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– Brock... – digo.

– Está bem, está bem – revira os olhos. – Olha, não te quero pressionar. Se não estás pronta para ir viver comigo, tudo bem. Mas, para que conste, acho que fazemos uma boa equipa. E, seja como for, já passas metade das tuas noites em minha casa, certo?

– Ahã – respondo, o mais evasivamente possível.

– Além do mais... – mostra-me os seus dentes brancos. – Os meus pais gostariam de te conhecer.

Pronto, agora vou ter de vomitar. Apesar de me andar a importunar para ir viver com ele, mesmo assim, não me passou pela cabeça que tivesse falado de mim aos pais. Mas é claro que falou. Provavelmente, liga-lhes uma vez por semana, aos domingos às oito da noite, para os pôr a par de todos os pormenores pertinentes da sua vida perfeita.

– Oh! – digo debilmente.

– E eu também gostaria de conhecer os teus – acrescenta.

Esta seria uma excelente altura para lhe dizer que estou de relações cortadas com os meus pais. Mas as palavras não saem.

É tão difícil. O último tipo com quem namorei sabia tudo sobre mim desde o início, por isso nunca tive de revelar o meu passado complicado – nunca houve um momento aterrador de pôr as cartas todas na mesa. E, como disse, o Brock é tão... perfeito.

As únicas coisas que não são perfeitas nele são pequenos pormenores insignificantes, como quando deixou o tampo da sanita levantado no meu apartamento. E mesmo isso é algo que só fez uma vez.

O problema do Brock é que está pronto para assentar. E eu, apesar de ter a mesma idade, ainda não cheguei a esse ponto. Além de que não quer esperar. Tem um ótimo emprego na melhor sociedade de advogados e ganha mais do que o suficiente para sustentar uma família. Apesar de a sua última visita ao cardiologista lhe ter passado um atestado de boa saúde, preocupa-o não chegar à longevidade expectável para um homem caucasiano neste país. Quer casar e ter filhos enquanto ainda os pode apreciar.

Eu, entretanto, sinto-me como se ainda estivesse em processo de crescimento. Ainda estudo, afinal. Não estou pronta para casar. Simplesmente... não posso.

– Está tudo bem. – Por um momento, para de caminhar e encara-me. Um homem que vinha a andar atrás de nós quase colide connosco e pragueja ao seguir o seu caminho. – Não te quero apressar. Mas preciso que saibas que sou louco por ti, Millie.

– Eu também sou louca por ti – respondo.

Toma-me as duas mãos nas suas enquanto me olha nos olhos.

– Na verdade, a modos que te amo.

O meu coração acelera um pouco. Já antes o tinha ouvido dizer que era louco por mim, mas nunca que me amava. Mesmo com um «a modos que» como atenuante.

Abro a boca, sem saber muito bem o que vou dizer. Mas, antes que quaisquer palavras possam sair, tenho aquela sensação de formigueiro na nuca.

Porque me sinto como se estivesse alguém a observar-me? Estarei a perder o juízo?

– Bem – acabo por responder. – Isso é a modos que querido.

Não estou pronta para também o dizer. Não posso dar esse próximo passo na nossa relação quando há tanto sobre mim que o Brock ainda não sabe. Felizmente, não insiste no assunto.

– Anda – diz antes. – Vamos comer sushi.

A dada altura, provavelmente também terei de lhe dizer que não gosto de sushi.

6

É o meu primeiro dia a trabalhar para os Garrick.

Douglas já disse ao porteiro para me deixar entrar e deixou-me uma cópia da chave para eu poder introduzi-la na ranhura do elevador, que range e geme ao subir os vinte andares. Bem, dezanove. Apesar de o apartamento ser o Vinte A, o prédio não tem décimo terceiro andar. Nada de azar por aqui.

As engrenagens do elevador param com um guincho estridente ao chegar ao meu destino. Mais uma vez, as portas abrem-se para o impressionante apartamento dos Garrick. Apesar de Douglas dizer que vão precisar dos meus serviços várias vezes por semana, o apartamento mal parece necessitar. Tem pó, como todos os apartamentos da cidade, mas, fora isso, está relativamente arrumado.

– Olá? – chamo. – Douglas?

