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Entretanto, a tradição norte-europeia de trabalho, diversão e refeições a determinadas horas do dia não permitia que se ajustassem completamente a esse novo ritmo. O pequeno Percival, no começo, enfiara-se num abrigo, ficando ali durante dois dias, falando, cantando e chorando. Pensaram que ele estava maluco, o que era meio engraçado. Desde então, era doentio, vivia de olhos vermelhos e sentia-se miseráveclass="underline" um menininho que brincava pouco e chorava muito.

Os meninos menores eram conhecidos pelo nome genérico de “pequenos”. A escadinha do tamanho, de Ralph para baixo, era gradativa; embora houvesse uma região duvidosa habitada por Simon, Robert e Maurice, ninguém tinha qualquer dificuldade em reconhecer os grandes numa ponta e os pequenos na outra. Os indiscutivelmente pequenos, aqueles com cerca de seis anos, levavam uma vida própria bem diferente e, ao mesmo tempo, bem intensa. Comiam a maior parte do dia, pegando frutas onde as conseguiam alcançar e não ligavam muito para sua maturação ou qualidade. Agora estavam acostumados com dores de estômago e uma espécie de diarreia crônica. Sofriam horrores indizíveis no escuro e ficavam juntos para se consolar mutuamente. Além da comida e do sono, achavam tempo para brincar à vontade na areia branca à beira da água brilhante. Choravam com muito menos frequência por suas mães do que se poderia esperar; estavam bem queimados e terrivelmente sujos. Obedeciam às convocações da concha, em parte porque Ralph as fazia e era suficientemente grande para ser um elo com o mundo adulto da autoridade, e em parte porque gostavam da diversão que representava uma reunião. A não ser isso, raramente se incomodavam com os grandes e sua vida apaixonadamente emocional e associativa era bem própria deles.

Construíram castelos na areia, na margem do riacho. Esses castelos tinham uns trinta centímetros de altura e eram decorados com conchas, flores murchas e pedras escolhidas. Em volta dos castelos havia um complexo de marcos, caminhos, muralhas e estradas de ferro que só tinham significado se examinados ao nível da praia. Os pequenos brincavam aí. Se não estavam felizes, pelo menos sua atenção se absorvia. Frequentemente, pelo menos três deles brincavam da mesma coisa, ao mesmo tempo.

Estavam brincando agora — Henry era o maior deles. Também era parente distante de outro menino, aquele — o de sinal rubro no rosto — que nunca mais fora visto desde a noite da grande fogueira; mas Henry não tinha idade bastante para entender isso e, se lhe dissessem que o outro menino tinha ido para casa num avião, aceitaria o fato sem alvoroço e sem dúvidas.

Henry era uma espécie de líder nessa tarde, pois os outros dois eram Percival e Johnny, os menores meninos da ilha. Percival era terroso e nem sua mãe poderia achar que fosse muito atraente; Johnny era forte, de cabelo louro e beligerância inata. Só estava sendo obediente agora porque estava interessado. Os três meninos, ajoelhados na areia, estavam em paz.

Roger e Maurice saíram da floresta. Haviam sido substituídos no trabalho da fogueira e desceram para tomar banho de mar. Roger avançou diretamente sobre os castelos, chutando-os, enterrando as flores, espalhando as pedras escolhidas. Maurice seguiu-o, rindo, e ajudou na destruição. Os três pequenos pararam de brincar e ficaram olhando. Até então, os marcos particulares em que estavam interessados não haviam sido tocados, portanto não protestaram. Só Percival começou a choramingar, com um olho cheio de areia, e Maurice saiu correndo. Na sua vida anterior, Maurice fora castigado por encher de areia o olho de um menino menor. Embora ali não houvesse um pai para acertar-lhe uma mão pesada, Maurice ainda sentia uma sensação de malfeito. Na sua mente esboçaram-se as linhas de uma desculpa. Resmungou algo sobre nadar e partiu na corrida.

Roger ficou, olhando os menores. Não estava muito mais escuro do que quando chegara, mas o monte de cabelo preto que caía sobre a nuca e a testa parecia combinar com sua face sombria e tornava repulsivo algo naquele rosto que, à primeira vista, parecia deixar transparecer apenas um isolamento insociável. Percival parou de choramingar e voltou a brincar, pois as lágrimas haviam limpado a areia. Johnny olhou-o com olhos azul-porcelana. Depois, começou a jogar areia para cima, fazendo uma chuva, e Percival começou a chorar outra vez.

