– O que sugeres, então?
– Não sei bem – responde, esfregando os olhos com a base das mãos. – Não te preocupes. Encontraremos uma resposta. Só preciso de pensar.
Fantástico. E, enquanto pensa, a polícia está ocupada a construir o seu caso contra mim.
– Acho que devíamos ir lá.
– E eu acho que vai piorar as coisas.
Não sei o que pensar, mas estou em pulgas por fazer algo agora mesmo. Porque a polícia não está neste momento sentada numa kitchenette, a remoer as coisas.
Antes que possa tentar persuadir o Enzo, o meu telemóvel toca dentro da minha bolsa. Tiro-o e fico com a respiração presa na garganta ao ver o nome no ecrã.
– É o Brock – digo.
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Os olhos já negros do Enzo escurecem ainda mais. Não fica lá muito satisfeito por saber que o meu ex-namorado me está a ligar. Mas não é do tipo ciumento e jamais me diria para não atender. E, mesmo que dissesse, eu não lhe daria ouvidos.
– Só um minuto – peço ao Enzo.
Ele assente.
– Faz o que tiveres de fazer.
Sabia que não se importaria. Bem, não parece propriamente encantado. Mas não protesta, ao menos.
– Estou? – digo para o telefone.
– Millie? – A voz do Brock soa distante, como se fôssemos duas pessoas que só se conheceram fugazmente e de passagem. Só nos separámos ontem e já parece estranho que tenhamos namorado em tempos. – Olá...
– Olá – respondo rigidamente.
Não posso imaginar o que quer. Não quer que nos voltemos a juntar, isso é certo. Provavelmente, estará a dar graças aos céus por não termos ido viver juntos. Não tens de que, Brock.
– Olha – diz. – Eu... queria pedir desculpa por te ter abandonado na esquadra ontem.
– Oh?
Oiço-o soltar um suspiro.
– Estava perturbado, mas foi uma incrível falta de profissionalismo da minha parte. O que quer que tenhas feito de errado, pediste-me para estar lá como teu advogado, e devia-te isso.
– Obrigada. Agradeço as tuas desculpas.
– E é por isso que estou a ligar – hesita. – Voltei a falar com o detetive esta manhã, e sinto que te devo avisar de que testaram alguma roupa que levaram do teu cesto da roupa suja.
Agarro o telemóvel com mais força.
– Para sangue?
– Não, para resíduos de pólvora. E deu positivo.
Fico boquiaberta. Parti simplesmente do princípio de que andavam à procura de sangue nas minhas roupas. Nem me passou pela cabeça que fossem procurar algo mais.
– Oh...
– Acho que estavam à espera desses resultados para que o caso fosse conclusivo – diz. – Imagino que estejam agora mesmo a obter um mandado de detenção.
Paraliso, de joelhos a tremer.
– Oh...
– Lamento, Millie. Queria só deixar-te de sobreaviso. Devia-te isso.
– Sim...
– E... – Tosse para o telefone. – Boa sorte, enfim, com
tudo isso.
Viro as costas ao Enzo para que não veja os meus olhos encherem-se de lágrimas.
– Obrigada.
Obrigada por nada. Obrigada por me abandonares quando a minha vida está em ruínas.
O Brock desliga e eu fico com o telemóvel encostado ao ouvido, lutando para não deixar as lágrimas cair. Estou totalmente lixada. A Wendy tramou-me brilhantemente para arcar com as culpas pelo homicídio de um homem que nunca sequer conheci.
– Millie. – A mão grande do Enzo pousa no meu ombro. –O que aconteceu? O que disse?
Limpo os olhos antes de me virar.
– Disse que a polícia encontrou resíduos de pólvora nas roupas que levaram do meu cesto da roupa suja.
O Enzo assente.
– Se se disparar um cartucho vazio, fica-se na mesma com resíduos de pólvora nas roupas.
Enterro o rosto nas mãos.
– O Brock diz que provavelmente obtiveram um mandado para a minha detenção, ou fá-lo-ão em breve. O que vou eu fazer?
– Não vou desistir – diz, agarrando-me pelos ombros. –Entendes? Aconteça o que acontecer, não vou desistir. Vou libertar-te.
