Quando se ia para casa, havia uma tigela de flocos de milho com açúcar e leite. E os livros — ficavam numa estante junto à cama, obliquamente, sempre com dois ou três postos lá em cima, porque ele não os quisera colocar de volta ao seu lugar. As pontas das páginas estavam dobradas e as capas tinham riscos. Havia aquele brilhante, resplandecente, sobre Topsy e Mopsy, que nunca lera porque era sobre duas meninas; havia um sobre o Mago, que ele lia com uma espécie de terror contido, pulando a página 27 e a terrível ilustração da aranha; havia um livro sobre gente que desenterrava coisas, coisas egípcias; havia o Livro infantil dos trens, o Livro infantil dos navios. Nitidamente, apareceram diante dele, se estendesse a mão podia tocá-los, sentir seu peso e perceber como o Livro gigante dos meninos vinha escorregando e caía nas suas mãos... Tudo estava bem; tudo era alegre e amistoso.
Os arbustos estalaram à sua frente. Os meninos saíram desordenadamente da trilha de porcos e se emboscaram nas trepadeiras, gritando. Ralph viu Jack ser empurrado para o lado e cair. Então, apareceu uma criatura pulando pela trilha de porcos na sua direção, com brilhantes presas e um grunhido intimidante. Ralph viu que podia medir a distância friamente e mirar. Com o javali a uns cinco metros de distância, arremessou a incrível lança de madeira que carregava, viu-a acertar no grande focinho e ficar pendurada ali por um instante. O grunhido virou guincho e o animal se enfiou pelo mato. A trilha se encheu outra vez de meninos que gritavam. Jack veio correndo e enfiou a lança nos arbustos.
— Por aqui...
— Mas ele nos viu!
O javali se afastava. Descobriram outra trilha paralela à primeira e Jack começou a correr. Ralph estava cheio de medo, apreensão e orgulho.
— Acertei nele! A lança se enfiou no...
Chegaram inesperadamente a um espaço aberto junto ao mar. Jack olhou ansiosamente pela rocha nua.
— Fugiu.
— Acertei nele — disse Ralph de novo —, e a lança se enfiou um pouco.
Sentiu necessidade de testemunhas.
— Você não me viu?
Maurice fez que sim.
— Eu vi. Bem lá no focinho... Uuuiii!
Ralph continuou, excitado.
— Acertei-o mesmo. A lança se enfiou. Eu feri!
Sentiu o calor do novo respeito dos outros e achou que afinal a caçada fora uma coisa boa.
— Peguei-o mesmo. Era o bicho, eu acho!
Jack voltou.
— Não era o bicho. Era um javali.
— Acertei nele.
— Por que você não o pegou? Eu tentei...
A voz de Ralph ficou mais alta.
— Mas um javali!
Jack ficou vermelho, de repente.
— Disse que nos viu, por que o acertou? Por que não esperou?
Estendeu um braço.
— Veja.
Virou o antebraço esquerdo para que todos vissem. Na parte externa havia um machucado; pequeno, mas sangrando.
— Ele fez isso com suas presas. Não pude enfiar a lança a tempo.
As atenções voltaram-se para Jack.
— É uma ferida — disse Simon —, e você deve chupá-la. Como Berengaria.
Jack chupou.
— Acertei nele — disse Ralph, indignado. — Acertei com minha lança, feri o bicho.
Tentou atrair as atenções.
— Estava vindo pelo caminho. Lancei, assim...
Robert mostrou-lhe os dentes. Ralph entrou no brinquedo e todos riram. Acabaram todos atacando Robert que fingia investir.
Jack gritou.
— Façam um círculo!
O círculo moveu-se para a frente e para trás. Robert atacou, fingindo terror, mas depois com dor de verdade.
— Ai! Parem! Estão machucando!
O cabo de uma lança caiu nas suas costas enquanto fugia.
— Peguem!
Pegaram-no pelos braços e pernas. Ralph, impelido por uma repentina e violenta excitação, pegou a lança de Eric e atacou Robert.
— Matem! Matem!
De repente, Robert gritava e lutava com força frenética. Jack pegou-o pelo cabelo e brandiu a faca. Atrás dele estava Roger, lutando por chegar mais perto. O canto subiu, ritual, como no último momento de uma dança ou caçada.
— Matem o porco! Cortem a garganta! Tirem o sangue!
Ralph também lutava para chegar mais perto, para atingir um punhado daquela carne bronzeada e vulnerável. O desejo de apertar e machucar era irresistível.
O braço de Jack desceu; o círculo palpitante aplaudiu, imitou os ruídos de porco morrendo. Então ficaram quietos, ofegando, ouvindo os gemidos assustados de Robert. Ele esfregou a cara com um braço sujo e fez um esforço para recuperar sua posição.
— Ai, minha bunda!
Esfregou tristemente o traseiro. Jack rolou sobre a grama.
— Foi uma boa brincadeira.
— Só uma brincadeira — disse Ralph, preocupado. — Uma vez me machucaram pra valer numa brincadeira assim...
— Deveríamos ter um tambor — disse Maurice —, então poderíamos fazer tudo como se deve.
Ralph encarou-o.
— Como se deve?
— Não sei. É preciso uma fogueira, acho. E um tambor. Marca-se o ritmo com o tambor.
— É preciso um porco — disse Roger —, como numa caçada de verdade.
— Ou alguém para fingir — disse Jack. — Podíamos arranjar alguém vestido de porco e ele poderia fingir... bem, fingir que me derrubava e tudo isso...
— Você quer um porco de verdade — disse Robert, ainda esfregando o traseiro —, porque tem de matá-lo.
— Pode-se usar um dos pequenos — disse Jack, e todos riram.
Ralph se sentou.
— Bem. Não vamos achar o que estamos procurando, se continuarmos assim.
Um a um ficaram de pé, alisando os farrapos.
Ralph olhou para Jack.
— Agora, a montanha.
— Não seria melhor voltarmos até onde Porquinho está, antes de escurecer? — disse Maurice.
Os gêmeos fizeram que sim, como se fossem apenas um menino.
— Sim. É mesmo. Podemos subir a montanha amanhã.
Ralph olhou e viu o mar.
— Precisamos acender a fogueira de novo!
— Você está sem os óculos de Porquinho — disse Jack —, não conseguirá acender.
— Então vamos ver se há algo na montanha.
Maurice falou, hesitante, não querendo parecer covarde.
— E se o bicho estiver lá em cima?
Jack brandiu a lança.
— Nós o mataremos.
O sol parecia ter esfriado um pouco. Jack golpeou o ar com a lança.