Ninguém responde.

– Senhora Garrick? – tento novamente.

Entro na sala de estar, que mais uma vez me faz sentir como se estivesse numa casa de há um ou dois séculos. Jamais seria capaz de pagar uma única peça desta mobília antiga, mesmo que gastasse todas as minhas poupanças. A maior parte da minha própria mobília veio do passeio à entrada do meu prédio.

Dirijo-me à cornija que está posicionada sobre o que deve ser uma falsa lareira. Há cerca de meia dúzia de fotografias alinhadas. Todas mostram Douglas Garrick e uma mulher magra como um palito de longos cabelos acobreados. Numa estão numa pista de esqui, noutra posam em traje formal, e noutra ainda estão diante do que parece ser uma gruta. Estudo a mulher, provavelmente Wendy Garrick. Pergunto-me se a irei conhecer em breve ou se ficará trancada naquele quarto de cada vez que eu cá vier. Não tenho nenhum problema com isso, contudo – já tive muitos clientes a quem nunca pus a vista em cima durante todo o tempo em que tratei das limpezas.

Um forte baque ecoa no andar de cima e eu afasto-me da cornija com um salto. Não quero que ninguém pense que estava a bisbilhotar. Essa não seria decididamente uma boa apresentação a Wendy Garrick.

Distancio-me da cornija, olhando para o fundo das escadas. Não está ninguém na escadaria e não oiço passos. Não parece que venha aí alguém.

Decido começar a tratar da roupa. Douglas indicou-me o cesto de vime onde guardam a roupa suja no quarto principal. Assim que a máquina estiver a lavar, posso começar a dedicar-me a algumas das outras tarefas.

Subo os degraus de madeira polida até ao enorme quarto principal. No quarto de vestir, encontro o grande cesto de vime que Douglas me mostrou no outro dia. Mas, ao abrir o cesto da roupa suja, fico estupefacta.

No tempo que levo a tratar da roupa de outras pessoas, já vi muitas coisas loucas. Vi roupa que não chegava propriamente ao cesto da roupa suja, ficando antes espalhada num círculo à sua volta. Vi todo o tipo de manchas, de chocolate a óleo, passando por algumas que estou bastante certa de que eram de sangue. Mas nunca tinha visto isto antes.

Toda a roupa suja está dobrada.

Por um momento, fico a olhar para ela, tentando perceber se entendi mal. Talvez esta roupa já tenha sido lavada e precise de ser arrumada. Por que haveria a roupa suja de estar dobrada?

Mas este é o cesto que Douglas me mostrou. Por isso tenho de presumir que é de roupa suja que se trata.

Agarro no cesto e saio do quarto principal. Quando vou a descer o corredor em direção às máquinas de lavar e de secar, percebo que a porta do quarto de hóspedes está entreaberta.

– Senhora Garrick? – chamo.

Semicerro os olhos à fresta da porta. Consigo apenas vislumbrar um olho verde. A olhar-me fixamente.

– Sou a Millie – começo a erguer a mão quando percebo que tal não vai ser possível enquanto seguro no cesto da roupa suja, por isso pouso-o. – A sua nova empregada de limpeza.

Começo a dirigir-me à porta, de mão estendida, mas antes de conseguir chegar sequer a meio do caminho, a fresta aberta desaparece. A porta fechou-se de chofre.

Muito bem...

Compreendo que algumas pessoas não são propriamente sociáveis e não gostam sobretudo de o ser com o pessoal das limpezas. Mas não podia ao menos ter dito olá? Só para eu não ficar aqui especada no meio do corredor, constrangida?

Por outro lado, é a casa dela. E Douglas disse-me que tem uma doença. Portanto não a vou coagir a vir conhecer-me.

Seria assim tão terrível, porém, se eu lhe batesse à porta e apenas lhe dissesse o meu nome?

Mas não – Douglas disse-me para não a incomodar. Por isso não o farei. Vou acabar de tratar da roupa, fazer-lhes o jantar e depois vou à minha vida.

7

Depois de pôr a roupa a lavar e de dar uma ligeira arrumação ao andar de cima (embora, devo admitir, não haja muito que fazer), desço à cozinha para tratar do jantar.