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– Vê só, Millie. – Apertando-me o braço, entrega-me o saco de papel com os bagels. – Vou descobrir tudo.

63

Q Enzo está a demorar uma eternidade no Dunkin’ Donuts. Disse-me para ficar do outro lado da rua, mas, ao fim de dez minutos, começo a ficar nervosa. O que se passa lá dentro?

Oxalá tivesse ido com ele. Não creio que prejudicasse demasiado o seu estilo. Bem, talvez sim. Mas, dado que é a minha vida que está em jogo aqui, gostaria de saber o que se passa.

Finalmente, atravesso a rua para o Dunkin’ Donuts. A montra é de vidro, pelo que é relativamente fácil olhar para o interior. Espreito pelos vidros e inicialmente não os vejo de todo. Mas, então, avisto-os. Mesmo na outra ponta da loja, onde as pessoas recolhem os seus pedidos. Estão os dois a conversar intensamente. Os olhos negros do Enzo parecem inteiramente focados nos dela.

Por um momento, sinto uma pontada de apreensão. Sempre confiei no Enzo, mas há alturas em que não tenho a certeza absoluta de que seja de confiança. Afinal, a razão por que partiu de Itália em primeiro lugar foi por ter espancado um homem quase até à morte. Com muito bons motivos, pelo menos segundo ele, mas mantém-se o facto. E depois partiu de novo para o estrangeiro, alegando que o homem mau que o perseguia tinha sofrido uma morte prematura, mas sem dar quaisquer informações adicionais a esse respeito.

Disse-me que a sua mãe estava doente. Que tivera uma apoplexia. Mas a realidade é que eu só tinha a sua palavra em que me basear. Não era como se alguma vez tivesse visto a sua alegada mãe doente.

E depois, quando regressou aos Estados Unidos, em vez de me ligar como qualquer pessoa normal teria feito, passou três malditos meses a seguir-me, a pretexto de me proteger. Contei-lhe todos os pormenores sobre a família Garrick. É suficientemente sagaz para ter adivinhado que a Wendy me estava a ludibriar, apesar de eu não o ter visto. Por que não disse nada?

E, meu Deus, de que estão a falar lá dentro há tanto tempo?

Agora que estamos mais próximos, noto que a loura tem os olhos inchados, como se tivesse estado a chorar. Mas então sorri a algo que o Enzo lhe diz e o seu rosto anima-se um pouco. Parece bastante inocente, tenho de admitir. É mesmo muito encantador quando quer. Entre o seu sotaque e o aspeto que tem, é muito bom a falar com mulheres.

Após o que me parecem outros dez minutos, o Enzo e a mulher saem do Dunkin’ Donuts.

Ciao, bella! – diz-lhe, com um aceno. O que a faz corar.

Ao ver-me diante da loja, lança-me um olhar desaprovador.

– Disse para ficares do outro lado da rua, não?

Cruzo os braços sobre o peito.

– Demoraste muito tempo lá dentro.

– Sim, e agora sei tudo – diz, inclinando a cabeça. –Queres que te conte?

Encaro os olhos negros do Enzo. Este homem nem sempre faz tudo segundo as regras. Como eu, fez algumas más escolhas, ainda que sempre pelas razões certas. Vi-o arriscar a própria vida para ajudar mulheres em perigo. Se há alguém neste mundo em quem posso confiar, é nele. Nunca devia ter duvidado, nem por um segundo.

– Sim. Conta-me.

O Enzo olha para o fundo da rua, onde a mulher está a descer para uma estação de metro.

– Aquela mulher é a assistente do Douglas Garrick. E é a esposa do homem que procuras.

Fico a olhar para ele.

– A sério? Tens a certeza?

– Saberemos dentro de um segundo. – Tira o telemóvel do bolso, escreve algo no ecrã, percorre-o por um momento e depois passa-me o aparelho. – É ele?

A imagem no ecrã é uma foto de rosto do Linkedin e reconheço imediatamente a figura. É o homem que estava a estrangular a Wendy até à morte ontem à noite. O mesmo a quem dei um tiro no peito.

– É – arquejo.

Leio o nome no perfil do Linkedin: Russell Simonds.

– Até esta manhã, pelo menos... – diz o Enzo, tirando-me o telemóvel das mãos. – Estava vivo.

