tenha feito uma verificação de antecedentes e tudo acabou por aí.

Se eu fosse qualquer outra pessoa, podia simplesmente juntar-me a algum tipo de serviço de limpezas e não teria de passar por este processo. Mas todos se recusam a contratar-me. Eu tentei. As verificações de antecedentes tornam isso impossível – ninguém quer alguém com registo criminal em sua casa. É por isso que ponho anúncios na Internet e espero o melhor.

Também não tenho grandes esperanças para a entrevista de hoje. Vou encontrar-me com um homem chamado Douglas Garrick, que vive num prédio de apartamentos no Upper West Side, logo a oeste do Central Park. É um daqueles edifícios góticos com pequenas torres a erguer-se da linha do horizonte. Dá a vaga impressão de que devia estar cercado por um fosso e guardado por um dragão, em vez de ser um local onde se pode simplesmente entrar da rua.

Um porteiro de cabelos brancos abre-me a porta da frente com um inclinar do seu boné preto. Enquanto lhe sorrio, tenho uma vez mais aquela sensação de formigueiro na nuca. Como se alguém me estivesse a observar.

Desde aquela noite em que regressei a casa após ter sido despedida, tive várias vezes essa sensação. Fazia sentido no meu bairro do sul do Bronx, onde provavelmente há assaltantes em cada esquina, prontos a atacar se eu aparentasse ter algum dinheiro, mas não aqui. Não num dos bairros mais elegantes de Manhattan.

Antes de entrar no prédio de apartamentos, viro-me para olhar para trás. Há dúzias de pessoas a circular na rua, mas nenhuma me presta atenção. Existem muitas pessoas singulares e interessantes a caminhar pelas ruas de Manhattan, e eu não sou uma delas. Não há razões para alguém estar a olhar para mim.

Então vejo o carro.

É um Mazda preto familiar. Provavelmente, há milhares de carros iguais na cidade, mas, ao observá-lo, tenho uma estranha sensação de déjà vu. Demoro um segundo a perceber porquê.

O carro tem o farol direito rachado. Tenho a certeza de que vi um Mazda preto com o farol direito rachado estacionado perto do meu prédio de apartamentos no sul do Bronx.

Não vi?

Espreito pelo para-brisas. O carro está vazio. Baixo o olhar para ver a matrícula. É de Nova Iorque – nada de entusiasmante aí. Tiro um momento para a memorizar: 58F321. A matrícula não me diz nada, mas, se o voltar a ver, lembrar-me-ei.

– Menina? – chama o porteiro, arrancando-me do meu transe. – Vai entrar?

– Oh! – tusso para a mão. – Sim. Sim, desculpe lá.

Entro no átrio do edifício. Em vez de ter luzes no teto, o

vestíbulo é iluminado por candelabros e candeeiros nas laterais das paredes que pretendem assemelhar-se a tochas. O teto baixo curva-se numa cúpula, o que me dá a ligeira sensação de estar a entrar num túnel. Obras de arte adornam as paredes, todas provavelmente de valor incalculável.

– Quem vem visitar, menina? – pergunta-me o porteiro.