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Defrontaram-se na praia brilhante, espantados com aquele choque de personalidades. Ralph afastou os olhos primeiro, fingindo estar interessado num grupo de pequenos na areia. Além da plataforma, vinham os gritos dos caçadores na “piscina”. Na ponta da plataforma, Porquinho estava deitado, olhando para a água brilhante.

— As pessoas não ajudam muito.

Ralph queria dizer que as pessoas nunca eram bem o que se pensava delas.

— Simon. Ele ajuda. — Apontou para os abrigos.

— Os outros saíram correndo. Ele fez tanto quanto eu. Só...

— Simon está sempre disposto.

Ralph dirigiu-se para as cabanas, ao lado de Jack.

— Ajudarei um pouco — resmungou Jack —, antes de tomar banho.

— Não precisa.

Mas quando chegaram aos abrigos, Simon não estava à vista. Ralph olhou pelo buraco e depois virou-se para Jack.

— Ele se mandou.

— Vou comer alguma coisa — disse Jack —, e tomar banho.

Ralph franziu a testa.

— Ele é um menino estranho. E engraçado.

Jack confirmou, mais pelo desejo de concordar com alguma coisa e, por consentimento tácito, afastaram-se do abrigo e foram para a “piscina”.

— E depois — disse Jack —, quando eu tiver tomado banho e comido algo, irei até o outro lado da montanha, para ver se consigo descobrir alguma pista. Vem?

— Mas o sol está quase se pondo!

— Terei tempo...

Andavam juntos: dois mundos de experiências e sentimentos, incapazes de se comunicar.

— Se eu pelo menos pegasse um porco!

— Vou voltar e continuar a fazer o abrigo.

Entreolharam-se, desconcertados, com amor e ódio. Toda a quente água salgada da “piscina”, os gritos, os risos e as esguichadas de água foram apenas suficientes para uni-los novamente.

Simon, que eles esperavam encontrar ali, não estava na “piscina”.

Quando os outros dois haviam corrido para a praia a fim de olhar a montanha, ele os seguira por uns poucos metros, mas logo parou. Com a testa franzida, ficara de pé, olhando para um monte de areia na praia, onde alguém tentara construir uma casinha, uma cabana. Então, virou as costas e entrou na floresta, com ar decidido. Era um menino baixo e magro, com queixo pontudo e olhos tão brilhantes que haviam enganado Ralph, fazendo-o acreditar que fosse alguém deliciosamente alegre e travesso. O desgrenhado monte de cabelo preto era comprido e caía, quase escondendo uma testa larga e baixa. Vestia os restos de uma calça curta e seus pés estavam nus como os de Jack. Quase moreno de cor, Simon se queimara até ficar de um bronzeado escuro, que brilhava com o suor.

Avançou escarpa acima, passou pela grande rocha onde Ralph subira na primeira manhã; depois, virou para a direita, internando-se pelas árvores. Andava com passo seguro através da área de árvores frutíferas, onde os mais acomodados podiam encontrar alimentação fácil, embora insatisfatória. Flores e frutos cresciam juntos na mesma árvore e, por toda parte, havia o cheiro de coisas maduras e o zumbido de um milhão de abelhas. Os pequenos que haviam corrido atrás dele alcançaram-no ali. Conversaram, gritaram coisas confusas, empurraram-no para as árvores. Então, entre o barulho das abelhas ao sol da tarde, Simon pegou os frutos que eles não conseguiam alcançar, descobriu os melhores por entre a folhagem, passou-os para as mãos infinitamente estendidas. Quando os satisfez, fez uma pausa e olhou em torno. Os pequenos observavam-no inescrutavelmente por entre punhados duplos de frutas maduras.

Simon virou-se e se afastou, indo até onde o levou o caminho menos perceptível. Logo a floresta virgem fechou-se. Altos troncos mostravam inesperadas flores pálidas até a abóbada escura, onde a vida continuava o seu clamor. O ar também era escuro ali e as trepadeiras deixavam cair suas lianas como o cordame de navios afundados. Os pés de Simon deixavam marcas no chão macio e as trepadeiras, quando ele as tocava, tremiam de cima abaixo.