Está vivo. Não matei ninguém, afinal. O alívio que sinto é algo mitigado por, apesar de não ter matado ninguém, a polícia achar decididamente que o fiz.

– Mas partiu esta manhã em... bem, a mulher diz que numa viagem de negócios. É um homem muito ocupado, disse-me. Sempre a trabalhar até tarde.

Talvez fosse por isso que estavam a discutir naquele dia na rua. Ou talvez por ela suspeitar que andava a ver outra mulher.

A Wendy.

– E agora? – pergunto. – Esperamos que regresse da sua alegada viagem de negócios?

– Não – diz o Enzo. – Agora, procuro saber mais sobre esse tal Russell Simonds.

– Como?

– Conheço um tipo.

Pois claro que sim.

64

Acabamos por voltar para o apartamento do Enzo. Fica a apenas dez quarteirões de onde eu vivo, o que faz sentido, suponho, se andava a assumir o papel de meu guarda-costas secreto. É um apartamento ainda mais pequeno do que o meu, apenas um estúdio com uma divisão que serve de cozinha, quarto e sala de jantar e de estar. Felizmente, tem uma casa de banho separada. Está a mundos de distância da penthouse dos Garrick ou até do espaçoso T2 do Brock.

Ao entrarmos, o Enzo atira as chaves para uma pequena mesa junto à porta e dirige-se à kitchenette, onde abre a água e borrifa o rosto com ela. Pergunto-me se está tão cansado como eu. Sinto uma estranha combinação de cansaço e adrenalina. Não dormi o suficiente ontem à noite, mas a ansiedade de a polícia me poder vir buscar mantém-me o coração constantemente acelerado.

– Senta-te – diz-me. – Queres cerveja?

– Ainda mal são onze da manhã.

– Foi uma manhã longa.

Isso é certo.

Decido recusar a cerveja, ainda assim. Deixo-me cair num sofá que parece ter sido provavelmente recolhido da berma – chega a ser ligeiramente pior do que o meu. A maior parte dos seus móveis tem ar de poder ter sido lixo num passado recente.

– Que trabalho tens agora? – pergunto-lhe. Tinha um emprego decente antes de partir, mas de certeza que não lho guardaram.

– Arranjei emprego numa empresa de paisagismo – responde, encolhendo um ombro. – Não é mau. Paga as contas.

Olho para o seu telemóvel, que pousou numa mesa de café.

– O que vai o teu tipo descobrir?

– Não sei bem. Talvez o registo criminal do Russell. Algo que possamos levar à polícia para que possam procurar as impressões digitais dele no apartamento. De certeza que encontraram impressões desconhecidas na penthouse, por isso ajudaria se pudéssemos identificá-las. Qualquer coisa para tirar a pressão de cima de ti.

– E se não for suficiente?

– De certeza que encontraremos algo.

– E se não encontrarmos?

– Confia em mim – diz o Enzo. – Haverá uma maneira. Não irás para a prisão por algo que não fizeste.

Como que seguindo a deixa, o telemóvel do Enzo começa a tocar. Agarra-o e salta do sofá para ir atender a chamada na kitchenette. Estico a cabeça para ver a sua expressão, que pouco revela. Tal como as suas respostas, que consistem maioritariamente em «ahã» e «está bem». A dada altura, agarra numa caneta e rabisca qualquer coisa num guardanapo.

– Grazie– diz à pessoa do outro lado da linha, pousando depois o telemóvel na bancada da cozinha.

Por um momento, fica simplesmente ali parado, a olhar para o guardanapo.

– Bem? – acabo por perguntar.

– Nada no registo criminal – diz. – Tem a ficha limpa.

Sinto o coração esmorecer.

– Certo...

– Tenho a morada de uma segunda residência – acrescenta. – É num lago duas ou três horas a norte da cidade. Talvez... talvez seja aí que está.

Salto do sofá e agarro na minha bolsa.

– Vamos para lá, então!

– E fazemos o quê?

Dirijo-me à kitchenette. Olho para a morada no guardanapo. Sei vagamente onde fica. O Google Maps levar-me-á lá.

– Arrancar-lhe a verdade.

– Nós sabemos a verdade. – Puxa o guardanapo para fora do meu alcance. – Precisamos é que a polícia saiba.