– Russell – rio-me baixinho. – Aqui não. Há pessoas em volta.
– Não me consigo conter perto de ti.
– Russell...
A minha fruição do que o meu amante está a fazer debaixo da mesa é interrompida pelo pigarrear da empregada. Tem o meu cartão platina na mão.
– Lamento muito, mas não passou. Foi rejeitado.
Reviro os olhos.
– É das vossas máquinas. Por favor, volte a passá-lo.
– Tentei três vezes.
Solto um suspiro. Meu Deus, as pessoas nestes restaurantes são simpáticas, mas às vezes são também dolorosamente incompetentes. Por alguma razão estão a servir às mesas para ganhar a vida. Vou à minha bolsa e tiro o meu Visa.
– Tente este.
Só que, passado um minuto, a empregada regressa com o segundo cartão.
– Este também foi rejeitado – informa-me. O seu tom já não é tão delicado como quando nos estava a servir. E as pessoas da mesa ao lado começaram a olhar.
Não sei o que se passa. Sou casada com o Douglas Garrick, caramba. O meu limite de crédito é infinito. Tem nitidamente de ser um problema do lado deles, mas mais ninguém parece estar a ter dificuldades.
– Tente o meu cartão – intervém o Russell. Tira o seu cartão de crédito da carteira e entrega-o.
Enquanto a empregada se afasta para experimentar o novo cartão, lanço-lhe um olhar apologético.
– Desculpa. Não sei o que se passa.
– Sem problemas – responde, apesar de não poder realmente custear um restaurante destes. Não é o tipo de local a que viríamos se soubéssemos que seria ele a pagar. Mas não há muito que possamos fazer neste momento.
O cartão de crédito do Russell é aceite sem problemas. Algo se passa com os meus cartões. Estaremos a ter algum tipo de problema financeiro de que não estou ciente? As pessoas como nós não têm dívidas de cartões de crédito. Mas a verdade é que não estou a par das finanças. Tenho os meus cartões de crédito e uso-os sem pensar no assunto.
Terei de falar com o Douglas sobre isto esta noite.
55
Liguei várias vezes ao Douglas, mas não atendeu. Enviei-lhe também inúmeras mensagens de texto, a que não respondeu.
Não sei o que se passa. Tentei usar os meus cartões de crédito noutra loja e, mais uma vez, foram rejeitados. Pelo que não era culpa do restaurante.
Liguei para a operadora dos cartões de crédito para tentar chegar ao cerne da questão. E disseram-me algo chocante. Os meus cartões foram cancelados. Todos.
Finalmente, decido ir à nossa casa em Long Island falar com o Douglas. Apesar do nosso deslumbrante apartamento na cidade, cheio de móveis antigos, prefere a casa. Diz que gosta do sossego. Dorme melhor sem as constantes buzinas e sirenes da cidade, e gosta do ar fresco. Mas Long Island é um sítio tão dolorosamente enfadonho. Não há lá absolutamente nada para fazer nem nenhum lugar decente onde fazer compras.
Ao chegar à casa, encontro-a vazia. Percebo que não venho cá há mais de uma semana, apesar de o Douglas dormir aqui quase todas as noites. Suponho que o meu marido e eu nos tenhamos afastado nos últimos tempos. A única altura em que fazemos sexo é uma vez por mês, quando estamos a tentar conceber.
A casa está limpa, ao menos – ao entrar pela porta, quase esperava encontrar caixas de piza sujas e meias usadas penduradas do sofá, porque o Douglas pode ser um pouco desmazelado. A sala de estar parece... acolhedora, suponho que seria a palavra certa.
0 Douglas livrou-se do sofá branco que eu escolhi e substituiu-o por um azul-escuro com almofadas de aspeto maltratado. Sento-me no sofá para esperar que chegue a casa e tenho de admitir que é confortável, apesar de incrivelmente feio.
Só quase às nove horas oiço o som da porta da garagem a abrir. Endireito-me no sofá, decidindo depois levantar-me. Será o tipo de conversa em que é preciso estar de pé. Posso senti-lo.
