– Os Garrick. Vinte A.
– Ah! – pisca-me o olho. – A penthouse.
Oh, fantástico – uma família penthouse. Por que me dou sequer ao trabalho?
Depois de ligar para cima para confirmar a minha entrevista, o porteiro tem de entrar no elevador e introduzir uma chave especial para eu poder subir à penthouse. Depois de as portas do elevador se fecharem, faço um rápido inventário à minha aparência. Aliso o meu cabelo louro, que prendi atrás num puxo simples. Trago o meu melhor par de calças pretas e um colete de malha. Começo a ajeitar o peito, mas então reparo que há uma câmara no elevador e prefiro não proporcionar um espetáculo ao porteiro.
As portas do elevador abrem diretamente para o átrio da penthouse dos Garrick. Ao sair, respiro fundo e quase consigo cheirar a riqueza no ar. É uma combinação de água de colónia cara e notas de cem dólares novas. Por um momento, fico no átrio, sem saber muito bem se me devo aventurar sem ser formalmente recebida, pelo que, ao invés, foco a minha atenção num pedestal branco exibindo uma estátua cinzenta que é essencialmente apenas uma grande pedra vertical lisa – do tipo que se poderia encontrar em qualquer parque da cidade. Ainda assim, provavelmente vale mais do que tudo o que alguma vez tive no mundo.
– Millie? – oiço uma voz segundos antes de um homem se materializar no átrio. – Millie Calloway?
Foi o Sr. Garrick quem me convidou para a entrevista de hoje. É invulgar ser contactada pelo homem da casa. Quase 100% dos meus principais empregadores no ramo das limpezas têm sido mulheres. Mas o Sr. Garrick parece ansioso por me cumprimentar. Entra apressadamente no átrio com um sorriso nos lábios, de mão já estendida.
– Senhor Garrick? – pergunto.
– Por favor – diz ao deslizar a sua mão forte para a minha –, trate-me por Douglas.
Douglas Garrick parece exatamente o tipo de homem que se esperaria que vivesse numa penthouse no Upper West Side. Está no início dos quarenta e é atraente naquele estilo clássico, cinzelado. Veste um fato que parece extremamente caro e tem o cabelo castanho-escuro lustroso e habilmente cortado e arranjado. Os seus profundos olhos castanhos são astutos e estabelecem precisamente a medida certa de contacto visual com os meus.
– Prazer em conhecê-lo... Douglas – digo.
– Muito obrigado por ter vindo hoje – Douglas Garrick sorri com gratidão enquanto me conduz à ampla sala de estar. – Geralmente, é a minha mulher, a Wendy, quem trata das tarefas domésticas. Orgulha-se de tentar fazer tudo sozinha, mas não se tem sentido bem, por isso insisti em arranjar alguma ajuda.
A sua última afirmação parece-me estranha. Normalmente, as mulheres que vivem em apartamentos enormes como este não «tentam fazer tudo» sozinhas. Por regra, têm criadas para as criadas.
– Claro – respondo. – Disse que procurava alguém para
cozinhar e limpar...?
Anui.
– As tarefas domésticas gerais, como limpar o pó, arrumar e, claro, tratar da roupa. E preparar as refeições algumas noites por semana. Acha que isso seria um problema?
– De modo algum – estou disposta a aceitar praticamente tudo. – Há muitos anos que limpo apartamentos e casas. Posso trazer os meus próprios produtos de limpeza e...
– Não, isso não será necessário – interrompe-me Douglas. – A minha mulher... A Wendy é muito exigente em relação aos produtos de limpeza. É sensível aos cheiros, sabe? Desencadeiam os seus sintomas. Tem de usar os nossos produtos de limpeza especiais, caso contrário...
– Com certeza – assinto. – Como quiser.
– Maravilhoso. – Os seus ombros relaxam. – E precisaríamos que começasse de imediato.
– Não há problema.
– Ótimo, ótimo – Douglas sorri, apologético. – Porque, como pode ver, esta casa está a modos que uma confusão.
