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Por fim, foi sumindo a urgência da morte. Os meninos afastaram-se e Jack ficou de pé, esticando as mãos.

— Vejam.

Deu uma risadinha e mexeu as mãos, enquanto os meninos riam das suas palmas escuras. Jack pegou Maurice e esfregou o sangue nas faces do outro. Roger começou a retirar sua lança e os meninos viram-na pela primeira vez. Robert saudou a operação com uma frase que foi recebida estrepitosamente.

— Bem no cu!

— Ouviram?

— Ouviu o que ele disse?

— Bem no cu!

Desta vez, Robert e Maurice interpretaram os dois papéis. Maurice, imitando os esforços da porca para evitar a lança foi tão engraçado que os meninos gritaram de tanto rir.

Até isso acabou cansando. Jack começou a limpar as mãos sangrentas na pedra. Depois, foi até a porca, tirou os quentes sacos de entranhas coloridas, empilhando-os na pedra, enquanto os outros o observavam. Falou, enquanto trabalhava.

— Vamos levar a carne para a praia. Vou voltar até a plataforma e convidá-los para uma festa. Isso deve nos dar tempo.

Roger falou.

— Chefe...

— Hem?

— Como é que vamos fazer uma fogueira?

Jack recuou, de cócoras, e franziu a testa para a porca.

— Vamos atacar e pegar o fogo. Irão quatro: Henry e você, Bill e Maurice. Vamos pintar a cara; iremos sem barulho. Roger pode pegar um galho aceso, enquanto eu digo qualquer coisa. O resto pode levar isso para onde estávamos. Vamos fazer a fogueira lá. Depois...

Fez uma pausa e se levantou, olhando para as sombras sob as árvores. Sua voz ficou mais baixa.

— Vamos deixar parte da caça para o...

Ajoelhou-se de novo e pegou a faca. Os meninos se amontoaram ao seu redor. Falou por sobre o ombro de Roger.

— Afie uma vara com duas pontas.

Levantou-se, segurando a gotejante cabeça da porca.

— Onde está a vara?

— Aqui.

— Enfie uma ponta na terra. Oh, é pedra. Enfie naquele buraco. Aí!

Jack segurou a cabeça e forçou a garganta macia para baixo, sobre a ponta da vara, que saiu pela boca. Deu um passo para trás e a cabeça ficou ali, pendurada, com um pouco de sangue escorrendo madeira abaixo.

Instintivamente, os meninos também recuaram. A floresta ficou muito quieta. Tentaram escutar alguma coisa e o barulho mais alto era o zumbido das moscas sobre as entranhas espalhadas.

Jack falou, num sussurro.

— Peguem o porco.

Maurice e Robert enfiaram uma lança na carcaça, levantaram o peso morto e esperaram. No silêncio, de pé sobre o sangue seco, pareciam subitamente furtivos.

— Essa cabeça é para o bicho. É um sacrifício.

O silêncio aceitou a oferenda e os assustou. A cabeça continuou ali, de olhos opacos, como que sorrindo levemente, o sangue escurecendo entre os dentes. Logo começaram a correr o mais depressa possível, através da floresta em direção à praia aberta.

Simon ficou onde estava, uma pequena imagem bronzeada, oculta pelas folhas. Mesmo quando fechava os olhos, a cabeça da porca continuava ali, como uma visão persistente. Os olhos meio fechados eram opacos, com o cinismo infinito da vida adulta. Garantiram a Simon que tudo aquilo fora um mau negócio.

— Sei disso.

Simon descobriu que falara alto. Abriu os olhos e ali estava a cabeça, sorrindo divertida sob a estranha luz do dia, ignorando as moscas, as entranhas espalhadas, ignorando até a indignidade de estar enfiada numa vara.

Olhou para longe, passando a língua pelos lábios secos.

Um sacrifício para o bicho. O bicho não viria buscá-lo? A cabeça, pensou, parecia concordar com ele. Fuja, dizia a cabeça silenciosamente, vá para junto dos outros. Foi uma piada, mesmo — por que se preocupar? Você só está errado, nada mais. Uma pequena dor de cabeça, alguma coisa que comeu, talvez. Volte, criança, disse a cabeça silenciosa.

Simon olhou para cima, sentindo o peso do seu cabelo molhado, e fixou o céu. Lá em cima havia nuvens, grandes torres inchadas que cresciam sobre a ilha, cinzentas, castanhas e cor de cobre. As nuvens estavam apoiadas na terra; esmagavam, produziam aquele calor denso e opressivo, de momento a momento. Até as borboletas desertaram da clareira onde a coisa obscena sorria e gotejava. Simon baixou a cabeça, fechando cuidadosamente os olhos, depois escondeu-os com as mãos. Não havia sombras sob as árvores, mas em toda parte dominava uma quietude no ar transparente e o que era real parecia ilusório e indefinido. A pilha de entranhas era uma bolha negra de moscas que zumbiam como uma serra. Depois, as moscas descobriram Simon. Fartas, pousaram às margens dos riachos de suor e beberam. Fizeram cócegas sob as narinas e brincaram de pular sela nas suas coxas. Eram inúmeras, pretas e verdes iridescentes. Diante de Simon, o Senhor das Moscas estava pendurado na vara e sorria. Enfim, Simon desistiu e olhou; viu os dentes brancos e os olhos opacos, o sangue — e seu olhar esgazeado prendeu-se àquele reconhecimento antigo e irrecusável. Na têmpora direita de Simon, um latejar começou a golpear seu cérebro.

Ralph e Porquinho estavam deitados na areia, olhando a fogueira e jogando preguiçosamente pedrinhas nas brasas sem fumaça.

— O galho já queimou.

— Onde está Sameeric?

— Precisamos de mais madeira. Estamos sem galhos verdes.

Ralph suspirou e se levantou. Não havia sombras sob as palmeiras na plataforma; só a luz estranha que parecia vir de toda parte ao mesmo tempo. Lá do alto, entre as nuvens inchadas, veio uma trovoada que soou como um canhão.

— Vai cair uma chuvarada.

— E a fogueira?

Ralph correu para a floresta e voltou com um monte verde que jogou na fogueira. O ramo estalou, as folhas se dobraram e a fumaça amarela subiu.

Porquinho desenhou com os dedos na areia uma figura sem significado.

— O problema é que não temos gente bastante para manter a fogueira. Você deu um turno só a Sameeric. Eles fazem tudo juntos...

— Certo.

— Ora, não é justo. Não vê? Eles devem ter dois turnos.

Ralph pensou nisso e compreendeu. Ficou envergonhado ao ver como não pensava de maneira adulta. Suspirou de novo. A ilha estava ficando cada vez pior.

Porquinho olhou para a fogueira.

— Logo vamos precisar de outro galho verde.

Ralph rolou sobre si mesmo.

— Porquinho, que vamos fazer?

— Vamos passar sem eles.

— Mas... a fogueira?

Franziu a testa para a confusão branca e preta em que jaziam as pontas não queimadas dos galhos. Tentou explicar.

— Estou com medo.

Viu Porquinho olhar para cima e seguiu esse olhar.

— Não do bicho. Quero dizer, também dele, mas ninguém mais entende a questão da fogueira. Se alguém joga uma corda quando você está se afogando... se um médico diz “tome isso senão você vai morrer”, você toma, não é? Entendeu?

— Claro que sim.

— Eles não entendem? Não compreendem? Sem o sinal de fumaça iremos morrer aqui! Veja isso!

Uma onda de ar quente tremeu sobre as cinzas, mas sem um traço de fumaça.