Afinal, chegou a um lugar onde batia mais sol. Sem precisar alcançar mais longe em busca de luz, as trepadeiras formavam um grande tapete que ficava do lado de uma clareira na mata. Ali, um afloramento da rocha fechava a superfície e não permitia que nada mais crescesse, além de pequenas plantas e samambaias. Todo o espaço era cercado por arbustos escuros e aromáticos: era como se fosse um recipiente cheio de luz e calor. Uma grande árvore tombada num canto inclinava-se contra as ainda eretas e uma ágil trepadeira distribuía flores vermelhas e amarelas até sua copa.

Simon parou. Olhou por sobre o ombro, como Jack fizera nos caminhos que se fechavam por trás dele, e deu uma olhada rápida em volta para confirmar que estava completamente só. Por um instante, seus movimentos foram quase furtivos. Então, inclinou-se e rastejou para o centro do tapete. As trepadeiras e os arbustos estavam tão cerrados — seu suor ficou neles — que se fecharam após sua passagem. Quando ficou a salvo no meio, encontrou-se numa pequena cabana, separada da clareira por poucas folhas. Agachou-se, afastou as folhas e olhou para a clareira. Nada se movia a não ser um par de irisadas borboletas que dançava em círculos no ar cálido. Prendendo a respiração, ficou atento aos sons da ilha. A noite avançava; rareavam os sons dos fantásticos pássaros brilhantes, os zumbidos das abelhas, e até os gritos das gaivotas que voltavam aos seus abrigos entre as pedras quadradas. As ondas do mar aberto quebrando-se, a quilômetros de distância, no recife, faziam um acompanhamento menos perceptível que o sussurro do sangue.

Simon deixou cair a cortina de folhas. A inclinação das franjas da luz cor de mel diminuiu; o sol deslizou pelos arbustos, passou sobre os botões semelhantes a velas verdes, moveu-se rumo à abóbada e, sob as árvores, a escuridão se acentuou. Com a diminuição da luz, as cores berrantes amorteceram e o calor e a premência se reduziram. Os botões-velas se mexeram. Suas sépalas verdes abriram-se um pouco e as pontas brancas das flores subiram delicadamente ao encontro do ar livre.

Agora, a luz do sol subira, abandonando a clareira, retirando-se do céu. A escuridão dominava, submergindo os caminhos entre as árvores, tornando-os vagos e estranhos como o fundo do mar. Os botões-velas abriram suas grandes flores brancas que brilharam sob a luz que caía, imprecisa, das primeiras estrelas. E o cheiro espalhou-se pelo ar e tomou posse da ilha.

4

Caras pintadas e cabelos compridos

O primeiro ritmo a que se acostumaram foi a lenta passagem da alvorada ao rápido crepúsculo. Aceitaram os prazeres da manhã, o sol brilhante, o mar que subia pela praia e o ar leve, como um período em que brincar era ótimo e a vida tão cheia que a esperança era desnecessária e até esquecida. Por volta do meio-dia, à medida que torrentes de luz caíam perpendicularmente, as cores puras da manhã eram suavizadas com tons de pérola e opalinos. O calor — como que impelido pelo peso ameaçador do sol — tornava-se um golpe a que eles se esquivavam, correndo para a sombra e ficando ali deitados, até dormindo, talvez.

Coisas estranhas aconteciam ao meio-dia. O mar cintilante subia, separava-se em planos ruidosos de mistério. O recife de coral e as poucas e raquíticas palmeiras que ficavam nas partes mais altas flutuavam no céu, tremulavam, desarraigavam-se, corriam como gotas de chuva sobre um fio ou se repetiam numa insólita sucessão de espelhos. Às vezes, surgia terra onde não havia terra, irrompendo ante os olhos dos meninos como uma bolha de ar. Porquinho descartava tudo isso, falando doutoralmente sobre “miragens”; como nenhum menino podia chegar nem mesmo até o recife, à faixa de água onde esperavam tubarões vorazes, eles se acostumaram com esses mistérios e os ignoravam, da mesma forma que ignoravam as milagrosas e palpitantes estrelas. Ao meio-dia, as ilusões se fundiam no céu e então o sol espiava para baixo como um olho irado. Contudo, no fim da tarde, as miragens desapareciam e o horizonte tornava-se mais nivelado, azul e nítido, à medida que o sol declinava. Era outro período de frescor relativo, embora ameaçado pela chegada da escuridão. Quando o sol se punha, as trevas caíam sobre a ilha como uma mortalha e logo os abrigos ficavam cheios de inquietação, sob as remotas estrelas.