Acredito que o diz a sério. Mas não creio que seja capaz de me tirar desta confusão. Se me prenderem, acabou-se. Deixarão de procurar o verdadeiro assassino. Tudo me será imputado, e parecem ter um caso forte. Resíduos de pólvora nas minhas roupas, as minhas impressões digitais na arma do crime, e o porteiro pode testemunhar que eu estava no edifício aproximadamente à hora do homicídio.
Estou tão lixada.
– Quero ir a essa cabana no lago. – Olho para a morada rabiscada no guardanapo. – Quero encontrar esse sacana. Preciso de chegar ao fundo disto.
– Não fará nenhum bem.
– Não quero saber – rosno. – Quero vê-lo. Quero olhá-lo nos olhos e perguntar-lhe por que me fez isto. E, se a Wendy também lá estiver, quero...
O meu olhar encontra o do Enzo. Os seus olhos arregalam-se por um momento, e então corre para a cozinha e agarra no guardanapo com a morada antes que eu o possa alcançar. Amarrota-o na mão e segura-o sob o lava-loiça até a tinta se esvair.
– Não – diz com firmeza. – Não te vou deixar fazer algo estúpido.
– Tarde de mais – respondo. – Já memorizei o endereço.
– Millie! – fala com uma voz incisiva, de olhos arregalados. – Não vás à cabana. Não estás a pensar com clareza neste momento. Não fizeste nada de errado e não irás para a prisão a menos que lhes dês uma razão para te enviarem para lá!
– Estás enganado. – Ergo o queixo. – Vou para a prisão seja como for. Mais vale merecê-lo.
– Millie. – Enzo agarra-me o pulso com a sua grande mão. – Não te vou deixar fazer algo estúpido. Promete-me que não irás àquela cabana.
Olho-o fixamente.
– Promete-me. Não sairás daqui a menos que prometas.
Não me agarra com força suficiente para me magoar, mas com a necessária para eu não poder escapar. Está a esforçar-se tanto por me salvar de mim mesma. É querido. O Brock não se cansava de o dizer, mas o Enzo ama-me verdadeiramente. E acredito que, mesmo que eu seja presa, fará tudo o que puder para me libertar. Fará tudo o que puder para expor a verdade.
– Tudo bem – digo. – Não vou.
– Prometes?
– Prometo.
Solta-me o pulso. Dá um passo atrás, com ar lastimoso.
– E eu prometo que vou resolver isto.
Anuo. Deixei a minha bolsa no seu sofá e estendo agora a mão para a agarrar.
– Mais vale voltar para o meu apartamento e enfrentar a situação.
– Queres que vá contigo?
– Não. – Ponho a bolsa ao ombro. – Não quero que vejas quando me algemarem.
O Enzo estende os braços para mim. Dá-me um último beijo, que sinceramente quase basta para me permitir suportar um par de anos na prisão. Ninguém beija como este homem. O Brock não era certamente capaz de o fazer.
– Prometo – sussurra-me ao ouvido. – Não te deixarei voltar para a prisão.
Afasto-me, a tremer ligeiramente.
– Vou para casa agora.
Aperta-me a mão.
– Vou procurar-te um bom advogado. Arranjarei maneira de o pagar.
O seu pequeno estúdio está cheio de móveis do lixo, e mordo a língua para me impedir de dizer algo sarcástico.
– Vou ter saudades tuas.
– E eu tuas – responde-me.
– E... amo-te.
Não parecia certo quando o dizia ao Brock, mas parece certo agora. Não podia sair daqui sem lho dizer.
– Também te amo, Millie – diz. – Tanto.
Amo-o deveras. Sempre amei. E é por isso que odeio mentir-lhe.
Mas não o posso deixar saber que tenho as chaves do seu carro escondidas na minha bolsa.
Descobri-lo-á em breve.
QUARTA PARTE
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WENDY
Q Russell e eu estamos a celebrar com uma garrafa de champanhe.
Apesar de ser um pouco arriscado, trouxe-me para a sua cabana no lago para fugir ao enorme número de jornalistas acampados em frente ao apartamento e à casa em Long Island. Tecnicamente, esta cabana pertence à Marybeth e, quando a deixar, voltará a ser dela. Mas não faz mal, pois sou agora mais rica do que nos meus sonhos mais loucos. Sou rica para lá de toda a compreensão humana. Não preciso desta pequena cabana de dois quartos.