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— Jack, o bicho pode estar do outro lado. Pode ir na frente de novo. Você esteve lá.

— Podemos ir pela praia. Temos frutas ali.

Bill subiu até onde Ralph estava.

— Por que não podemos ficar aqui um pouco?

— Está certo.

— Vamos fazer um forte...

— Aqui não há comida — disse Ralph —, nem abrigo. Nem muita água fresca.

— Seria um forte espetacular.

— Podemos empurrar pedras...

— Bem na ponte...

— Eu disse: Vamos! — gritou Ralph furiosamente. — Precisamos ter certeza. Vamos já.

— Vamos ficar aqui...

— De volta para as cabanas...

— Estou cansado...

— Não!

Ralph estalou os nós dos dedos. Não doeu.

— Eu sou o chefe. Vamos ter certeza. Vocês não podem ver a montanha? Não há sinal de fumaça. Pode haver um navio, até dois, ao largo. Vocês perderam a cabeça?

Chateados, os meninos ficaram quietos ou resmungaram.

Jack encabeçou a descida, para além do istmo.

7

Sombras e árvores altas

A trilha de porcos corria perto dos montões de pedra que ficavam do outro lado à beira da água e Ralph estava contente por seguir Jack. Se pudesse fechar os ouvidos à lenta sucção do mar e à fervura do retorno, se conseguisse esquecer como eram sombrias e inexploradas as covas cobertas de samambaias, então teria uma chance de tirar o bicho da cabeça e sonhar um pouco. O sol já passara da vertical e o calor da tarde concentrava-se na ilha. Ralph enviou uma mensagem para Jack e quando chegaram a um lugar de árvores frutíferas, o grupo todo parou e comeu.

Sentado, Ralph notou o calor pela primeira vez nesse dia. Puxou com raiva a camisa cinza e imaginou se se aventuraria a lavá-la. Sentado sob o que lhe parecia um calor insólito, mesmo para a ilha, Ralph planejou sua toalete. Gostaria de ter uma tesoura e cortar o cabelo — puxou a massa para trás — cortar esse cabelo sujo quase totalmente. Gostaria de tomar um banho, um banho com água quente e sabonete. Passou a língua pelos dentes, investigando, e decidiu que também seria bom ter uma escova de dentes. Daí, viriam as unhas...

Ralph virou a mão e olhou. As unhas estavam roídas até o sabugo, embora não pudesse lembrar quando retomara o hábito, nem as vezes em que se entregara a ele.

— Logo estarei chupando o dedo...

Olhou em volta, furtivamente. Aparentemente ninguém ouvira. Os caçadores estavam sentados, enchendo-se com essa comida fácil, tentando convencer-se de que lhes bastavam as bananas e aquela fruta cinza-oliva parecida com geleia. Com a lembrança de sua limpeza dos outros tempos como padrão, Ralph olhou-os. Estavam sujos, não com aquela sujeira espetacular de meninos que caíram na lama ou correram patinhando nas poças de um dia chuvoso. Nenhum deles pedia tão gritantemente um banho, mas... os cabelos estavam compridos demais, emaranhados aqui e ali, com uma folha seca ou um raminho presos; até que os rostos estavam limpos, graças aos processos de comer e suar, mas tinham marcas nos ângulos menos acessíveis, uma espécie de sombra; as roupas, esfarrapadas, endurecidas como as dele pelo suor, eram usadas não por pudor ou conforto, mas apenas por hábito; a pele estava ressecada pelo ar marinho...

Descobriu com um leve aperto no coração que aquelas eram as condições que aceitava agora como normais e nada estranhas. Suspirou e afastou a haste de onde tirara uma fruta. Os caçadores já estavam afastando-se para fazer suas necessidades no mato ou mais embaixo, nas rochas. Virou-se e olhou para o mar.