Quando Henry se cansou do brinquedo e se pôs a andar pela praia, Roger seguiu-o, permanecendo atrás das palmeiras, vagando casualmente na mesma direção. Henry andava a certa distância das palmeiras e da sombra, porque era pequeno demais para se preocupar com o sol. Avançou praia abaixo e se entreteve à beira da água. A grande maré do Pacífico estava subindo e a cada poucos segundos a água relativamente parada da lagoa subia um centímetro. Havia criaturas que viviam nessa última arremetida do mar, minúsculas transparências que saíam da água para vasculhar a areia quente e seca. Com impalpáveis órgãos sensoriais, examinavam esse novo campo. Talvez houvesse surgido comida onde não houvera nada na última incursão; excrementos de pássaros, insetos talvez, qualquer dos demais espalhados da vida terrestre. Como uma miríade de brancos dentes numa serra, as transparências recolhiam o lixo da praia.

Isso era fascinante para Henry. Cavoucou por ali com uma varinha que era levada de um lado para outro pelas ondas, desbotada e gasta, tentando controlar os movimentos dos limpadores da praia. Traçava pequenos arroios que a maré enchia e tentava povoá-los com as criaturas. Tornou-se absorvido além da mera felicidade, à medida que se sentia dominando coisas vivas. Falava com elas, estimulava-as, ordenava-as. A maré o fazia retroceder e suas pegadas tornavam-se baías onde as criaturas ficavam aprisionadas, o que lhe dava a ilusão da soberania. Agachou-se à beira do mar, inclinou a cabeça e um punhado de cabelo caiu-lhe sobre a testa, passando dos olhos. O sol da tarde disparava flechas invisíveis.

Roger também esperava. Primeiro escondera-se atrás de um grande tronco de palmeira, mas o interesse de Henry pelas transparências era tão óbvio que ele acabou saindo do esconderijo. Deu uma olhada pela praia. Percival fora embora, chorando, e Johnny ficara na posse triunfante dos castelos. Sentou-se ali, cantarolando para si mesmo e jogando areia num imaginário Percival. Além dele, Roger via a plataforma e as cintilações da água espadanada por Ralph, Simon, Porquinho e Maurice, que mergulhavam na piscina. Prestou atenção cuidadosamente, mas não distinguiu o que falavam.

Um vento súbito balançou as franjas das palmeiras, e as frondes mexeram-se e se agitaram. A 15 metros acima de Roger, um cacho de cocos, massas fibrosas grandes como bolas de rúgbi, soltaram-se de seus talos. Caíram na direção do menino com uma série de duros golpes, embora nenhum chegasse a atingi-lo. Roger não pensou em sair correndo, só olhou dos cocos para Henry e novamente para os cocos.

O solo sob as palmeiras era uma praia alta; gerações de palmeiras haviam trabalhado para suavizar as pedras que caíram nas areias de outra praia. Roger agachou-se, pegou uma pedra, mirou e a jogou em Henry — mas não para acertar. A pedra, uma relíquia de outros tempos, passou a uns cinco metros à direita de Henry e caiu na água. Roger pegou um punhado de pedras e começou a atirá-las. Mas havia um espaço ao redor de Henry, talvez com uns seis metros de diâmetro, em que ele não ousava acertar. Aí, invisível mas poderoso, surgia o tabu da vida antiga. Em volta do menino ajoelhado, havia a proteção dos pais, da escola, da polícia e da lei. O braço de Roger era condicionado por uma civilização que nada sabia dele e estava em ruínas. Henry espantou-se com os chapes na água, largou as transparências silenciosas e esticou a cabeça para o núcleo dos anéis concêntricos, como um cão de caça. As pedras caíam de um lado e do outro; Henry virava-se obedientemente, mas sempre tarde demais para ver as pedras no ar. Por fim, viu uma e riu, procurando o amigo que o estava provocando. Mas Roger escondera-se atrás do tronco da palmeira e se encostara a ele, respirando em ritmo acelerado, com os olhos piscando. Então, Henry perdeu o interesse nas pedras e foi embora.