Jack virou-se furiosamente.
— Cale a boca!
Porquinho ficou quieto. Ralph pegou a concha e olhou em volta para o círculo de meninos.
— Precisamos de gente só para cuidar do fogo. Qualquer dia pode aparecer um navio — fez um gesto com o braço, abarcando o tenso limite do horizonte — e se tivermos um sinal eles virão nos resgatar. E outra coisa. Devemos ter mais regras. Onde a concha estiver pode sempre haver reunião. Aqui em cima ou lá embaixo.
Assentiram. Porquinho abriu a boca para falar, percebeu o olhar de Jack e desistiu. Jack estendeu a mão para a concha e se levantou, segurando cuidadosamente o delicado objeto nas palmas cobertas de fuligem.
— Concordo com Ralph. Precisamos ter regras e obedecer a elas. Afinal, não somos selvagens. Somos ingleses e os ingleses são melhores em tudo. Logo, precisamos fazer as coisas certas.
Virou-se para Ralph.
— Ralph... vou dividir o coro... meus caçadores, isto é... em grupos. E seremos responsáveis pela manutenção do fogo...
A generosidade fez irromper uma chuva de aplausos dos meninos; Jack sorriu para eles, depois sacudiu a concha, pedindo silêncio.
— Vamos deixar o fogo apagar agora. Afinal, quem vai ver fumaça no escuro? E podemos acender a fogueira de novo quando quisermos. Contraltos podem cuidar da fogueira esta semana; sopranos, na semana que vem...
O grupo concordou, gravemente.
— E nós seremos responsáveis também pelo trabalho de vigia. Se virmos um navio lá — seguiram com o olhar a direção apontada pelo braço ossudo —, colocaremos galhos verdes na fogueira. Então, haverá mais fumaça.
Todos olharam atentamente para o denso azul do horizonte, como se uma pequena silhueta pudesse aparecer ali a qualquer momento.
No oeste, o sol era uma gota de ouro ardente que decaía mais e mais para perto do umbral do mundo. De repente, todos perceberam que a noite era o fim da luz e do calor.
Roger pegou a concha e olhou em volta, sombriamente.
— Estive olhando o mar. Não há sinal de barco. Talvez nunca sejamos salvos.
Um murmúrio levantou-se e logo se extinguiu. Ralph pegou a concha.
— Eu disse antes que algum dia nos acharão. Só teremos de esperar; mais nada.
Um audaz e indignado Porquinho pegou a concha.
— Foi isso que eu disse! Eu falei das reuniões e outras coisas, então me mandaram calar a boca...
Ergueu a voz num tom queixoso de virtuosa recriminação. Os meninos se agitaram e começaram a gritar contra ele.
— Vocês disseram que queriam fazer uma fogueirinha e acabaram fazendo uma pilha parecida com um monte de feno. Se eu tento falar qualquer coisa — gritou Porquinho, com amargo realismo —, dizem para eu calar a boca; mas se fosse Jack ou Maurice ou Simon...
Fez uma pausa em meio ao tumulto, de pé, olhando para além deles e para baixo, lá onde ficava a encosta inimiga da montanha e a grande mancha em que haviam achado a madeira. Então, riu tão estranhamente que todos se calaram, olhando espantados para o brilho dos óculos dele. Seguiram seu olhar para descobrir a piada irônica.
— Vocês acabaram conseguindo uma fogueirinha.