Passado um minuto, o Douglas entra pelas traseiras. Traz o cabelo mais em desalinho do que o habitual e tem olheiras a rodear-lhe os olhos. A gravata pende-lhe frouxamente em redor do pescoço e, ao ver-me na sala de estar, para bruscamente.
– Cancelaste os meus cartões de crédito – digo-lhe, por entre dentes cerrados.
– Perguntava-me o que seria preciso para te fazer vir aqui.
Achará que isto é algum tipo de piada?
– Estava a tentar almoçar e o meu cartão foi rejeitado. Fiquei sem forma de pagar. Dás-te conta disso?
O Douglas entra na sala de estar, acabando de tirar a gravata.
– O quê? O Russell não tinha o cartão de crédito dele?
Fico boquiaberta.
– Eu...
Atira a gravata para cima do sofá.
– Não compreendo por que estás tão surpreendida. Achas que podes andar por toda a cidade aos amas os com outro fulano e eu não vou descobrir? Achas que podes pagar um quarto de hotel com o meu cartão de crédito sem eu saber? Quão estúpido achas que eu sou?
– Eu... lamento. – Sinto o coração a palpitar. Nunca, jamais, ouvi o Douglas falar desta maneira, mas há uma parte de mim que se alegra por estarmos a ter esta conversa. Estou farta de estar casada com o Douglas Garrick. Ainda bem que estamos a pôr tudo às claras. – Não era minha intenção que acontecesse.
– Oh, por favor. É o melhor que consegues inventar? –Olha-me com repugnância. – E com o marido da Marybeth? Como foste capaz, Wendy? A Marybeth é praticamente família.
Família dele, talvez. Eu nunca gostei da mulher, mesmo antes de começar a dormir com o marido. E agora que sei a companheira inadequada que era para o Russell, detesto-a ainda mais.
– Ela sabe?
Abana a cabeça.
– Não podia fazer-lhe uma coisa dessas. Destrui-la-ia –resfolega. – Não que tu te importasses com isso.
– Não é como se tivéssemos o casamento perfeito, Douglas – saliento. – Sabes isso tão bem como eu.
O meu comentário tira-lhe parte do espírito combativo. Os seus olhos castanhos suavizam-se. No fundo, o meu marido é um pouco lorpa. Foi por isso que casei com ele em primeiro lugar. Sabia que me daria tudo o que eu quisesse.
– Acho que devíamos fazer terapia de casal – diz. – Encontrei um terapeuta altamente recomendado. Sei que estou ocupado, mas arranjarei tempo para isto. Para nós.
Imagino-me sentada com o Douglas no gabinete de um terapeuta, a discutir a nossa miríade de problemas, que se resumem a querermos coisas completamente diferentes da vida.
– Não sei...
– Wendy. – Acercando-se de mim, agarra a minha mão. Por um momento, permito-o, sabendo que a irei retirar daqui a poucos segundos. – Não quero desistir de nós. És a minha mulher. E, embora estejamos a ter algumas dificuldades nessa área, quero que sejas a mãe dos meus filhos.
Percebo que é neste momento que tenho de lhe confessar tudo. Tenho de arrancar o penso rápido ou então jamais me livrarei deste homem. E, ao fim de todo este tempo, merece a verdade.
– A realidade – digo – é que não posso ter filhos.
É ele, no fim de contas, o primeiro a retirar a mão.
– 0 que? De que estás a falar?
– Há muitos anos, tive uma infeção que destruiu as minhas trompas de Falópio – conto-lhe. Aconteceu quando tinha vinte e dois anos. Sentia dores horríveis na zona pélvica, e os médicos explicaram-me mais tarde que a infeção era assintomática até que alastrou para as minhas trompas. As dores eram tão fortes que fui submetida a uma intervenção laparoscópica para limpar parte do tecido cicatricial, e foi então que me informaram que jamais seria capaz de conceber um filho de forma natural. Há uma pequena hipótese de poder engravidar por meio das tecnologias reprodutivas, mas até isso é extremamente improvável devido à extensa cicatrização.
Na altura, foi devastador ouvi-lo, e amaldiçoei a minha sorte. Apesar de ter crescido pobre, ainda sonhava encher a minha casa de filhos um dia, tal como os meus pais tinham feito. Chorei durante vinte e quatro horas consecutivas ao saber da notícia.