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— Que estamos esperando?

— Acho — disse Ralph — que se formos pela beira-mar chegaremos bem embaixo do lugar da fogueira. Poderíamos então subir a montanha.

Mais uma vez Jack liderou-os ao longo da sucção e do palpitar do mar que cegava.

Mais uma vez Ralph sonhou, deixando seus pés hábeis encarregados das dificuldades do caminho. Mas os pés pareciam menos hábeis do que antes. Na maior parte do caminho, os meninos resvalaram pela rocha nua perto da água e tiveram de avançar entre as pedras e a luxuriante escuridão da floresta. Havia pequenas escarpas para serem transpostas, algumas para serem usadas como caminhos, compridas travessias onde se empregavam tanto as mãos quanto os pés. Aqui e ali tinham de escalar rochas batidas pelas ondas, pular poças límpidas deixadas pela maré. Chegaram a um canal que dividia a praia estreita como um fosso. Parecia não ter fundo e olharam espantados para a abertura sombria onde a espuma gorgolejava. Então, a onda recuou, o canal ferveu à frente deles e a espuma alçou-se até onde estavam, deixando-os molhados e trêmulos. Tentaram a floresta, mas ela era densa e cerrada como um ninho de pássaros; acabaram tendo de pular, um a um, nos momentos em que a água recuava; mesmo assim, alguns deles levaram outro banho. Depois, as rochas pareceram cada vez mais inacessíveis: eles pararam e se sentaram, secando seus farrapos e olhando os contornos recortados das ondas que se moviam tão lentamente ao largo da ilha. Acharam frutas num lugar habitado por passarinhos brilhantes que enxameavam como insetos. Ralph disse que estavam indo muito devagar. Subiu numa árvore e, abrindo as folhas da copa, viu a cabeça quadrada da montanha ainda bem longe. Então, tentaram correr ao longo das rochas e Robert sofreu um corte feio no joelho; tiveram de reconhecer que o caminho deveria ser percorrido devagar por segurança. Começaram a avançar como se estivessem subindo uma montanha perigosa, até que as pedras se tornaram uma escarpa inflexível que nascia na selva inacessível e caía a pique no mar.

Ralph olhou criticamente para o sol.

— É quase o fim da tarde. De qualquer forma, já passou da hora do chá.

— Não me lembro dessa escarpa — disse Jack, abatido —, logo, essa deve ser a parte da costa que não percorri.

Ralph concordou.

— Deixe-me pensar.

Nesse instante, Ralph não se sentiu constrangido por pensar em público, nem por enfrentar as decisões do dia como se estivesse jogando xadrez. O único problema é que nunca fora um bom jogador de xadrez. Pensou nos pequenos e em Porquinho. Nitidamente, imaginou Porquinho sozinho, enfiado no abrigo silencioso, onde só havia o sono de pesadelos.

— Não podemos deixar os pequenos sozinhos com Porquinho. Não a noite toda!

Os outros nada disseram, mas o rodearam, olhando.

— Se voltarmos, levará horas.

Jack limpou a garganta e falou numa voz afetada e tensa.

— Não devemos deixar que nada aconteça a Porquinho, não é?

Ralph bateu nos dentes com a ponta suja da lança de Eric.

— Se atravessássemos...

Olhou em volta.

— Alguém tem de cruzar a ilha e dizer a Porquinho que voltaremos após o escurecer.

Bill falou, como se não acreditasse.

— Atravessar a floresta, sozinho? Agora?

— Não podemos mandar mais de um.

Simon abriu caminho até o cotovelo de Ralph.

— Eu vou, se você quiser. Não faz mal, mesmo.

Antes de Ralph ter tempo de responder, ele sorriu rapidamente, virou-se e se enfiou na floresta.

Ralph olhou outra vez para um Jack furioso, como se o visse pela primeira vez.

— Jack, aquela vez que você deu a volta pelo castelo de pedra...

Jack olhou-o fixamente.

— Sim?

— Você chegou a uma parte dessa praia, embaixo da montanha, além dali.

— Sim.

— E então?

— Achei uma trilha de porcos. Tinha vários quilômetros.

Ralph balançou a cabeça. Apontou para a floresta.

— Então a trilha de porcos deve estar aí, em alguma parte.

Todos concordaram, judiciosamente.

— Muito bem, vamos por aí até descobrirmos a trilha de porcos.

Deu um passo e parou.

— Esperem um pouco! Onde vai dar a trilha?

— Na montanha — disse Jack. — Eu lhe disse. — Zombou: — Você não queria ir para a montanha?

Ralph suspirou, sentindo o antagonismo crescente, compreendendo que era assim que Jack se sentia, sempre que deixava de ser o líder.

— Eu estava pensando na luz. Iremos aos tropeções.

— Vamos procurar o bicho...

— Não teremos luz bastante.

— Não me importa — disse Jack ardorosamente. — Eu irei quando chegarmos lá. Você não? Será que você prefere voltar para as cabanas e contar tudo a Porquinho?

Agora foi a vez de Ralph corar, mas falou desesperadamente, com o novo entendimento que Porquinho lhe proporcionara.

— Por que você me odeia?

Os meninos agitaram-se, inquietos, como se alguém tivesse dito algo indecente. O silêncio aumentou.

Ralph, ainda corado e ferido, foi o primeiro a avançar.

— Vamos.

Foi na frente e começou a cortar os cipós. Jack fechava a marcha, deslocado e pensativo.

A trilha era um túnel escuro, pois o sol se dirigia rapidamente para beira-mundo e na floresta sempre abundavam as sombras. A trilha era ampla e batida; correram num passo acelerado e quando o teto de folhas se abriu, pararam, ofegantes, olhando para as poucas estrelas que surgiam em volta do cimo da montanha.

— Lá está.

Os meninos entreolharam-se, hesitantes. Ralph tomou uma decisão.

— Vamos direto para a plataforma, subiremos amanhã.

Houve murmúrios afirmativos, mas Jack estava às suas costas.

— Claro, se você estiver com medo...

Ralph virou-se para ele.

— Quem foi primeiro no castelo de pedra?

— Eu também fui. E era de dia.

— Muito bem. Quem quer subir a montanha agora?

O silêncio foi a única resposta.

— Sameeric. Vocês?

— Devemos ir avisar Porquinho.

— ...é, dizer a Porquinho que...

— Mas Simon foi!

— Devemos dizer a Porquinho... no caso...

— Robert? Bill?

Estavam querendo voltar à plataforma. Não que estivessem com medo, claro, só cansados.

Ralph virou-se para Jack.

— Viu?

— Eu vou subir a montanha.

As palavras saíram rancorosamente da boca de Jack como se fossem uma praga. Olhou para Ralph, seu corpo magro se retesou, a lança alta como que o ameaçando.

— Eu vou subir a montanha para procurar o bicho, agora.

Então, a suprema alfinetada, as palavras casuais e ácidas.

— Você vem?

Os outros meninos esqueceram sua vontade de ir embora e se viraram para observar esse novo confronto de dois espíritos, no escuro. A pergunta fora boa demais, venenosa demais, ferinamente intimidante — não precisava ser repetida. Atingiu um Ralph frio, de nervos relaxados, que pensava na volta às cabanas e às tranquilas e amistosas águas da lagoa.