Fumaça subia aqui e ali entre as trepadeiras que engrinaldavam as árvores mortas ou moribundas. Enquanto olhavam, uma faísca de fogo apareceu na raiz de um arbusto e, então, a fumaça se adensou. Pequenas chamas moveram-se pelo corpo de uma árvore e avançaram através de folhas e mato, dividindo-se e aumentando. Uma brasa tocou um tronco de árvore e subiu por ele como um esquilo serelepe. A fumaça aumentou, separou-se, formou-se em ondas. O esquilo saltou nas asas do vento e agarrou-se em outra árvore ereta, devorando-a inteira. Sob a escura abóbada de folhas e fumaça, o fogo agarrou-se à floresta e começou a roê-la. Acres de fumaça negra e amarela rolaram firmemente rumo ao mar. Ante a visão das chamas e da irresistível caminhada do fogo, os meninos irromperam em vivas agudos e excitados. Como uma espécie de animal selvagem, as chamas rastejaram, tal um jaguar rastejando sobre o ventre, rumo a uma linha de brotos semelhantes a bétulas que bordejavam uma saliência da rocha rosada. Saltaram para a primeira das árvores e os galhos mostraram uma breve folhagem de fogo. O coração da chama pulou agilmente através da distância entre as árvores e então balançou e brilhou por toda a fileira. Sob os meninos que davam saltos, meio quilômetro quadrado de floresta era uma fúria selvagem de fumaça e chamas. Os ruídos do fogo fundiram-se num só como um rufar de tambores que parecia abalar a montanha.
— Pronto, aí está a fogueirinha.
Espantado, Ralph percebeu que os meninos estavam ficando parados e quietos, sentindo um começo de medo ante o poder desencadeado abaixo deles. A compreensão disso e o medo enfureceram-no.
— Ora, cale a boca!
— Estou com a concha — disse Porquinho, ferido. — Tenho direito de falar.
Olharam-no com olhos onde só havia desinteresse, os ouvidos atentos para o rufar de tambores do fogo. Porquinho relanceou a vista nervosamente pelo inferno e abraçou a concha.
— Temos que deixar queimar tudo, agora. E essa era a nossa lenha.
Lambeu os lábios.
— Não podemos fazer nada. Deveríamos ter mais cuidado. Estou com medo...
Jack tirou os olhos do fogo.
— Você está sempre com medo. Não é... Gordinho?
— Eu estou com a concha — disse Porquinho debilmente. Virou-se para Ralph. — Eu estou com a concha, não é, Ralph?
Contra a vontade, Ralph deixou de olhar a esplêndida e terrível cena.
— O que foi?
— A concha. Tenho direito de falar.
Os gêmeos riram juntos.
— Queríamos fumaça...
— Vejam agora...
Uma fumaceira estendia-se a quilômetros de distância da ilha. Todos os meninos, menos Porquinho, começaram a rir; logo, estavam explodindo em gargalhadas.
Porquinho perdeu a paciência.
— Eu estou com a concha! Escutem! A primeira coisa que deveríamos ter feito eram abrigos lá na praia. Lá não faz nem metade do frio à noite. Mas bastou Ralph dizer “fogueira” para todos saírem uivando e gritando montanha acima. Como um bando de crianças!
Agora, todos estavam ouvindo a tirada.
— Como esperam ser salvos se não fazem primeiro o que tem de ser feito primeiro e não agem certo?
Tirou os óculos e fez um gesto como se fosse largar a concha, mas o súbito avanço da maioria dos meninos maiores para ela fez com que mudasse de ideia. Enfiou a concha embaixo do braço e encostou-se numa pedra.
— Então, quando chegaram aqui, fizeram uma fogueira inútil. Tudo que conseguiram foi pôr fogo na ilha. Não seria engraçado se a ilha inteira pegasse fogo? Frutas cozidas é o que teríamos para comer, além de porco queimado. E não é nada engraçado! Vocês disseram que Ralph era o chefe e não lhe deram tempo para pensar. Daí, quando ele disse uma coisa, vocês saíram correndo como, como...
Fez uma pausa para ganhar fôlego e o fogo grunhiu para eles.
— E não é tudo. Os meninos. Os pequenos. Quem tomou conta deles? Quem sabe quantos eram?
Ralph, de repente, deu um passo em frente.
— Eu lhe disse. Eu lhe disse para fazer uma lista de nomes!
— Como eu podia fazer? Sozinho? — gritou Porquinho, indignado. — Ficaram ali uns dois minutos. Depois, caíram no mar, entraram pela floresta, espalharam-se por toda parte. Como eu podia saber quem era quem?