Ali, do outro lado da ilha, a vista era completamente diferente. Os encantos nebulosos das miragens não podiam resistir às frias águas do oceano e o horizonte era recortado num azul duro. Ralph desviou os olhos para as pedras. Lá, quase ao nível do mar, podia-se seguir a incessante passagem das ondas do mar profundo. Tinham quilômetros de extensão, aparentemente sem arrebentar e sem as ondulações das águas mais rasas. Passavam ao largo da ilha com um ar de negligência, ocupadas com outra coisa; eram não só um movimento progressivo mas o momentoso fluxo e refluxo de todo o oceano. Agora, o mar sugaria, fazendo cascatas e cachoeiras de água, se retirando; depois, penetraria além das rochas e alisaria as algas como cabelos brilhantes; depois, ainda, uma pausa, e o mar se recolheria em si mesmo e subiria com um rugido, cobrindo irresistivelmente promontórios e afloramentos, subindo o pequeno recife, lançando, afinal um braço de ondas na arrebentação até se deter a um metro ou pouco mais de Ralph, com dedos de espuma.

Onda após onda, Ralph seguiu o fluxo e o refluxo até que algo da natureza remota do mar entorpeceu-lhe o cérebro. Então, gradativamente, a extensão quase infinita dessas águas obrigou-o a prestar atenção. Aquilo era o divisor, a barreira. Do outro lado da ilha, amenizado ao meio-dia pelas miragens, defendido pelo escudo da tranquila lagoa, podia sonhar com o salvamento, mas ali, ante a brutal insensibilidade do oceano, os quilômetros de distância, sentia-se prisioneiro, sem esperanças, condenado até...

Simon falou quase ao seu ouvido. Ralph viu que apertava dolorosamente uma pedra nas mãos: percebeu que seu corpo estava arqueado, que os músculos de seu pescoço estavam contraídos e a boca aberta, tensa.

— Você vai voltar ao lugar de onde veio.

Simon balançava a cabeça ao falar. Estava ajoelhado numa só perna, olhando para baixo, para a pedra que apertava com ambas as mãos. A outra perna chegava à altura da cabeça de Ralph.

Ralph ficou perplexo e procurou alguma pista no rosto de Simon.

— É tão grande, quero dizer...

Simon assentiu.

— Não faz mal. Você vai voltar, eu acho, pelo menos...

Parte da tensão sumira do corpo de Ralph. Deu uma olhada para o mar e sorriu amargamente para Simon.

— Você tem um navio no bolso?

Simon sorriu e sacudiu a cabeça.

— Como você sabe, hem?

Quando Simon ficou quieto, Ralph disse brevemente: — Você está maluco.

Simon sacudiu a cabeça violentamente, o cabelo negro e áspero caindo-lhe no rosto, nesse movimento, para trás e para a frente.

— Não, não estou. Só pensei que você vai voltar.

Por momentos não falaram mais nada. Então, sorriram de repente um para o outro.

Roger chamou, de uma cova.

— Venham ver!

O chão dava uma volta perto da trilha dos porcos e havia excremento fumegante. Jack inclinou-se sobre aquilo como se o amasse.

— Ralph, precisamos de carne, mesmo que estejamos caçando outra coisa.

— Se não nos desviarmos, caçaremos.

Partiram novamente, os caçadores um pouco arqueados com medo do bicho, enquanto Jack seguia na frente. Iam mais devagar do que Ralph gostaria; de certo modo, porém, estava contente por andar lentamente, agitando a lança. Jack estava às voltas com algum problema da caçada e a procissão parou. Ralph encostou-se numa árvore e imediatamente se entregou ao sonhar acordado. Jack estava encarregado da caçada e haveria tempo de chegar à montanha...

Certa vez, seguindo seu pai de Chatham a Davenport, morara numa casa à beira dos pântanos. Na sucessão de casas que conhecera, essa surgia com singular nitidez porque depois dessa casa foi mandado para a escola. Mamãe ainda estava com eles e papai vinha para casa todo dia. Pôneis selvagens vinham até a cerca de pedras do fim do jardim e nevava. Bem atrás da casa havia uma espécie de barracão e se podia ficar ali, vendo os flocos de neve passarem girando. Podia-se ver o ponto úmido em que cada floco morria, depois se podia descobrir o primeiro floco que caía sem derreter e ficar olhando o chão embranquecendo completamente. Podia-se entrar em casa quando se sentia frio e ficar olhando pela janela, além daquela brilhante chaleira de cobre e do prato com os homenzinhos azuis...