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Agora, só resta uma peça no quebra-cabeças. Temos de matar o Douglas, desta vez a sério.

O Russell está à espera na cozinha, segurando a arma que a Millie ainda agora usou para o alvejar com um cartucho vazio – só que, desta vez, com balas reais. Está pronto.

As portas do elevador abrem-se e eu desço o corredor para ir cumprimentar o meu marido uma última vez. Paro bruscamente, surpreendida pela sua aparência. Perdeu peso desde a última vez que o vi e tem olheiras púrpura cravadas debaixo dos olhos. Tem uma barba de pelo menos dois dias no queixo.

– Estás com um aspeto horrível – deixo escapar.

O Douglas ergue bruscamente o olhar.

– Prazer em ver-te também, Wendy.

– Quero dizer... – Afasto uma madeixa de cabelo da cara. Limpei cuidadosamente toda a maquilhagem dos meus falsos hematomas depois de a Millie partir. – Quero dizer que pareces... cansado.

Ele solta um longo e atormentado suspiro.

– Tenho andado a trabalhar noite e dia numa nova atualização do software. E então tu ligas-me a implorar que venha cá praticamente a meio da noite.

– Trouxeste-os?

O Douglas ergue a pasta de cabedal esfarrapada que traz sempre consigo.

– Tenho os papéis do divórcio aqui mesmo. Espero que estejas pronta para assinar.

Não propriamente. Mas não precisa de saber disso.

Levo o Douglas à sala de estar. O meu corpo retesa-se, esperando que o Russell saia da cozinha e alveje o meu marido à queima-roupa no peito. É suposto fazê-lo assim que entrarmos na sala. É suposto fazê-lo... agora.

Maldição.

O Douglas consegue percorrer todo o caminho até ao nosso sofá modular sem ser assassinado pelo meu amante. Fico bastante desiludida. Deixa-se cair na almofada e pousa a pasta na mesa de café.

– Vamos acabar com isto – murmura.

Não, ainda não. Não o trouxe aqui para assinar os papéis do divórcio. Isso é o oposto do porquê de eu o querer aqui. Só que o Russell não sai. Não o vejo nem consigo ouvi-lo. O que se passa?

– Posso ir buscar-te algo para beber? – pergunto. Parece estar prestes a recusar, por isso prossigo rapidamente. –Vou buscar-te um pouco de água.

Antes que o Douglas possa protestar, lanço-me em direção à cozinha, deixando-o para trás no sofá com os papéis do divórcio. Neste momento, estou absolutamente furiosa. Até aqui, tudo correu exatamente da forma como planeei. Só mais uma coisa precisa de acontecer. O Russell tem de matar o Douglas.

Quando entro na cozinha, porém, o Russell está encolhido ao canto. A arma está em cima da bancada e parece estar a ter um ataque de pânico. Agarra-se à bancada com as luvas de cabedal e tem a respiração acelerada, o rosto branco como um lençol.

– Russell! – silvo-lhe. – De que raio estás à espera?

Tem sido extraordinariamente difícil esta noite. Antes mesmo de a Millie chegar, já ele ameaçava recuar, enumerando uma lista de preocupações. Tens a certeza que é seguro ser alvejado com um cartucho vazio? Não foi assim que o Brandon Lee morreu? E se ela decidir antes esfaquear-me?

Finalmente, convenci-o a ir avante com a cena em que fingia estrangular-me. E, depois de a Millie o ter alvejado com o cartucho vazio e ele não ter morrido, pensava que tínhamos ultrapassado isto – a parte mais difícil estava feita. Só que agora parece estar a ter dificuldades em sorver ar para os seus pulmões.

– Não sou capaz – diz, engolindo em seco. Tem a fronte transpirada e as suas poderosas sobrancelhas fundiram-se ao meio da testa. – Não posso alvejá-lo, Wendy. Por favor, não me obrigues.

Está a brincar? Passámos meses a engendrar isto juntos. Tivemos tanto cuidado em entrar sempre pela porta das traseiras e preparar o cenário exatamente da forma certa. Mal saio do apartamento, pois não posso correr o risco de me cruzar com a Millie, e tenho dedicado toda a minha energia a dar a impressão que o Douglas ainda vive aqui. Cheguei mesmo a comprar um monte de roupa de homem para ela poder lavar. (Apesar de, no primeiro dia, me ter estupidamente esquecido de a desdobrar toda. Estou certa que achou que éramos um bando de psicopatas que dobram a própria roupa suja.) Gastei tanto tempo e energia a planear tudo isto.