Ao entrar na sala de estar, assimilo o que me rodeia. Tal como o resto do edifício, este apartamento faz-me sentir como se tivesse sido transportada para o passado. Salvo o deslumbrante sofá de cabedal, a maioria da mobília parece ter sido construída há centenas de anos e depois cristalizada no tempo para ser especialmente transportada para esta sala de estar. Se soubesse mais sobre decoração de interiores, talvez fosse capaz de identificar que a mesa de café foi talhada à mão no início do século XX ou que a estante com as portas de vidro veio, sei lá, do período do revivalismo neoclássico francês ou algo assim. Tudo o que sei dizer ao certo é que cada peça custou uma pequena fortuna.
E outra coisa que sei é que este apartamento não está uma confusão. Está o oposto disso. Se começasse a limpar, nem sei bem o que faria. Precisaria de um microscópio para encontrar uma partícula de pó.
– Posso começar quando quiser – digo cuidadosamente.
– Fantástico – responde Douglas, acenando em aprovação. – Apraz-me muito ouvir isso. Porque não nos sentamos para podermos conversar mais a fundo?
Sento-me ao lado de Douglas no sofá modular, afundando-me no cabedal macio. Oh, meu Deus, é a coisa mais agradável que alguma vez senti contra a minha pele. Podia deixar o Brock e casar antes simplesmente com este sofá e todas as minhas necessidades seriam satisfeitas.
O Douglas fita-me atentamente com os seus olhos profundos sob um par de densas sobrancelhas castanho-escuras.
– Fale-me de si, então, Millie.
Aprecio que, desde o início, não tenha havido qualquer indício de sedução na sua voz. Os seus olhos mantêm-se respeitosamente fixos nos meus e não descem para os meus seios ou pernas. Só por uma vez me envolvi com o meu patrão e nunca, nunca, mais volto a seguir por esse caminho. Preferia arrancar os meus próprios dentes com um alicate.
– Bem – pigarreio. – Atualmente, ando na faculdade comunitária. Planeio tornar-me assistente social, mas entretanto trabalho para pagar os estudos.
– Isso é admirável – sorri, mostrando uma fila de dentes brancos e direitos. – E tem experiência a cozinhar?
Aquiesço.
– Cozinhei para muitas das famílias para quem trabalhei. Não sou profissional, mas tive algumas aulas. Além disso... – olho em redor, incapaz de ver quaisquer brinquedos ou sinais de que viva aqui uma criança. – Tomo conta de crianças.
O Douglas estremece.
– Isso não será necessário.
Retraio-me, amaldiçoando a minha grande boca. Não falou em cuidar de crianças. Provavelmente, fiz-lhe lembrar alguns horríveis problemas de infertilidade.
– Desculpe – peço.
Encolhe os ombros.
– Não faz mal. Que tal uma visita guiada?
A penthouse dos Garrick envergonha o mega apartamento de Amber. É uma espécie completamente diferente de apartamento. A sala de estar é, pelo menos, do tamanho de uma piscina olímpica. Ao canto, há um bar com meia dúzia de bancos vintage instalados à volta. Apesar do tema antiquado da sala de estar, a cozinha tem todos os eletrodomésticos mais recentes, incluindo, estou certa, o melhor desidratador do mercado.
– Deve ter aqui tudo o que precisa – diz-me Douglas, varrendo com a mão a vasta extensão da cozinha.
– Parece perfeito – respondo, cruzando os dedos para que o forno traga algum tipo de manual que explique o que faz cada um dos mais de vinte botões no mostrador.
– Excelente – diz. – Agora, deixe-me mostrar-lhe o segundo andar.
Segundo andar?
Os apartamentos em Manhattan não têm dois andares. Mas, aparentemente, este tem. Douglas leva-me numa visita guiada ao andar de cima, mostrando-me pelo menos meia dúzia de quartos. O quarto principal é tão grande que preciso de uns binóculos para ver a cama king sise na outra ponta do espaço. Há uma divisão inteiramente de livros, que me faz vagamente recordar aquela cena de A Bela e o Monstro em que a Bela é levada à biblioteca. Outra divisão parece incluir uma parede cheia de almofadas. Suponho que seja o quarto das almofadas.
Depois de me levar a uma divisão que contém o que deve ser uma lareira artificial, e em que uma das paredes é toda ela uma enorme janela com uma vista arrebatadora do horizonte de Nova Iorque, chegamos a uma derradeira porta. Hesita, o punho erguido para bater.