O outro se ajoelhou.
— Acho que apagou.
Tirou as cinzas com os galhinhos que lhe foram colocados nas mãos.
— Não.
Deitou-se e pôs os lábios junto das brasas, soprando delicadamente. Seu rosto apareceu, iluminado de vermelho. Parou de soprar por um instante.
— Sam... dê-me...
— ...uma madeira boa de queimar.
Eric inclinou-se e soprou lentamente de novo até as brasas brilharem. Sam enfiou um pedaço de madeira no meio delas, depois um ramo inteiro. O brilho aumentou e o ramo pegou fogo. Sam empilhou outros galhos.
— Não queime tudo — disse Eric —, você está pondo madeira demais.
— Vamos nos esquentar.
— Precisamos pegar mais madeira.
— Estou com frio.
— Eu também.
— Além disso, está...
— ...escuro. Está certo.
Eric recuou de cócoras e ficou olhando Sam ativar a fogueira. Fez um anteparo de madeira e o fogo ficou aceso sem problemas.
— Foi por pouco...
— Ele estava...
— ...uma fera.
— É.
Por um momento, os gêmeos fixaram a fogueira em silêncio. Então, Eric deu uma risadinha abafada.
— Ele estava uma fera, não é?
— Por causa do...
— Fogo e do porco.
— Sorte que ele deu a bronca em Jack, e não na gente.
— É. Lembra do velho Fera na escola?
— Menino, aos-poucos-você-está-me-deixando-louco!
Os gêmeos compartilharam seu riso idêntico, depois se lembraram da escuridão e das outras coisas, ficaram olhando em volta, intranquilos. As chamas, presas no anteparo, atraíram novamente seus olhares. Eric observou os insetos da madeira que deslizavam por ela e eram tão freneticamente incapazes de evitar o fogo; pensou na primeira fogueira, ali mesmo, na encosta mais íngreme da montanha, onde agora estava totalmente escuro. Não gostou de pensar nisso e afastou o olhar do cimo da montanha.
O calor irradiava-se agora e os atingia agradavelmente. Sam brincava de enfiar galhos na fogueira, o mais perto possível. Eric estendeu as mãos abertas, tentando saber a que distância o calor era insuportável. Olhando preguiçosamente além da fogueira, refez mentalmente os contornos diurnos das rochas partidas, com base nas sombras planas. Ali estava a pedra grande, as outras três, a pedra fendida e, bem ali, havia um buraco, bem ali.
— Sam.
— Hem?
— Nada.
As chamas devoravam a madeira, as cascas retorciam-se e caíam, a resina explodia. O anteparo caiu para dentro e enviou um amplo círculo de luz por todo o cume da montanha.
— Sam...
— Hem?
— Sam! Sam!
Sam olhou irritado para Eric. A intensidade do olhar de Eric tornava terrível a direção para a qual olhava, pois Sam estava de costas para ela. Arrastou-se ao redor da fogueira, agachou-se junto a Eric e procurou ver. Estavam imóveis e abraçados, quatro olhos fixos e sem piscar, duas bocas abertas.
Bem embaixo deles, as árvores da floresta suspiraram, depois rugiram. O cabelo mexeu-se nas suas testas e as chamas passaram a soprar de um lado. Lá, de uns 15 metros de onde estavam, veio um barulho, o estalo do tecido se abrindo.
Nenhum deles gritou, mas o abraço ficou mais apertado e as bocas se abriram ao máximo. Por uns dez segundos, ficaram ali agachados, enquanto a fogueira oscilante lançava fumaça, centelhas e ondas de luz inconstante por sobre o cimo da montanha.
Então, como se tivessem uma só mente apavorada, desceram atropeladamente pelas rochas e fugiram.
Ralph sonhava. Adormecera após horas de agitação e voltas barulhentas entre as folhas secas. Nem mesmo os sons de pesadelo dos outros abrigos chegavam mais até ele, pois estava de volta ao lugar de que viera, alimentando os pôneis com açúcar por cima da cerca do jardim. Então, alguém sacudiu seu braço, dizendo que estava na hora do chá.
— Ralph! Ralph!
As folhas rugiam como o mar.
— Ralph, acorde!
— Que foi?
— Nós vimos...
— ...o bicho...
— ...de verdade!
— Quem são vocês? Os gêmeos?
— Nós vimos o bicho...
— Quietos. Porquinho!
As folhas rugiram de novo. Porquinho tropeçou nele e um gêmeo puxou-o pelo braço, quando ele tentou sair para o quadrilátero de estrelas pálidas.
— Você não pode sair, é horrível!
— Porquinho... onde estão as lanças?
— Posso ouvir o...
— Silêncio. Fique quieto!
Ficaram ali à escuta, primeiro em dúvida, depois com terror, ante a descrição que os gêmeos cochicharam, entre pausas de extremo silêncio. Logo a escuridão ficou cheia de garras, cheia do terrível desconhecido e de ameaças. Uma madrugada interminável apagou as estrelas e afinal a luz, triste e cinzenta, infiltrou-se na cabana. Começaram a se mexer, embora o mundo lá fora ainda fosse terrivelmente perigoso. O labirinto da escuridão dividia-se em próximo e distante e lá num ponto do céu as nuvenzinhas aqueceram-se de cor. Um solitário pássaro marinho levantou voo, com um grito áspero que ecoou, e alguma coisa guinchou na floresta. Agora, as faixas de nuvens perto do horizonte começavam a brilhar em tons rosados e as frondes emplumadas das palmeiras já se tornavam verdes.
Ralph ajoelhou-se na entrada da cabana e olhou cuidadosamente em volta.
— Sameeric. Chamem todos para uma reunião. Sem barulho. Vamos.
Os gêmeos, abraçados e trêmulos, ousaram cruzar os poucos metros até a cabana vizinha e espalharam a terrível notícia. Ralph ficou de pé e andou até a plataforma, por uma questão de dignidade, embora suas costas estivessem arrepiadas. Porquinho e Simon seguiram-no e os outros meninos vieram cautelosamente.
Ralph pegou a concha do assento e a levou aos lábios; hesitou e acabou não soprando. Ficou com ela na mão, mostrou-a para os outros e eles compreenderam.
Os raios do sol que há pouco subiam em leque desde o horizonte agora desciam à altura dos olhos. Ralph deu uma olhada para a crescente fatia de ouro que os iluminava pela direita e que parecia assim encorajá-los a falar. O círculo de meninos à sua frente ergueu as lanças de caça.
Estendeu a concha a Eric, o gêmeo mais próximo.
— Nós vimos o bicho com nossos olhos. Não... não estávamos dormindo...
Sam continuou a história. Como de costume, a concha servia ao mesmo tempo para os dois gêmeos, pois sua unidade fundamental era reconhecida.
— Era peludo. Havia algo se mexendo atrás da cabeça... asas. O bicho se mexia também...
— Foi horrível. Parecia se sentar...
— O fogo brilhava...
— Tínhamos acabado de acender...
— ...mais lenha nele...
— Tinha olhos...
— Dentes...
— Garras...
— Corremos o mais que pudemos...
— Tropeçando nas coisas...
— O bicho nos seguiu...
— Vi como corria atrás das árvores...