E agora aqui está ele, prestes a arruinar tudo.

– És absolutamente ridículo – cerro os dentes. – Qual é o teu problema? Era este o plano desde o início! É assim que vamos conseguir tudo o que queremos.

– Eu não quero isto! – a sua voz é um sussurro urgente. – Só quero estar contigo. E ainda podemos – atravessa a cozinha e tenta enlaçar-me a cintura com as mãos. – Escuta, não temos de fazer isto. Podemos partir agora mesmo. Tu deixas o Douglas, eu deixo a Marybeth, e podemos estar juntos. Não temos de o matar.

– Só que então não teremos nada – afasto o seu abraço, furiosa. Pensava que o Russell queria as mesmas coisas que eu, mas agora já não tenho assim tanta certeza. Porque, se quisesse, o meu marido já teria neste momento uma bala no peito. – É a única maneira, Russell.

– Não quero fazer isto. – Agora está a choramingar. –Não quero matá-lo, Wendy. Por favor, não me obrigues a fazer isto. Por favor.

Oh, Senhor.

Estou há demasiado tempo nesta cozinha. O Douglas vai começar a perguntar-se por que estou a demorar tanto e virá investigar. Ou pode até ouvir o Russell a entrar em pânico. Não tenho tempo para fazer um discurso motivacional. Tenho de tratar disto eu mesma.

De debaixo do lava-loiça, tiro um par das luvas de borracha descartáveis que a Millie usa para limpar a cozinha. Enfio-as nas mãos, servindo depois ao meu marido um último copo de água. Agarro na arma, mas, após hesitar um pouco, guardo-a no bolso do meu casaco. Os bolsos são grandes e a arma cabe perfeitamente – é como se, ao vesti-lo, soubesse já que ia ter de fazer isto, pois o Russell ia portar-se como um bebé grande e quase dar cabo de tudo.

Quando regresso à sala de estar, o Douglas está sentado no sofá, a folhear a pilha de papéis que é o nosso acordo de divórcio. Há muito que me pede para o assinar, e eu tenho vindo a recusar. Sabia que aceitar fazê-lo o faria vir aqui.

Com a mão livre, tateio a arma no bolso do meu casaco. É pesada, distendendo ligeiramente o tecido. Não há razões para esperar. Podia sacá-la agora mesmo e matá-lo. Mas não. Tenho de o fazer olhos nos olhos. Para que pareça que a Millie o alvejou de frente.

E, além do mais, parte de mim quer ver-lhe a cara quando o fizer. Para que entenda as consequências de se meter comigo. Tentou tirar-me tudo e deixar-me na miséria, e agora terá o que merece.

Rapidamente, pouso o copo de água em cima da mesa, antes que possa reparar que estou a usar luvas de borracha. Em seguida, enfio as mãos de novo nos bolsos. Foi a Millie quem arrumou este conjunto de loiça, pelo que as suas impressões digitais estarão espalhadas por todo o copo. É demasiado perfeito.

– Tenho uma caneta por aqui algures – murmura o Douglas, vasculhando o interior da velha pasta. Ao fim de um momento, tira uma esferográfica. – Aqui está.

– Muito bem, então. – Os meus dedos cerram-se em torno do revólver no meu bolso. – Vamos acabar com isto, como disseste.

O Douglas começa a estender-me os papéis, mas depois para. Os seus ombros descaem.

– Não quero que seja assim, Wendy.

Franzo-lhe o sobrolho.

– O que quer isso dizer?

– Quer dizer que... – Atira os papéis do divórcio para cima da mesa de café. – Eu amo-te, Wendy. Não me quero divorciar. Tenho andado doente com isso. Não interessa o que aconteceu no passado... Gostaria de começar de novo. Só nós os dois.

Há uma expressão esperançosa no seu rosto. Tenho de admitir que a ideia é apelativa. Por mais que tenhamos planeado os acontecimentos desta noite, não há garantia que o Russell e eu conseguiremos sair impunes de um homicídio. O meu plano original era passar a minha vida com o Douglas e, embora não tenha conseguido moldá-lo no que queria, não é inteiramente objetável. E, acima de tudo, teremos quantidades indescritíveis de dinheiro. Pode-se ser feliz com qualquer pessoa, se houver dinheiro que chegue.